MPPR denuncia irregularidades na compra de imóvel pela prefeitura


Por Redação JB Litoral Publicado 10/01/2017 às 16h09 Atualizado 14/02/2024 às 07h15

Desde fevereiro do ano passado o Ministério Público do Paraná (MPPR) ajuizou uma ação civil pública contra o ex-prefeito José Baka Filho (PDT), a Prefeitura de Paranaguá e mais cinco pessoas pela compra de um imóvel, ocorrida em 2006, onde hoje funciona o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) na área central do município. 

Segundo a promotoria foram encontradas nove irregularidades, entre elas a existência de laços familiares entre a avaliadora do imóvel e os beneficiados no negócio, ausência de licitação para compra do imóvel e superfaturamento na venda. O MPPR cobra o valor integral do imóvel, na época adquirido por R$ 110 mil e, hoje, avaliado em R$ 436.814,21. O órgão solicita que o valor seja devolvido aos cofres públicos, além da condenação – com exceção da prefeitura – de todos os envolvidos pela prática de atos de improbidade administrativa.

A reportagem do JB teve acesso à ação civil pública da 4ª Promotoria de Justiça de Paranaguá. Trata-se do imóvel localizado na Rua Vieira dos Santos, prédio utilizado pela Secretaria de Assistência Social, para o funcionamento do Creas. Na época, Antônio Ricardo dos Santos era o secretário Municipal da Criança, Promoção e Assistência Social e foi o responsável pela escolha do imóvel, assim como o engenheiro Takashi Nakayma e a arquiteta Vânia Pessoa Rodrigues Foes, que integravam a Comissão de Avaliação, que compararam o valor de mercado, sob o parecer do Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, o advogado Emerson Norihiko Fukushima. Além desses, a bancária Anna Vitória dos Santos Marques, que vendeu o imóvel, também foi citada na ação, pois foi beneficiada diretamente.

De acordo com a promotoria, não houve processo licitatório para a compra do imóvel e nem mesmo procedimento de dispensa de licitação, de modo a garantir a legalidade e a publicidade da ação de aquisição e tanto Baka como Ricardo e Fukushima não envidaram nenhuma ação para adotar o procedimento de desapropriação do imóvel, ainda que “amigável”. Faltou ainda uma declaração escrita e publicada, justificando as razões de interesse do imóvel, além de que não foi adotada a prévia avaliação legislativa, conforme artigo 108 da Lei Orgânica do Município. Segundo o MPPR, houve desvio de finalidade, já que o local sequer tinha infraestrutura adequada para receber adolescentes do Projeto Sentinela, o que contrariou o Primeiro Termo Aditivo ao Convênio firmado com o Governo do Estado. De acordo com a ação, houve um apontamento da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, dois anos depois da compra, alegando que o local tinha instalações precárias e que não atendia as exigências do projeto.

 

Avaliação e compra do imóvel aconteceu no recesso de 2005
 

Segundo a promotoria, a Comissão de Avaliação que atribuiu o preço de mercado ao imóvel foi composta apenas pelo engenheiro Nakayama e a arquiteta Vânia Foes. Na época, Foes assinou como Secretária Municipal de Urbanismo, justamente no dia 29 de dezembro, estranhamente, quando a maioria dos funcionários já não estava trabalhando. O laudo de avaliação não foi assinado pelo presidente da comissão, porém, o que mais chamou a atenção da promotoria foi a rapidez como se desenvolveu a compra do imóvel. De acordo com a ação, o ofício enviado pelo secretário da Criança, Antônio Ricardo, foi protocolado no dia 21 de dezembro e a escritura de compra e venda foi assinada por Anna Victoria e José Baka no dia 09 de janeiro de 2006. Foram nove despachos entre secretarias municipais, entre autorização do ex-prefeito, confecção de laudo de avaliação, lançamento dos despachos e ainda a emissão inclusive de empenho de pagamento do imóvel antes mesmo de ser realizada a avaliação. Existem indícios que foram forjados os registros prévios de aquisição do imóvel para dar aparência de legalidade à compra. A hipótese ganha força pelo fato de que Neide Kipper Foes, a procuradora da proprietária do imóvel de Anna Victoria, firmou declaração concordando com o valor de R$ 110 mil, estipulada pela Comissão no dia 24 de dezembro, véspera de Natal. Porém, o laudo do engenheiro e da arquiteta atribuindo o valor ao imóvel só foi confeccionado no dia 29 de dezembro, cinco dias depois, data que o advogado Fukushima teria solicitado a avaliação.
 

