O que se sabe sobre a proposta de conceder à iniciativa privada o canal de acesso ao porto


Por Katia Brembatti Publicado 04/05/2021 às 12h14 Atualizado 16/02/2024 às 01h10

Um anúncio feito pelo Governo Federal, na quinta-feira (27), agitou o setor portuário no Litoral do Paraná: a intenção de conceder à iniciativa privada a gestão do canal de acesso aos portos de Paranaguá e Antonina. Como foi apenas um comunicado ao mercado de que seriam iniciados os estudos, ainda sem muitos detalhes, várias dúvidas surgiram. Para esclarecer os principais pontos, o JB Litoral buscou os responsáveis pela condução do processo e entrevistou o secretário nacional de Portos, Diogo Piloni, e o diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia da Silva.

Em portos de baía, como é o caso de Paranaguá, o assoreamento (depósito constante de sedimentos no fundo do mar) obriga a realização frequente de dragagens. Sem isso, a circulação de navios fica comprometida. Quando batimetrias (medições de profundidade) indicam acúmulos, reduzindo a distância entre a lâmina d’água e o fundo do mar, a operação portuária precisa ser alterada. Uma das medidas é a diminuição na capacidade de carga das embarcações, resultando em perdas de vantagens competitivas e prejuízos.

O Poder Público enfrenta dificuldades para contratar esse tipo de serviço. As licitações demoram e são burocráticas, dificultando a participação de empresas estrangeiras, detentoras da maior parte das dragas. E quando os processos atrasam, a diminuição de calado interfere na operação portuária. Isso já aconteceu em Paranaguá, no passado, e também em outros portos, como em Santos. Os empecilhos técnicos e a quantidade de intermediários e subcontratações acabam encarecendo o serviço. Atualmente, a despesa está em R$ 80 milhões ao ano, para a Portos do Paraná. O contrato assinado com a DTA Engenharia prevê a dragagem de manutenção por cinco anos, ao custo de 403 milhões. O trabalho está sendo realizado pela draga holandesa Elbe.

Além da dragagem de manutenção, para remover o que se acumulou ao longo do tempo, há ainda a dragagem de aprofundamento, que visa aumentar o calado, o que representa um ganho de capacidade de carga. Depois de 22 anos sem realizar esse tipo de serviço, em 2017 foi efetuada uma operação de aprofundamento. Com isso, o Canal da Galheta (acesso aberto na década de 1970) passou de 15 para 16 metros. Outros pontos da baía também tiveram a profundidade alterada. O trabalho foi executado pela DTA Engenharia, vencedora da licitação, ao custo de R$ 394 milhões.

Obra bilionária

Agora, a Portos do Paraná estuda a hipótese de fazer uma nova dragagem de aprofundamento, bem mais ousada do que a anterior. A meta é passar dos 13,5 metros de calado, na região dos berços, para 15,5 metros – o que permitiria receber navios maiores e mais carregados, o chamado ganho de eficiência. Atualmente, o calado máximo homologado pela Capitania dos Portos, no local dos berços, é de 12,5 metros, mas a área está incluída no serviço de dragagem de manutenção e deve voltar em breve, oficialmente, a ter 13,5 metros. 

A grande obra de aprofundamento é estimada em R$ 2,5 bilhões, em cálculos ainda bem preliminares. Tanto o governo federal como o estadual alegam que não conseguem dispor desse recurso para investir – por precisarem destinar esforços para outras prioridades. É aí que a possibilidade de concessão passou a ser mais aventada.

Draga holandesa Elbe realiza a retirada de sedimentos do fundo do mar Foto: Cláudio Neves/Portos do Paraná


Diogo Piloni afirma que, no setor portuário brasileiro, é praticamente consensual que os canais deveriam ter gestão privada, diante das dificuldades que o poder público tem para fazer as licitações e outras atividades relacionadas a dragagens. Já houve consulta pública em 2015 sobre o assunto e, em 2017, uma proposta para Santos chegou na fase de viabilidade técnica, mas esbarrou num entrave jurídico. Lá, a ideia era fazer uma espécie de condomínio, rateando as despesas entre os operadores. Um grupo de estudos concluiu que o modelo não cumpria aspectos de livre iniciativa (não permitia a entrada de participantes, por exemplo) e que seria melhor fazer uma concessão. Luiz Fernando Garcia da Silva coordenou o grupo.

