Governo do Estado censura debate sobre drogas em Paranaguá


Por Redação JB Litoral Publicado 15/10/2015 às 04h00 Atualizado 14/02/2024 às 10h23

No último dia 07, o Governo do Estado, através da secretaria do Estado de Educação (SEED) e o Núcleo Regional de Educação (NRE) de Paranaguá, proibiram de última a hora a cessão do auditório do Colégio Estadual José Bonifácio, em Paranaguá, onde seria realizado o evento “Drogas: uma questão moral ou de segurança pública?”, promovido pelo DCE “29 de Julho” da Unespar/campus Paranaguá”. A “censura” repercutiu entre entidades acadêmicas, jurídicas, sociais e sindicais de todo o Paraná, com assinatura coletiva no último dia 14 de uma carta aberta de repúdio à atitude feita pela SEED e pelo NRE.

De acordo com a carta, assinada pelo DCE 29 de Julho junto a mais de dez entidades representativas do Estado, o cancelamento da cessão do auditório foi feita de forma unilateral pelo Governo do Estado, com a justificativa de que o debate se tratava de um evento com possíveis variáveis de interpretação e que coincide com eventos similares que vêm sendo realizados pela SEED/NRE no litoral sobre as drogas. Segundo o documento, o motivo dado para a censura demonstra que para “os gestores das políticas educacionais da cidade, debater se as drogas podem ser encaradas como uma questão de cunho moral ou como um problema segurança pública é algo inapropriado”, afirma, ressaltando que essa atitude é antidemocrática.

A proibição da utilização do auditório foi feita de última hora, com menos de 24 horas de antecedência, desrespeitando a organização do evento, que já havia obtido a autorização para o uso do auditório junto ao colégio, sendo que, somente após isso passou a divulgar o debate, que contaria com a presença de juristas e estudiosos do assunto. “A ordem, que veio do Núcleo Regional de Educação e da Secretaria de Estado da Educação, deu à direção da escola duas opções: não ceder o espaço ou se responsabilizar pelas consequências”, afirma a carta, demonstrando a intimidação feita pelo NRE à direção do colégio, que, após isso, teve que emitir ofício formalizando o encerramento da cessão do espaço para o evento, onde não se mencionou o fato de terem sidos pressionados a cancelarem o evento.

AUSÊNCIA DE DIÁLOGO

Segundo a carta, em nenhum momento os representantes do NRE e da SEED procuraram estabelecer qualquer diálogo com o DCE “29 de Julho”, demonstrando que a proibição partiu deles sem nem mesmo saber o que iria ser discutido no auditório. “Não houveram questionamentos sobre a abordagem e os objetivos do debate, que contava com a presença de Especialistas, Mestres e Doutores em Segurança Pública, Educação e Saúde, e que propunha um debate sincero, científico e crítico, no qual todos os presentes poderiam trazer seu ponto de vista e reflexões. Salienta-se que todos os palestrantes produziram publicações científicas acerca do tema, como teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de graduação e especialização. A pergunta que fazemos é: estes estudos científicos que seriam apresentados e discutidos com a sociedade foram previamente analisados pelos responsáveis pelo cancelamento?”, questiona a organização. [tabelas]

CRÍTICAS AO GOVERNO RICHA

A carta aberta também teceu críticas abertas à gestão do governador Beto Richa (PSDB), principalmente no que tange à área de educação. Manifestando seu repúdio pela linha de atuação da gestão do PSDB no Paraná, a carta afirma que o Governo do Estado já possui um histórico de gestão antidemocrática e contrária aos anseios da população parananense, exemplificando com os recentes casos do massacre dos professores no dia 29 de abril, por ordem do governo estadual, bem como a “recente aprovação do Projeto de Lei 631/15, que transforma as eleições para direção das escolas estaduais num teatro, reservando a palavra final ao próprio Governo”, critica. Além disso, o DCE ressalta que havia procurado as dependências da própria Unespar para realizar o evento, porém, “devido ao sucateamento da mesma, todos os ambientes estão sendo utilizados como sala de aula, inclusive o auditório”, observou.

ESTADO NÃO RESPEITA DEBATE DEMOCRÁTICO SOBRE AS DROGAS

No mesmo dia 07, data onde seria realizado o debate “Drogas: uma questão moral ou de segurança pública?”, o Governo do Estado promoveu um outro evento sobre drogas também no litoral do Paraná, porém com abordagem diferente, onde se tinha “o objetivo de intensificar e reforçar os discursos que vem sendo repetidos há anos no que se refere ao controle e a proibição seletiva do uso de drogas”, ressalta a carta. “Fica claro que não há qualquer interesse por parte do Estado em reconhecer os danos do paradigma de proibição às arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas (que afeta de forma seletiva os mais pobres, as mulheres, os jovens e os negros) e nem na participação democrática da sociedade na elaboração de novas políticas públicas sobre drogas no país, que garanta o respeito aos direitos humanos e à cidadania”, observa a carta, demonstrando a ausência de respeito democrático da gestão estadual, que proibiu o debate em Paranaguá por ter uma linha de pensamento diferente da estabelecida pelo poder vigente. Por fim, a carta afirma manifestar publicamente total repúdio à atitude feita pelo NRE e pela SEED.

VEJA QUEM ASSINOU A CARTA:

Assinaram a carta aberta o Diretório Central dos Estudantes (DCE “29 de julho”) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar/campus Paranaguá); a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual do Paraná (Sindunespar); o Coordenador do Curso de Direito do Instituto Superior do Litoral do Paraná (Isulpar), Bruno Gasparini; o Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (Cespdh) da Universidade Federal do Paraná (UFPR); o Núcleo de Estudos da Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG); o Grupo de Pesquisa Subjetividade, Poder e Resistências da Universidade Vila Velha (UVV); a Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – Paraná; a Marcha da Maconha Curitiba; o RUA Juventude Anticapitalista; a Coletivo Construção; a LSR – Seção Brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores e o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Paraná (APP Sindicato Paranaguá).

