“A Vida Depois do Tombo” – Porque o ódio contra Karol Conká continua até hoje?
Por Felipe Almeida
Na última semana, o aguardado documentário “A Vida Depois do Tombo”, que aborda a polêmica trajetória de Karol Conká na 21ª edição do Big Brother Brasil, estreou na Globoplay.
Em quatro episódios, com cerca de 30 minutos cada, a produção coloca a artista em um divã, deixando-a ainda mais exposta ao público e debatendo os gatilhos que causaram suas ações dentro da casa.
Karol errou e não há o que se discutir a respeito. Porém, a cada dia que passa, é visível que o ódio, quase absoluto, que a artista curitibana vem recebendo, não se resume apenas aos acontecimentos no programa. Uma grande cavalaria de racismo e preconceito vem acompanhando toda essa raiva, ainda mais na edição do Brasil, considerado um dos países mais racistas do mundo, senão o mais.
Karol Conká é uma voz revolucionária, com letras que despertam aquele ser dormente dentro de cada um que escuta seu som, seja pelas composições empoderadas, sua luta ou pelo o que conseguiu conquistar durante esse tempo nos holofotes, já lhe rendendo prêmios diversos nas categorias de Melhor Cantora, Melhor Música (“Lalá”), Rap Nacional, Melhor Clipe (“Tombei” part Trokillaz), entre outros.
“Macac*, p*ta” foram alguns dos xingamentos usados pelo público no momento da eliminação. Termos que não podem ser justificados nem com os piores dos crimes, coisa que a artista não cometeu. A curitibana foi eliminada com 99,17% de votos, sendo a maior rejeição de um participante em todas as edições do Big Brother do mundo.
Ela pode ser “acusada” de pressão psicólogica contra o participante Lucas Penteado, de criação de histórias fictícias em sua própria cabeça tentando torná-las realidade em um quase complô contra Carla Diaz, além de grosserias gratuitas e outras formas de agressões verbais, que podem ser interpretadas e justificadas como um piloto automático em respostas a tantas ofensas gratuitas e preconceituosas recebidas durante toda sua vida. O jogo da Karol acabou, mas por que o ódio contra a artista está tão duradouro?
Outros participantes do reality também cometeram erros gravíssimos, como o cantor sertanejo Rodolffo. Foram alguns comentários homofóbicos e racistas emitidos pelo brother, como quando Gil do Vigor, um dos queridinhos para o prêmio de R$1,5 milhão, se aproximava do participante. “Toda vez que eu estou em um lugar, ele sai. Não consigo entender o porquê até hoje”, reclama Gil em uma das situações.
Em outro momento, Rodolffo falou sobre o professor de Geografia João Luis, comparando seu cabelo black power ao de uma peruca mal cuidada, que fazia parte da fantasia do monstro. João abriu seus sentimentos e, mesmo com o racismo extremo exposto, Rodolffo não consegiu compreender a gravidade de sua fala, repetindo-a por mais algumas vezes durante o programa.
Rodolffo, um homem branco e cantor sertanejo, foi perdoado rapidamente pelo público. “Ele não fez por mal”, justicavam alguns dos seus seguidores. A fala do brother revela um racismo estrutural impregnado na sociedade brasilera, uma vez que grande parte dos telespectadores se identicaram com seu comentário. Seu hit “Batom de Cereja” vem dominando as paradas musicais e batendo recordes. Por que o perdão para ele foi tão rápido e Karol Conká ainda precisa pedir milhares de desculpas, mesmo após vários outros milhares de pedidos de desculpas?
O documentário “A Vida depois do Tombo” bateu recordes de exibições e se tornou a produção mais assistida na Globoplay nos últimos dias. Se a artista mudou ou não após toda essa polêmica, isso vai de acordo com a noção de suas próprias consequências, seja pelo tratamento do público, os cortes de contrato, entre outros. Porém, o que o público precisa fazer é somente ter compaixão. O jogo acabou. O ódio também precisa acabar.