A modelagem da concessão do canal de acesso de Paranaguá será desenhada pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL), uma estatal federal. A premissa é de que o contrato exige um investimento de R$ 5 bilhões e dá direito a explorar o canal por 35 anos. O formato de remuneração – se por pagamento direto de tarifa, ou se a autoridade portuária recolheria o dinheiro e repassaria – ainda não está definido. A EPL só receberá pelo trabalho de criar a modelagem se o canal for mesmo a leilão, previsto para acontecer em 2023, depois de todas as etapas técnicas, que incluem o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) e a realização de consultas e audiências públicas. O custo do estudo será pago pela empresa ou consórcio que vencer a concorrência.

A escolhida

Um aspecto que deve tornar o trabalho da EPL mais rápido e fácil é o fato de que a Portos do Paraná já contratou um projeto executivo de engenharia para traçar os procedimentos necessários à dragagem de aprofundamento. Luiz Fernando destaca que não se trata de um projeto básico ou de viabilidade, mas sim das diretrizes a serem adotadas para a realização da obra. O trabalho, contratado no ano passado, foi feito pelo consórcio Exe/Belov II, custou R$ 5,3 milhões e foi entregue em março.

Diogo Piloni: “É equivocado dizer que vai se cobrar pedágio. Se o comparativo for esse, o fato é que a cobrança já existe”

Esse é um dos fatores que fez o canal de acesso a Paranaguá ser escolhido para testar esse tipo de concessão, inédita no país. Piloni elenca outros aspectos, reforçando que a existência de um contrato vigente para dragagem de manutenção, em vigor até 2023, dá a tranquilidade necessária para fazer todos os estudos, enquanto os serviços estão garantidos. O secretário também enfatiza que se trata de um porto de baía, com bastante assoreamento e, ao mesmo tempo, uma unidade portuária com intensa movimentação, o que viabiliza economicamente a concessão.  Segundo ele, a ideia é que o modelo aplicado no Paraná seja futuramente reproduzido em outros portos brasileiros. “Paranaguá vai ser, mais uma vez, pioneiro”, acredita.

Tarifa Inframar pode ser menor que a atual, mas secretário evita promessa

Quem usa o canal aquaviário da baía de Paranaguá, para transporte de cargas, paga uma tarifa com o nome de Inframar, que está na chamada tabela 1. Esse procedimento é adotado em outros portos do Brasil. O valor é calculado de acordo com o tipo de movimentação e o montante arrecadado serve para subsidiar a manutenção do canal, obras e também o monitoramento ambiental. Comparada a portos vizinhos, a tarifa praticada em Paranaguá é a mais barata: por tonelada de cargas gerais está R$ 3,18 e R$ 56,03 por contêiner cheio. Em Santos, a primeira custa R$ 3,95 e a segunda, R$ 71,56. Já em Itajaí, a tarifa para carga geral sai por R$ 5,09 por tonelada e R$ 89,17 por contêiner cheio.

­Diogo Piloni faz questão de frisar que já há a cobrança, arrecadada pela autoridade portuária, e que a concessão não representaria um custo adicional não previsto e sim uma troca, uma substituição de uma tarifa pela outra.

“É equivocado dizer que vai se cobrar pedágio. Se o comparativo for esse, o fato é que a cobrança já existe”, diz. O secretário afirma, ainda, que o que será buscada é a redução em relação aos valores praticados atualmente. Ele acredita que, com um contrato de longo prazo, e sem as burocracias estatais, a empresa ou consórcio vencedor da licitação conseguiria diminuir custos.

Piloni, que atualmente também preside o Conselho de Administração da Autoridade Portuária de Paranaguá, evita prometer que a tarifa será menor que a atual, salientando que se a obra de aprofundamento do calado operacional para 15,5 metros for incluída, representará um alto investimento para a concessionária. “Não há uma expectativa de aumento de tarifa. Mas, mesmo que a queda não seja possível, o ganho logístico em toda a cadeia virá, com a maior capacidade operacional”, resume. “O que eu posso afiançar é que a gestão vai levar à redução de custo. Isso eu cravo”, acrescenta.

Diluição

Para Luiz Fernando Garcia da Silva, o momento é de pensar nas melhores alternativas. “Começamos a quebrar a cabeça para encontrar uma modelagem adequada, comercialmente atrativa, que sirva bem ao setor e seja financeiramente boa para a autoridade portuária”, diz. O desafio é aliar custo mais baixo, remuneração adequada e as obras necessárias. “A gente não está fazendo isso pra ganhar mais dinheiro”, assegura. Como nunca foi feita no Brasil, algumas das inspirações estão vindo de concessões de canais na Argentina e na Holanda.

Piloni reforça que a fase ainda é preliminar. “Vamos estudar, um por um, quais são os serviços possíveis de serem transferidos”, declara. Balizamento, sinalização e monitoramento ambiental, além das dragagens de aprofundamento e de manutenção devem estar na lista de atividades repassadas à iniciativa privada. O secretário conta que será avaliada a possibilidade de incluir um sistema VTMS (Vessel Traffic Management Information System, na sigla em inglês), de monitoramento de tráfico de embarcações, atualmente só usado no Brasil no porto organizado de Vitória.

