Paciente do Litoral consegue na Justiça medicamento que ainda não faz parte da lista do SUS

Decisão foi a primeira na região para a caneta de adrenalina auto-injetável, fundamental para salvar vidas em casos de choque anafilático


Por Flávia Barros Publicado 24/06/2024 às 12h55
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Família de Pontal do Paraná procurou ajuda da Defensora Pública, em Paranaguá. Foto: Kaike Melo/JB Litoral

Ir a festinhas com os amigos, frequentar normalmente a escola, fazer um lanche, ir ao shopping com a família, usar cosméticos como maquiagens, cremes e produtos para cabelo. Tudo isso faz parte da vida dos adolescentes. Mas para Beatriz, de 17 anos, não.

A adolescente, que mora com os pais e a irmã de 10 anos no balneário Shangri-lá, em Pontal do Paraná, sofre de alergia a diversos produtos e alimentos, condição que leva à anafilaxia, uma reação rara que pode causar choque anafilático e ser fatal.


Crises e diagnóstico

A mãe da Bea, Adriane Kricheski, 35 anos, conversou com o JB Litoral e contou que as crises alérgicas começaram quando a filha tinha 13 anos. Desde então, ela já passou por muitas consultas médicas, tratamentos, atendimentos em emergência e até cirurgia.

Começou com dermatite atópica, principalmente nas mãos, boca e rosto. Quando estão muito irritadas, as lesões chegam a partir e sangrar. Então, a levei em uma médica de Curitiba e fizemos vários exames, que diagnosticaram mais alergias”, disse Adriane.

A estudante do 2º ano do ensino médio tem as aulas em casa, desde o mês de março, para controlar melhor o acesso às substâncias que podem provocar crises. Ela é alérgica a cloreto de cobalto (presente em agentes de secagem tais como sílica gel; em adesivos; aditivos para solos em agricultura; cerâmica; cimentos; detergentes; esmaltes naturais e sintéticos; graxas; ligas metálicas, tais como zíperes, hastes de óculos, joias de prata, moedas, fechos de bolsas, pulseiras, tesouras; lubrificantes; corantes; níquel; objetos esmaltados etc.), a propilenoglicol (composto orgânico de álcool diol usado em vários tipos de produtos da indústria dermatológica) e trietanolamina (usado na indústria cosmética e de produtos de higiene pessoal).

Mas a lista não para por aí. “Além disso, ela também é alérgica a neomicina, PPD mix, hidroquinona, é intolerante a lactose, fora as reações cruzadas. Os testes também deram positivo para ácaros e pelo de gato”, contou Adriane.


Riscos e medicamento em casos de emergência


A adolescente, que adora caminhadas ao ar livre e cozinhar, é estudiosa e pretende ser perita criminal, segundo a mãe. Bea faz uso de três tipos de medicamentos: anti-histamínico, corticoide e broncodilatador. Ainda assim, após o primeiro episódio de anafilaxia, precisou receber adrenalina na Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

A médica dela prescreveu a caneta de adrenalina para nos auxiliar melhor, pois a ideia é que ela mesma possa se medicar caso precise, já que nunca sabemos o momento que vai dar uma crise e se estaremos próximos de um hospital. Sempre cuidamos ao máximo da alimentação dela, olhamos rótulos nos mercados e farmácias, mas nem sempre sabemos como são preparados os alimentos, principalmente quando saímos de casa, e isso pode ocasionar uma crise alérgica”, detalhou Adriane, que se divide entre os cuidados com as filhas e a casa.

Os medicamentos e pomadas custam em torno de R$ 800 mensais, o que pesa no orçamento da família, cuja única fonte fixa de renda é o salário do pai, que trabalha como conferente em um supermercado do bairro.

Também para melhorar a qualidade da respiração, Beatriz já passou por uma cirurgia e passará por novo procedimento nesta quarta-feira (26). “Ela fez uma reconstrução de válvula nasal, no ano passado, mas rejeitou o enxerto. Agora vão tentar novamente, pois ela respira com dificuldade”, completou a mãe.


Impasses


A Epinefrina, na forma de “caneta de adrenalina” auto-injetável, é o único medicamento indicado para o caso da Beatriz e, na falta dele, segundo os médicos, há risco de morte. O problema é que o dispositivo ainda não é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a exemplo de outras formas de adrenalina que já integram o rol de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).  

Com a negativa de receber o medicamento via rede pública de Saúde, Adriane buscou ajuda da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), com sede no município vizinho, Paranaguá.

De acordo com a DPE, a Epinefrina está padronizada na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUNE), mas como ampola e não como a caneta autoaplicável, que seria a forma indicada para o tratamento da estudante. O Estado do Paraná também foi consultado e informou que a adrenalina auto-injetável não tem registro no Brasil pela Anvisa e, portanto, não está disponível no país.


Solicitação judicial


Diante dos impasses e negativas para o fornecimento da caneta de Epinefrina, que tem o custo médio de R$ 3 mil a unidade, a DPE ingressou com pedido judicial para que o Estado forneça o medicamento. No caso da Beatriz, a recomendação médica é de duas doses por mês.

Em que pese as diferenças visíveis entre a solução injetável e auto-injetável, urge a necessidade de adequação pelo órgão regulador, haja vista tratar-se do mesmo princípio ativo”, defendeu a DPE-PR no pedido à Justiça.

A Defensoria também alegou que já existe um Projeto de Lei (PL) em tramitação na Câmara dos Deputados que dispõe sobre o fornecimento gratuito da caneta de adrenalina auto-injetável pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O PL 85/2024 atualmente aguarda parecer do relator da Comissão de Saúde.

Nas nossas pesquisas para essa ação, percebemos que há uma demanda muito grande para a incorporação dessa caneta de adrenalina no SUS e pela Anvisa, inclusive com esse projeto de lei, que citamos em nossa petição inicial”, explicou ao JB Litoral a defensora pública responsável pelo caso, Maria Luiza Gomes.


Vitória


No processo, o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) manifestou-se favorável ao fornecimento do medicamento, mas recomendou a inclusão da União no processo e que ele passasse a ser de competência da Justiça Federal, já que a questão central da ação era a falta de registro da caneta de adrenalina na Anvisa, que é o órgão regulador federal. A decisão da Vara da Infância e da Juventude de Pontal do Paraná deferiu o pedido da DPE-PR, mas se manifestou contrária à necessidade de inclusão da União no processo, uma vez que a Epinefrina já tem registro no órgão regulador em outras apresentações e seria necessária apenas a autorização da Anvisa para que a forma auto-injetável seja importada e destinada à paciente. Com a decisão liminar, o Estado do Paraná e o Município de Pontal do Paraná têm o prazo de 15 dias para fornecer o medicamento, conforme a prescrição médica de duas canetas mensais.

É urgente que o SUS incorpore essa caneta de adrenalina no rol de procedimentos para que a gente não fique à mercê de decisões judiciais, que podem ser favoráveis, mas também podem ser negativas. E mesmo após uma decisão favorável, ainda encontramos resistência no cumprimento dessas decisões. Então, é um caminho muito burocrático para os pacientes, que não teriam que passar por isso se esse formato do medicamento já estivesse na lista do SUS”, defendeu Maria Luiza Gomes.

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