MPPR entra na Justiça para impedir que Matinhos construa novo hospital; “não há condições mínimas na unidade já existente”


Por Luiza Rampelotti Publicado 28/04/2023 às 11h48 Atualizado 18/02/2024 às 10h16
Maternidade Navegantes - Matinhos - Foto Eduarda Soriani - JB Litoral (15)

No início de abril, o JB Litoral noticiou que a Câmara de Matinhos havia aprovado o Projeto de Lei Substitutivo nº 001/2023, que autorizava a Prefeitura a fazer um empréstimo de R$ 40 milhões junto à Caixa Econômica Federal. As obras previstas para serem realizadas com o valor passam pelas áreas da saúde, infraestrutura e educação.

No entanto, metade do montante, isto é, R$ 20 milhões, deveria ser utilizado em apenas uma obra: a construção de um Hospital Geral de Média Complexidade. A reportagem publicada acendeu o alerta do Ministério Público do Paraná (MPPR) que, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Matinhos, ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra o prefeito José Carlos do Espírito Santo (Podemos), o Zé da Ecler, e contra a Prefeitura.

O intuito da Ação é impedir que o valor de R$ 20 milhões seja emprestado para a construção da nova unidade hospitalar, uma vez que, segundo a promotora Carolina Dias Aidar de Oliveira, “não há condições mínimas na oferta dos serviços nos equipamentos de saúde já existentes em Matinhos”. Ao longo da justificativa da ACP, ela revela as atuais condições do único hospital municipal da cidade, o Nossa Senhora dos Navegantes (HNSN). 

Hospital já existente não tem estrutura mínima

De acordo com a promotora, desde 2011 a 2ª Promotoria de Justiça recebe inúmeras denúncias sobre a “falta de estrutura mínima do já existente HNSN”. Segundo ela, as reclamações são sobre falta de manutenção, maquinários, falta de medicamentos imprescindíveis ao atendimento dos pacientes, assim como falta de médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, equipe de serviços gerais e até mesmo falta de limpeza e desinfecção do ambiente hospitalar e do centro obstétrico.

Após tentativas para a solução dos problemas de forma extrajudicial, em 2016 o MPPR ajuizou Ação Civil Pública, já que “a situação do Hospital estava insustentável”.  Na ocasião, a Prefeitura realizou uma reforma nas instalações da unidade, instalou o Centro de Especialidades Médicas na área antes destinada ao Pronto Atendimento, e realocou o Pronto Atendimento para a UPA Praia Grande, inaugurada em dezembro de 2019.

No entanto, os problemas do HNSN estavam longes de ser solucionados. No final do ano passado, o MPPR recebeu uma nova denúncia que informava que o hospital apresentava irregularidades de cunho sanitário. Isto é, a unidade não estaria recebendo limpeza diária e as salas de parto e o centro cirúrgico não estariam passando por desinfecção, além da falta recorrente de medicamentos essenciais, equipamentos de proteção individual, manutenção e/ou falta de equipamentos, entre outros.

HNSN não recebe limpeza diária

Diante da situação, a 1ª Regional da Secretaria de Estado da Saúde realizou inspeção e fiscalização nas dependências do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes no dia 10 de outubro de 2022. Na verificação, a Regional encontrou diversos medicamentos com prazo de validade vencidos e várias inconformidades constatadas, mais precisamente 86 irregularidades.

As irregularidades apontadas, além de consistirem em infrações às normas sanitárias (Lei nº 8.080/1990, Lei nº 6.437/1977 e do Código de Saúde do Estado do Paraná, Lei Estadual nº 13.331/2001), representam substancial risco e/ou dano à saúde, comprometendo a qualidade do serviço prestado, a saúde do trabalhador e da população que utiliza o serviço”, informa a promotora Carolina Dias Aidar de Oliveira.

Ela ainda destaca que o HSNS se encontra em situação precária, e que as condições da unidade hospitalar são de conhecimento dos seus gestores, o que revela grave omissão do Poder Público. A promotora também revela que, conforme a Vigilância Sanitária Municipal, o centro cirúrgico do hospital não possui torneira de acionamento automático para higienização das mãos dos profissionais da saúde, o que ocasiona nova contaminação após a lavagem e toque para o fechamento manual da torneira.

No mais, não é realizada a limpeza terminal diária, há rachaduras no piso, gerando acúmulo de sujidade, além de sangue, fezes e demais fluídos corporais nos frisos. Além do centro cirúrgico, as demais instalações do hospital também contam com bolor e falta de limpeza, mobiliário precário, utensílios e medicamentos fora de condições recomendadas de conservação, sem rotulagem, ou fora de período de validade recomendada pelo fabricante, entre outras inconformidades”, afirma Carolina.

Prefeitura não pode realizar novas contratações profissionais

Para ela, todas as condições atuais do hospital já existente em Matinhos evidenciam a “gravidade e descaso da Administração Pública com a situação da saúde na cidade”. “Deste modo, no presente momento, chega a ser um despropósito a ideia da construção de um Hospital de Média Complexidade enquanto não haja condições mínimas na oferta dos serviços de saúde nos equipamentos já existentes”, avalia.

Mas, como se não bastasse as razões apresentadas, ela ainda elenca que o Poder Executivo Municipal está no limite prudencial de gastos com pessoal, portanto, impossibilitado de realizar novas contratações.  Sendo assim, mesmo que fosse plausível a construção do hospital, não haveriam profissionais para o devido funcionamento, já que o Município não pode aumentar o gasto com pessoal, sob pena de incidir em crime de Responsabilidade Fiscal.

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Novo hospital deveria ser construído na avenida Portal das Praias, com R$ 20 milhões que seriam emprestados da Caixa Econômica Foto: Divulgação

Diante do exposto, deve ser determinada a imediata suspensão de qualquer procedimento administrativo existente que tenha por objeto a construção de um novo hospital em Matinhos. É certo que a população local clama por atendimento de excelência em saúde, mas impactar os cofres do município da forma como se pretende sem que haja a devida atenção aos equipamentos já existentes, bem como diante do quadro de gestão financeira que impede a elevação de gastos com pessoal parece medida política que poderá se mostrar desastrosa e ineficaz”, conclui a promotora Carolina Dias Aidar de Oliveira.

O JB Litoral procurou a Prefeitura para que se manifestasse acerca do conteúdo da Ação Civil Pública, mas, até o momento, não houve retorno.