LEIA A CARTA ABERTA NA ÍNTEGRA:

Como é difícil exorcizar relações sociais entregues publicamente ao demônio, ao repúdio e ao escárnio. Na maioria das vezes, não bastam a convicção, a cultura e a coragem individual dirigidas contra o maniqueísmo. São necessárias também forças sociais coletivas que questionem ativamente a carga moral e legal atribuída a uma relação; ou rupturas históricas que revertam o sentido dessa carga (…) – Fernando Rojas H. (prefácio do livro A face oculta da droga).

O evento Drogas: uma questão moral ou de segurança pública?, promovido pelo DCE “29 de Julho” da Unespar/campus Paranaguá, que ocorreria no dia 07 de outubro, no auditório do Colégio Estadual José Bonifácio, foi cancelado unilateralmente pela Secretaria de Estado da Educação (Seed) e Núcleo Regional de Educação (NRE). A justificativa? Para os gestores das políticas educacionais da cidade, debater se as drogas podem ser encaradas como uma questão de cunho moral ou como um problema segurança pública é “inapropriado”, pois “trata-se de um evento com possíveis variáveis de interpretação e que coincide com eventos similares que vêm sendo realizados pela Seed/NRE no Litoral do Paraná sobre as drogas”.

Com menos de 24 horas de antecedência, a organização do referido evento foi informada, por telefone, que a autorização para a utilização do auditório havia sido cancelada. A ordem, que veio do Núcleo Regional de Educação e da Secretaria de Estado da Educação, deu à direção da escola duas opções: não ceder o espaço ou se responsabilizar pelas consequências. Atendendo ao pedido dos organizadores do evento, a diretoria do colégio emitiu um ofício formalizando o encerramento da cessão, no qual não mencionou o fato de terem sidos pressionados a cancelarem o evento.
Convém sublinhar que em momento algum o DCE “29 de Julho” foi procurado por representantes do governo estadual (NRE/Seed), logo, não houve questionamentos sobre a abordagem e os objetivos do debate, que contava com a presença de Especialistas, Mestres e Doutores em Segurança Pública, Educação e Saúde, e que propunha um debate sincero, científico e crítico, no qual todos os presentes poderiam trazer seu ponto de vista e reflexões. Salienta-se que todos os palestrantes produziram publicações científicas acerca do tema, como teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de graduação e especialização. A pergunta que fazemos é: estes estudos científicos que seriam apresentados e discutidos com a sociedade foram previamente analisados pelos responsáveis pelo cancelamento?

É importante mencionar ainda, que o DCE “29 de julho” procurou dependências externas à universidade, pois devido ao sucateamento da mesma, todos os ambientes estão sendo utilizados como sala de aula, inclusive o auditório.

Infelizmente, apesar de estarmos vivendo um momento único, em que diversos países discutem de forma mais racional a questão das drogas, como por exemplo, o atual julgamento no Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade das regras criminalizadoras da posse para uso pessoal de drogas ilícitas (RE 635.659), as referidas instituições insistem em marginalizar e censurar debates acerca do tema (mesmo com a presença de profissionais da área), tornando-o um “tabu” e escondendo da sociedade profundas discussões sobre as atuais políticas criminais.
O que nos preocupa é que na mesma semana em que a Constituição Federal completou 27 anos, foi negada a possibilidade de realizar um debate aberto e mais humano sobre a questão das drogas com toda a sociedade.

Entretanto, mesmo censurados pelo NRE/Seed, os organizadores reuniram se na praça Portugal e realizaram um debate público sobre drogas e liberdade de expressão com a população que ali estava.

Enquanto isso, o Governo do Estado promovia um evento sobre drogas também no Litoral do Paraná, porém com o objetivo de intensificar e reforçar os discursos que vem sendo repetidos há anos no que se refere ao controle e a proibição seletiva do uso de drogas. Fica claro que não há qualquer interesse por parte do Estado em reconhecer os danos do paradigma de proibição às arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas (que afeta de forma seletiva os mais pobres, as mulheres, os jovens e os negros) e nem na participação democrática da sociedade na elaboração de novas políticas públicas sobre drogas no país, que garanta o respeito aos direitos humanos e à cidadania.

Por estas razões é que manifestamos publicamente nosso repúdio à atitude da NRE, da Seed e do Governo do Estado como um todo, que tem sistematicamente lançado mão de uma gestão antidemocrática e contrária aos anseios populares no Estado do Paraná, como foi o caso, por exemplo, do massacre do dia 29 de abril, bem como a recente aprovação do PL 631/15, que transforma as eleições para direção das escolas estaduais num “teatro”, reservando a palavra final ao próprio Governo.

13 de Outubro de 2015.

Assinam esta carta aberta:

Diretório Central dos Estudantes (DCE “29 de julho”) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar/campus Paranaguá);
Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual do Paraná (Sindunespar);
Bruno Gasparini – Coordenador do Curso de Direito do Instituto Superior do Litoral do Paraná (Isulpar);
Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (Cespdh) da Universidade Federal do Paraná (UFPR);
Núcleo de Estudos da Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG);
Grupo de Pesquisa Subjetividade, Poder e Resistências da Universidade Vila Velha (UVV);
Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – Paraná;
Marcha da Maconha Curitiba;
RUA Juventude Anticapitalista;
Coletivo Construção;
LSR – Seção Brasileira do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores;
Sindicato dos Trabalhadores da educação pública do Paraná (APP Sindicato Paranaguá).