Bombeiros civis e seguranças contratados para Carnaval de Guaratuba denunciam falta de condições de trabalho; “fomos tratados como lixo”


Por Flávia Barros Publicado 21/02/2023 às 21h55 Atualizado 18/02/2024 às 05h24

Um Carnaval inesquecível, com muita festa e diversão em grande estilo, depois de dois anos sem poder festejar. Para garantir que tudo transcorreria da forma mais segura para os foliões, que só nessa segunda-feira (20) foram 600 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, a Prefeitura de Guaratuba contava com o efetivo da segurança pública, mas também com o reforço de vigilantes privados e bombeiros civis contratados pela administração municipal pelo valor de R$ 733.946,70. O pregão 67/2022 corresponde aos “serviços de segurança e equipes de apoio para eventos e/ou similares para o ano de 2022/2023 no município de Guaratuba”, conforme consta no Portal da Transparência da cidade. O valor contemplaria a prestação dos serviços nas festividades de Natal, Réveillon e Carnaval e foi dividido em dois lotes. O maior deles, sob a responsabilidade da empresa Terceriza Segurança Ltda., foi contratado por R$ 631.449,60, que inclui 1.880 diárias para os profissionais, ao custo previsto em contrato de R$ 319,92, cada. Mas, os profissionais contratados para levar segurança e bem-estar às pessoas denunciaram ao JB Litoral que encontraram um panorama completamente diferente do prometido ao concordarem em receber uma diária (a que chamam de taxa) de R$ 100,00. A reportagem conversou com vários deles entre segunda-feira (20) e esta terça-feira (21).

FOME, FRIO E SEM PAGAMENTO

De acordo com os profissionais, grande parte moradores de Curitiba e Região Metropolitana, o oferecido pela empresa, que fica na Capital, seria a diária de R$ 100, café da manhã, almoço, jantar, água à vontade, e alojamento, que seria em uma escola estadual, com estrutura de banheiros e cozinha, com cozinheiras, para preparar as refeições, além de seguranças para cuidarem dos pertences dos profissionais. Eles deveriam levar barracas, caso preferissem mais privacidade, colchonetes e todo o necessário para dormirem e proverem a higiene pessoal. Porém, os primeiros profissionais a chegarem, na sexta-feira (17), encontraram uma realidade bem diferente da prometida. No lugar de uma escola, com o aparato mínimo necessário, o que encontraram foi um barracão onde estavam abrigados os trios elétricos, mas completamente aberto, apenas com telhado.

Quando chegamos fomos impedidos de entrar na escola porque ela estava alagada. Chegamos às 15h30 do sábado, mas já tinha gente desde a sexta-feira sem suporte algum. Queriam que deixássemos todas as nossas coisas largadas e estivéssemos prontos para trabalhar às 19h. Nós não concordamos com aquilo“, disse Geovanna dos Santos, bombeira civil, de 24 anos, e que atua há um ano na profissão.

Depois de muito impasse, queriam que fossemos tomar banho há duas quadras do local, chamaram a gente de laranjas podres, de problemáticos, porque não aceitamos aquelas condições, sem termos lugar para dormir, de talvez recebermos uma marmita enquanto outros tomavam banho, então procuramos a delegacia já eram quase 22h” relatou a bombeira. Geovanna também contou que os responsáveis pela empresa passaram pelo local e não pararam nem para falar com os policiais.

Esperamos uma posição da empresa, que não veio. Os responsáveis passaram para fazer a ronda e não pararam para falar nem com a polícia. Fizemos uma vaquinha para voltarmos para Curitiba, em 14 bombeiros civis; dos 34 que foram juntos, esses 14, incluindo eu, voltaram“, relatou ao JB Litoral a profissional que já atuou em diversos eventos e nunca havia se deparado com esse tipo de situação.

A gente espera, primeiro, respeito e, segundo, que ressarçam todo nosso prejuízo. Deixamos nossa família e casa para ir trabalhar e acabamos passando por isso. E, por fim, tivemos que contar moedas de todos os colegas para que todos voltassem para casa“, finalizou. O grupo passou a noite no frio, sem alimentação, e só conseguiu voltar para Curitiba no domingo (20) pela manhã.

