Ação policial em Morretes gera controvérsia: família relata violência durante AIFU e promete medidas legais


Por Redação Publicado 15/12/2023 às 12h28 Atualizado 19/02/2024 às 07h56

Era por volta das 20h10 de domingo (3) quando equipes da Polícia Militar (PM), Bombeiros e Prefeitura de Morretes chegaram à localidade turística de São João da Graciosa para a realização de uma Ação Integrada de Fiscalização Urbana (AIFU). Embora os comércios locais já estivessem fechados no início da operação, a família Dias passou por momentos de tensão com a ação dos militares.

Gilton Dias, Jefferson Dias e Gilton Dias Júnior descreveram a situação como “violência policial” ao procurarem o JB Litoral para relatarem o caso. De acordo com Jefferson, quando os agentes chegaram à região, seu comércio, a Pastelaria Café com Leite, já estava com as portas fechadas, permanecendo apenas uma família na parte interior do estabelecimento para finalizar sua refeição.

A AIFU acontece todos os anos, porém, neste ano foi num horário atípico, pois não havia comércio aberto após às 20h. Eu já estava com a porta fechada, mas havia uma grande família comendo pastéis dentro do estabelecimento. Quando a Vigilância Sanitária chegou para a vistoria, abri normalmente, embora tenha reclamado um pouco, mencionando que era fora do horário, que havia trabalhado o dia inteiro sem parar e que minha janta estava pronta, servida em cima da mesa, mas permiti a ação”, contou ao JB Litoral.

O comerciante menciona que a vistoria foi feita e que não foi encontrada nenhuma irregularidade em seu estabelecimento. Diante da legalidade do comércio, os agentes se retiraram. No entanto, poucos minutos depois, Jefferson ouviu gritos vindos da casa do vizinho, seu irmão, Gilton Dias. Era a cunhada, Eliane, desesperada pedindo para os policiais não matarem o marido.

Truculência


Quando ele chegou à casa do irmão, Gilton estava desmaiado, caído no chão e com a boca sangrando, e Eliane estava recebendo voz de prisão. “Tentei explicar que minha cunhada havia recentemente passado por uma operação no coração, e sua pressão estava alta. Queria chamar o SAMU para atender meu irmão. O policial, no entanto, me mandava calar a boca, me chamava de vagabundo e ameaçava me prender. Eu insisti que precisava chamar a ambulância. Após cerca de cinco minutos, ele permitiu que eu chamasse o bombeiro, que já estava participando da AIFU. Quando virei para chamar, ele me empurrou contra a escada, causando ferimentos no meu peito e boca”, disse.

Segundo Jefferson, foi o tenente Everton Pereira Taborda que agiu com truculência contra a família. Contudo, ele garante que procurou manter a calma para evitar consequências mais graves.

Assim que os bombeiros chegaram na residência, Gilton Dias foi atendido e recebeu oxigênio, pois não estava respirando. Ao JB Litoral, ele, que também é comerciante, contou sua versão sobre os fatos que culminaram no episódio de violência.

Cheguei enquanto acontecia a AIFU e deixei meu veículo estacionado em frente à minha casa, entre uma caminhonete preta da Prefeitura e uma viatura dos bombeiros. Logo, o tenente Taborda gritou que meu carro estava preso e que se eu não o tirasse imediatamente, também seria preso”, contou.

A localidade rural de São João da Graciosa é turística e atende centenas de visitantes que passam pela Estrada da Graciosa diariamente. Foto: Arquivo pessoal/Gilton Dias Júnior


“Me deu um mata-leão que me desmaiou”, diz o comerciante


No entanto, Gilton afirmou ao policial que morava no local e entrou para dentro de sua residência, sem retirar o veículo. Em seguida, ele relatou que o tenente Taborda e mais três policiais entraram em seu imóvel e que o tenente o acertou com um soco, e que os demais militares o agrediram com chutes e socos.

Após os pontapés e socos, o tenente Taborda me deu um mata-leão que me desmaiou. Minha esposa, Eliane, implorou para os policiais pararem, explicando que eu tinha problemas de falta de ar, mas eles não pararam e ela também recebeu voz de prisão”, disse.