Comparativo de valores de tarifa Inframar
Carga geral (por tonelada)Contêiner cheio
ParanaguáR$ 3,18R$ 56,03
SantosR$ 3,95R$ 71,56
ItajaíR$ 5,09R$ 89,17

Ainda não está definido quem fará a licitação

Diogo Piloni e Luiz Fernando Garcia da Silva usaram a mesma expressão para explicar como o processo de concessão do canal aquaviário da baía de Paranaguá será conduzido: a quatro mãos. Ambos alegam que há uma parceria, com os mesmos interesses, e não uma disputa. Embora a empresa pública Portos do Paraná detenha a autonomia de gestão – foi a primeira do país a conquistar o aval, em 2019 –, ainda não se sabe quem vai oficialmente realizar a licitação. “Essa questão da competência será estudada. A princípio, parece que a atribuição de conduzir é da autoridade portuária”, afirma Piloni.

A relevância nacional do projeto e a negociação para que a modelagem fosse feita pela EPL aproximaram a iniciativa da União. Pode parecer que essa é uma decisão do governo federal, mas não é verdade”, garante o secretário. Já o diretor-presidente da empresa pública Portos do Paraná assegura que o governador Ratinho Junior defende, desde o início do mandato, a concessão do canal. “Ele sempre acreditou nisso e falou da importância”, comenta Luiz Fernando Garcia da Silva.

Luiz Fernando: “Começamos a quebrar a cabeça para encontrar uma modelagem adequada, comercialmente atrativa, que sirva bem ao setor e seja financeiramente boa para a autoridade portuária”. Foto/Claudio Neves/Portos do Paraná

Privatizar Paranaguá não está no radar, garante Piloni

O secretário nacional de Portos, Diogo Piloni, destacou, durante a entrevista ao JB Litoral, que o governo federal tem um claro programa de desestatização, voltado principalmente para garantir investimentos que a máquina pública não consegue fazer. Nesse sentido, alguns portos estão em estudo para serem vendidos à iniciativa privada. Entre os primeiros em avaliação estão Codesa (Companhia de Docas do Espírito Santo), Codeba (Companhia de Docas da Bahia), São Sebastião e Santos.

Piloni enfatizou que, nesses lugares, o objetivo é repassar todas as funções da autoridade portuária – e não só a gestão do canal de acesso, como está prevista para Paranaguá. Assim, ele afirma que não significa que “não deu certo a ideia” de conceder o canal de Santos, mas que lá será entregue o pacote completo. Sobre o litoral do Paraná, as expectativas são bem diferentes. “Não está no nosso radar, no momento, estudar algo que não seja a concessão do canal”, declara, enfatizando que não há pretensão de desestatizar Paranaguá e Antonina.

Terminais a serem concedidos vão exigir investimento em obras

O governo federal também anunciou a decisão de conceder, em 2022, mais três terminais de movimentação e armazenagem de granéis sólidos: PAR09, PAR14 e PAR15, somando 79 mil metros quadrados. As concessões devem ser conduzidas pela empresa Portos do Paraná, aos moldes do que aconteceu no ano passado com o PAR12, destinado para a movimentação de veículos. A Ascensus Gestão e Participações arrematou o leilão da área por R$ 25 milhões e terá de investir R$ 22 milhões, ao longo de 25 anos.

Os três terminais vão exigir obras. O PAR9, atualmente, é operado, em contrato precário, pela Bunge. A expectativa é que a vencedora da licitação tenha de fazer a primeira parte (um L) do píer em F previsto para o local. Também o PAR50, de líquidos, que já passou pela fase de consulta pública, prevê a construção de um píer em L. Tais obras devem aumentar a capacidade operacional do porto, que enfrenta as dificuldades de ser curto (cerca de 4,5 quilômetros de extensão para atracagem) e precisa otimizar espaços.

Alguns dos terminais que devem ser licitados estão sendo operados por meio de contratos precários

Para o PAR14, hoje nas mãos da Centro Sul, deve ter a possibilidade de agregar duas novas áreas, e o PAR15, atualmente explorado pela Cargill, precisará se preparar para as modificações estabelecidas pela expansão do corredor de exportação e pela construção do moegão. Os terminais PAR32 e PAR50 tiveram as audiências públicas realizadas em fevereiro deste ano. Essa é uma das etapas para a realização dos leilões e os vencedores do processo terão o direito de explorar as áreas, que já contam com estrutura física, por 10 anos.

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