“Nada foi cumprido”

Já a segurança Bernadete Salvione, 55 anos, trabalha há 35 anos na profissão. Ela concordou em ficar, mesmo com as condições encontradas ao chegar, mas denuncia que mais um combinado pela Terceriza Segurança não foi cumprido. Retornou para Curitiba nesta terça-feira (21), sem receber pelo trabalho prestado desde sábado, em Guaratuba.

O combinado era trabalhar sábado, domingo e segunda, para, na terça de manhã retornar pra Curitiba, já com o pagamento dos três dias. Nada foi cumprido. A gente ficou sem comer, todo mundo passou fome, chegamos a receber marmita azeda, o lanche era um pão por pessoa! Nós somos adultos, trabalhávamos 12, 14 horas em pé. Hoje (21) não queríamos vir embora sem o nosso pagamento, chamamos a polícia e foi feito o boletim de ocorrência“, contou Bernadete.

“O que fizeram com a gente foi desumano”

Em seguida, de acordo com a profissional, eles concordaram em ir embora, com a promessa de que o pagamento seria realizado nas próximas horas.

Os responsáveis foram lá e pediram para evacuarmos o local, prometendo nos pagar por Pix, até 13h30, 14h. Nós temos cinco diárias para receber, são R$ 500, porque teve os dias em que dobramos. Está todo mundo arrebentado, todo mundo moído e a gente não recebeu até agora“, disse a segurança em conversa com o JB Litoral, na noite desta terça.

No entanto, além de cansados e sem receberem, eles foram embora com fome. “Viemos embora sem comer nada, com fome e sem o nosso dinheiro. Só paramos uma vez no caminho, mas ninguém comeu porque ninguém tinha dinheiro para comprar comida. Só chegamos em Curitiba às 16h30, sem comer desde ontem (20) à noite. O que fizeram foi desumano, muito desumano, nem animal é tratado desse jeito. O supervisor gritava com a gente, fomos maltratados, isso não tem perdão“, finalizou Bernadete que, em 35 anos, afirma nunca ter passado por situação semelhante.

EMPRESA RESPONDE

O JB Litoral procurou os responsáveis pela Terceriza. Segundo o advogado da empresa, Celso Antonio Ribeiro dos Santos, a situação de não ter alojamento adequado para receber os profissionais se deu em decorrência das chuvas e a situação foi normalizada depois do incidente com os bombeiros civis, que decidiram voltar para Curitiba. O advogado também ressaltou que houve a tentativa de acordar com os bombeiros e que os responsáveis pela empresa “disponibilizaram alojamento e alimentação, porém a maioria dos bombeiros civis não aceitou. Posteriormente, alguns bombeiros civis entenderam a situação, e os demais, que não aceitaram, retornaram para a capital paranaense“, disse.

Sobre o retorno dos que não aceitaram as mudanças de condições, Celso dos Santos alega que “não foi obedecido o combinado, pois aqueles que realizaram o devido trabalho e retornaram no tempo avençado, tiveram seus custos devidamente quitados. No que tange a informação da ausência de segurança nos alojamentos, trata-se de comunicação inverídica, pois a empresa Terceriza disponibilizou por tempo integral a presença de segurança para a proteção dos bens dos servidores“, respondeu.

Quando questionado sobre os pagamentos dos profissionais que trabalharam, desde sábado, e que ainda não receberam, o advogado da empresa disse que ainda precisa de um parecer do departamento financeiro da Terceriza, mas acredita “que não haverá burocracia para isso“, afirmou.

A Terceriza Segurança Ltda. contratou 300 seguranças para o Carnaval de Guaratuba. A quantidade de bombeiros civis não foi confirmada pela empresa.

FALA SÓ DEPOIS

Já a Prefeitura de Guaratuba falou com a reportagem por meio de sua assessoria de comunicação, a qual afirmou que “contratou a empresa vencedora da licitação e está acompanhando o caso, mas só vai se pronunciar após uma análise do ocorrido“, disse.