Em Paranaguá, casos de pornografia infantil aumentam durante a pandemia
O combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes ganhou força, no Brasil, há 20 anos, quando o dia nacional para a mobilização foi instituído, por meio da Lei Federal nº 9.970/2000. A data, 18 de maio, foi escolhida porque no mesmo dia, em 1973, na cidade de Vitória (ES), um crime bárbaro chocou todo o país e ficou conhecido como o “Caso Araceli”. Esse era o nome de uma menina de apenas oito anos de idade, que teve todos os seus direitos humanos violados, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta daquela cidade. O crime, apesar de sua natureza hedionda, até hoje está impune.
Em Paranaguá, existe o Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), órgão vinculado à Polícia Civil e que, apesar de ter atendido casos de violência doméstica de 2015 até abril de 2019, voltou à sua função exclusiva: atender situações onde há violência contra crianças e adolescentes.
A delegada responsável pelo Nucria é Maria Nysa Moreira Nanni, que informa que o maior número de casos atendidos é o de estupro contra vulneráveis, mas há, também, aqueles de exploração sexual, entre outros. “É importante destacar a diferença entre abuso sexual e exploração sexual. O abuso não, necessariamente, envolve dinheiro, e na exploração a criança é usada para alguém ter algum tipo de vantagem em relação ao abuso que ela irá sofrer”, explica.
116 inquéritos instaurados em 2019
Na cidade, no ano passado, dos 116 inquéritos instaurados pelo núcleo, 50 estavam relacionados a casos de estupros de crianças e/ou adolescentes, enquanto que seis tratavam sobre exploração sexual ou favorecimento à prostituição. “O fato de não termos um número expressivo da exploração sexual aqui, não significa que o crime não aconteça, porque existe um outro lado, a subnotificação. Às vezes, a criança nem reconhece a situação como um abuso ou exploração, ela vai despertar para aquela condição depois que receber uma informação diferente”, avisa.
Com relação à exploração sexual, Nysa comenta que o crime acontece quando uma pessoa está se servindo da criança ou adolescente, por exemplo, estimulando a prostituição, ou, quando familiares ou parentes oferecem-na para alguém e, em troca, recebem algum valor. “Porém, nem toda criança que passa por isso, ou sofre algum abuso, tem a família como principal culpada, pois, muitas vezes, a própria família desconhece a situação, por negligência, desatenção, por acreditar que a criança que está brincando na rua, na casa de um vizinho ou parente está segura”, afirma.
Maioria dos estupros acontece dentro de casa
Apesar dos poucos casos de exploração sexual, a delegada se mostra incrédula com os números. “É impossível que somente seis situações tenham ocorrido nessa cidade com mais de 140 mil habitantes, mas existe a subnotificação. Toda vez que a gente vê uma criança fora da escola, familiares em situação de miserabilidade, já acende o alerta. Essas são as principais condições que fazem com que a criança seja empurrada para ser oferecida em troca de dinheiro, e nossa constatação é que a condição de miserabilidade aumenta muito a chance de ela ser exposta à exploração sexual”, revela.
Já sobre os estupros, ela afirma que a maioria das 50 investigações iniciadas em 2019 apontam que os casos acontecem dentro de casa e envolvem familiares. “Não são familiares necessariamente biológicos, como pais e avôs, embora também hajam casos deste tipo, mas os mais comuns são de padrastos ou avôs de consideração que tentam ou consumam o ato contra a criança. A primeira referência de como conhecer o mundo vem da família, e se ela não proporciona a real proteção à criança, ela nem vai saber que o que está acontecendo é errado, é um crime”, comenta.
Quarentena aumentou casos de pornografia infantil
Neste ano, devido às medidas de isolamento domiciliar impostas pela pandemia do novo coronavírus, milhares de crianças e adolescentes estão confinadas com seus abusadores dentro de casa, e esta é uma preocupação da delegada. Porém, até o momento, ela informa que não houve uma percepção no aumento de casos relacionados ao estupro durante a quarentena.
“Em 2020, de 01 de janeiro até hoje, dia 20 de maio, foram instaurados 58 inquéritos no Nucria, sendo que 26 são de casos de estupro. Relacionado à exploração sexual tivemos somente um caso, por enquanto. No entanto, percebemos um aumento nos casos de assédio a partir da internet e pornografia infantil, já estão em investigação cinco casos, enquanto que no ano de 2019 inteiro, tivemos apenas dois”, informa Nysa.
A delegada comenta que este aumento deve estar relacionado ao confinamento, uma vez que os pais estão tendo mais tempo com os filhos e, consequentemente, oportunidades para verificar celulares e computadores. “Os pais estão mais próximos dos filhos de alguma forma e, com isso, conseguem verificar o que está acontecendo. Esses casos de assédio e pornografia na internet são complicados porque, muitas vezes, o adulto pede uma foto da criança, em determinadas poses, sem roupas, e logo em seguida pede para que a vítima apague do aparelho”, diz.
Atendimentos durante a pandemia
Durante a pandemia, os atendimentos no Nucria continuam sendo realizados presencialmente, porém, há restrição ao número de entrada de pessoas na delegacia e a quantidade de servidores que prestam o atendimento. Para facilitar as denúncias que envolvam crimes contra crianças e adolescentes durante este momento, a população pode realizar a solicitação de Boletim de Ocorrência por e-mail.
“As pessoas podem enviar um e-mail se identificando através de nome completo e RG, descrever a situação que está acontecendo e solicitar a elaboração do BO. A denúncia pode ser feita pelo e-mail [email protected]”, explica a delegada.
Ela destaca que para combater a violência contra as crianças e adolescentes, especialmente relacionada ao abuso, exploração sexual e crimes virtuais, é importante que os pais estejam sempre atentos. “A internet foi um potencializador do contato inadequado que a criança e o pré-adolescente têm com o mundo, porém, as pessoas que estão em volta desses jovens precisam ser muito francos com eles, conversar com seus filhos, explicar o que é um comportamento adequado, um carinho aceitável e, o mais importante, que o corpo é sagrado, não é qualquer pessoa que vai ficar pegando e encostando na criança. A criança não é um boneco, ela precisa ter sua integridade respeitada, seu espaço respeitado, é importante dar voz a ela e a ouvir com paciência”, conclui.