Superfaturamento do imóvel

A promotoria ressalta ainda na ação que há indicativos de superfaturamento no preço da avaliação realizada pela Comissão de Avaliação pago à proprietária do imóvel. Isso porque Anna Victoria comprou o imóvel no dia 06 de outubro de 2005 de Deborah Regina Kipper Foes dos Santos e Mario Vitor dos Santos, pelo valor de R$ 70 mil. Pouco mais de três meses depois, o mesmo imóvel foi vendido por R$ 110 mil à prefeitura, no dia 09 de janeiro de 2006, isto é, R$ 40 mil a mais. A própria bancária revela, em sua defesa no Tribunal de Contas, que informou ter sido surpreendida pela avaliação de R$ 110 mil e revelou que o valor foi promovido por iniciativa de corretores de imobiliárias que intermediaram a compra, e não pelos servidores municipais. “Lembro-me perfeitamente da noite em que Mário e Deborah ligaram para mim afirmando que o imóvel estava estimado em valor maior do que por eles cogitado e alienado. Os corretores foram contratados para vender o imóvel para qualquer um, e não havia de minha parte então o conhecimento de interesse por parte do município”, declarou ela. O ex-prefeito tentou justificar a veracidade do preço pago pelo imóvel em depoimento ao Tribunal de Contas. De acordo com ele, o envio dos laudos de avaliação foi de três diferentes corretores imobiliários da cidade, os quais atribuíram ao respectivo imóvel os valores variáveis de R$ 110 mil, R$ 115 mil e R$ 120 mil, o que não foi aceito pela auditoria do órgão e tampouco pelo MPPR. A arquiteta Vânia Foes também encaminhou a Corte de Contas laudo de avaliação do imóvel, elaborado no mês de janeiro de 2013, oito anos depois da valorização do bem, e depois da área construída ter praticamente dobrado de tamanho.
 

Laços familiares

A denúncia mais grave da promotoria é a relação de parentesco entre a arquiteta Vânia Foes e as pessoas que foram beneficiadas com o sucesso da compra e venda do imóvel. Segundo o MPPR, a arquiteta é esposa de Fernando José Foes, o qual é sobrinho do marido de Neide Kipper Foes, que por sua vez é mãe de Deborah Regina Foes dos Santos, anterior proprietária do imóvel. Neide foi inclusive procuradora da bancária Anna Victoria. Fernando Foes ainda é primo de Deborah, que é cunhada de Anna Victoria. Em razão do grau de parentesco já citados e de que os mesmos foram beneficiados pelo negócio, a arquiteta Vânia Foes não poderia realizar qualquer ato relativo à aquisição do imóvel na qualidade de servidora pública, sobretudo promover a sua avaliação de mercado no recesso de 2005. Segundo o MPPR, o ex-prefeito prestou depoimentos e disse, na ocasião, que “não existe grau de parentesco algum entre os antigos proprietários com os então secretários Antônio Ricardo e Vânia Foes, senão uma lamentável coincidência”.
 

O que diz o ex-prefeito

  Procurado pelo JB o ex-prefeito José Baka falou sobre o assunto. De acordo com ele, “como todas as compras e procedimentos em qualquer prefeitura, é seguido a legislação e o que as leis determinam. A compra foi efetuada na modalidade que a Lei 8666 define, e segundo o parecer jurídico que embasou o ato legal, esta foi efetuada de forma correta.Quanto aos demais itens questionados, como já se passaram quase 10 anos, não tenho a lembrança certa dos fatos, devendo ser questionado o secretario à época, senhor Antônio Ricardo dos Santos e a Arquiteta Vania Foes. Esta prestação de contas já foi objeto de análise pelo tribunal de contas do estado do Paraná e aprovada
 

O que diz Vania Foes

A reportagem do JB entrou em contato com a arquiteta Vânia Foes, que disse já ter prestado as explicações ao Tribunal de Contas sobre o caso. Ela relata que à época a secretaria de Assistência Social estava com a verba e que fez os trâmites com urgência para não perder o imóvel. “Corri com o processo, não procurei o imóvel, apenas fiz a avaliação de acordo com o mercado imobiliário. Pode sim ter ocorrido problemas administrativos, mas nada ilegal, pois era importante para o Município”. Sobre a relação de parentesco, Foes disse que o sobrenome é do seu marido e que não tem relação familiar com os beneficiários. “Meu esposo é primo de terceiro grau de um deles, mas eu não, só tenho o sobrenome dele. Não recebi nada, apenas ajudei”, declarou.

 A arquiteta falou também sobre o valor do imóvel. De acordo com ela, “a venda pelo valor de R$ 70 mil é decorrente de uma necessidade, pois a Débora queria comprar outro imóvel em Curitiba. Eu já expliquei que o nosso valor é o do mercado, inclusive contratei um engenheiro credenciado pela Caixa, para realizar a avaliação. Ele chegou à conclusão de que R$ 70 mil era um valor considerado baixo. Ela vendeu para prima com esse valor. Mas nós avaliamos com o valor correto, de R$ 110 mil, pois o imóvel está localizado numa região central”, ressaltou. “Não teve nenhum envolvimento familiar, apenas uma ansiedade para adquirir o imóvel, inclusive até hoje o local é utilizado pela prefeitura. Estou tranquila e a disposição para quaisquer esclarecimentos”, concluiu.

Nesta semana, o JB também entrará em contato com a prefeitura para saber sua versão sobre o assunto.