Segundo o comerciante, os militares não permitiram que o SAMU fosse chamado. Após ele retomar a consciência, percebeu que estava algemado e, em seguida, foi colocado no camburão e conduzido para o 9º Batalhão da Polícia Militar.

No momento da confecção do Boletim de Ocorrência, os policiais ficaram me coagindo e, inclusive, também registraram um B.O. com informações inverídicas.”, comentou.

Gilton afirmou que irá representar criminalmente contra o tenente Taborda e demais policiais envolvidos no episódio.

Segundo ele, a agressão se deu porque ele estacionou seu veículo (Ford Ranger) em frente à sua residência, como na foto. Foto: Arquivo pessoal/Gilton Dias

Descontrole e despreparo


Para Jefferson, o tenente foi descontrolado, agindo de forma agressiva, enquanto os outros policiais cumpriram ordens sem intervir. “Considero o tenente descontrolado, não apenas despreparado. Trabalhamos honestamente, não somos inimigos da polícia, mas fomos tratados como se fôssemos criminosos”, lamentou.

O filho de Gilton, Gilton Dias Júnior, que é advogado, também falou com o JB Litoral. De acordo com ele, a situação chocou a comunidade que vive tranquilamente, sem relatos de violência urbana.

Basicamente, uma equipe de reforço da PM que vem de outras regiões do estado para colaborar com a segurança do município de Morretes, que claramente desconhece a realidade local, empreendeu uma operação desorganizada, que não teve efetividade, porque foi feita num horário inadequado, e ainda acabou por exercer o poder de polícia de forma arbitrária, desproporcional e violenta”, avaliou.

Júnior destacou o sentimento de indignação da comunidade, que está se sentindo insegura. “Se aqueles que deveriam ser responsáveis pela paz e segurança são aqueles que empregam meios hostis de resolução de conflitos, como a comunidade poderá contar com a atuação da polícia?”, questionou.

Versão dos militares


O JB Litoral teve acesso ao B.O. registrado, também, pelos militares envolvidos na operação. De acordo com o documento, Gilton já havia sido anteriormente abordado no mesmo local, enquanto estava dirigindo com excesso de passageiros, mas não acatou a ordem.

Momentos após, o condutor retornou e parou o veículo interrompendo o comboio policial, em local proibido. Sendo que este oficial de polícia advertiu verbalmente o condutor que ali não poderia deixar o veículo, que caso ele não retirasse, seria passível de recolhimento”, diz o B.O.

O tenente Taborda segue relatando no documento que Gilton foi ríspido e que não quis mostrar os documentos de identificação. Ele ainda afirmou que o comerciante desferiu um soco em seu braço direito e que a equipe tentou contê-lo, mas que Gilton teria resistido, sendo necessário o uso de técnicas de controle de contato. O militar relatou que Eliane teria o empurrado ao chão.

Tanto Gilton Dias quanto o advogado Gilton Júnior declararam que as informações citadas, além de outras registradas em Boletim de Ocorrência pelos militares são inverídicas. “Inicialmente, a equipe policial registrou que houve uma abordagem na rodovia quando o veículo havia passado, o que não confere com a verdade, já que sequer havia qualquer tipo de operação na rodovia, pois se tratava de uma AIFU e não fiscalização de trânsito. Ademais, a equipe não pode supor que uma eventual ordem de parada foi ignorada de forma intencional, pois não havia nenhum policial na pista e, logo em seguida, o veículo estacionou exatamente ao lado da equipe que integrava a operação. Além disso, não houve qualquer crime que motivasse a invasão da residência pela polícia, não há qualquer justificativa para essa ação ilegal”, disse Júnior.

Além disso, o advogado afirmou que o tenente Taborda registrou no B.O. que foi empurrado por Eliane. “Por fim, o policial alega que minha mãe o empurrou, o que é mentira, ela é recém-operada do coração e tem artrite reumatoide nas duas mãos, não consegue nem abrir um pote, quanto mais agredir alguém. Isso só se soma às situações forçadas que os militares escreveram no B.O. para justificar o injustificável”, concluiu Júnior.

O JB Litoral entrou em contato com a Assessoria de Imprensa da Polícia Militar do Paraná, solicitando um posicionamento quanto à ocorrência relatada. No entanto, até a conclusão desta reportagem, não houve retorno.