PM prende responsáveis por clínica de reabilitação por maus tratos, tortura e cárcere privado


Por Redação Publicado 21/04/2023 às 02h13 Atualizado 18/02/2024 às 09h46
PM atuou em conjunto com GCM de Pontal do Paraná para situação de maus tratos a pacientes internados para tratar dependência química. Foto: Ilustrativa/JB Litoral

Nas redes sociais, um local acolhedor, com atendimento multiprofissional para tratar dependentes químicos de drogas e álcool do sexo masculino, em Pontal do Paraná. Mas a realidade encontrada pelas forças da segurança pública e relatada por dezenas de pacientes levou à prisão de três responsáveis pelo estabelecimento e uma cena que, dificilmente, policiais militares e guardas civis municipais esquecerão.

No último domingo (16), a Polícia Militar (PM) foi chamada para atender uma suposta situação de rebelião no Líber Centro Terapêutico, localizado em Pontal do Sul, para onde se dirigiu em comboio com equipe da Guarda Civil Municipal (GCM). De acordo com informações registradas no Boletim de Ocorrência, um dos responsáveis pela clínica chamou a polícia porque havia seis pacientes armados com barras de ferro, agressivos, amotinados e que teriam agredido funcionários do local.

Após conversarem com o responsável identificado como Felipe Pagano, os policiais foram autorizados a irem ao pátio lateral onde estavam os pacientes. O relato dos agentes da segurança pública dão conta de que, antes mesmo de chegarem aos homens, com idades entre 19 e 37 anos, e procedentes de cidades de regiões diversas do Paraná e Santa Catarina, as vozes altas eram de claros pedidos de socorro.


APAVORADOS


Ainda segundo o relato descrito no B.O, como o responsável alegou estar sem a chave para acessar o pátio lateral pelo portão, os policiais chegaram até eles indo por dentro da recepção da clínica, abordaram e revistaram a todos. “Os pacientes se mostravam apavorados alegando diversos fatos. Após contidos, abordados e vistoriados, iniciou-se uma série de relatos do que estaria ocorrendo na Clínica Líber“, descreve trecho do documento.

O descritivo segue com o relato feito por um dos pacientes. “No local estaria ocorrendo crimes de tortura, cárcere privado, ameaças, lesão corporal contra a sua pessoa e os demais que ali estariam em recuperação. Relatando, ainda, que existe um menor de idade que estaria em um piso superior e estaria passando pelo mesmo tratamento, além de existir o abuso sexual contra este adolescente que estaria em cela fechada“, detalha o agente de segurança pública, o qual também deixou registrado que o paciente lhe entregou uma carta manuscrita com vários relatos de torturas e abusos.

No B.O, ainda consta a denúncia de que um paciente estaria algemado há mais de 20 dias em uma cela separada, com ferimentos na perna e fazendo suas necessidades fisiológicas no chão.


TODOS NA DELEGACIA


Após ouvir os relatos, os policiais identificaram a necessidade de conduzir os seis pacientes e o responsável pela clínica para a delegacia, que fica no Balneário Ipanema, para serem ouvidos pelo delegado de plantão. Os policiais foram informados pelo gestor do centro terapêutico de que os pacientes são submetidos ao tratamento mediante contratos particulares registrados em cartório, em que os familiares solicitam o internamento e que os pacientes só podem ser liberados pelos parentes que contrataram a clínica, ainda que de forma compulsória, contra a vontade dos pacientes.

No local, foram entregues pelo responsável “seis tocos de cabo de vassoura, uma barra de ferro e uma bola de sinuca, com a alegação de que seriam utilizados no motim“, finaliza o B.O, do dia 16.


PROCURARAM AJUDA


No dia seguinte, segunda-feira (17), após serem ouvidos na delegacia, os pacientes foram liberados e conseguiram procurar ajuda na assistência social da Prefeitura de Pontal do Paraná. Foi registrado um novo B.O, pois ao ouvir os relatos dos homens, a profissional do departamento acionou a GCM para voltarem à clínica, onde ficou constatada pela equipe a situação de maus tratos com indícios de tortura.

De acordo com esse novo boletim, uma viatura da PM que passava pelo local também foi chamada em apoio para levar 23 pacientes os quais manifestaram vontade de relatar à Polícia Civil as condutas a que eram submetidos no estabelecimento. Três responsáveis pelo centro terapêutico foram levados para a delegacia e ficaram detidos, em decorrência do flagrante realizado pelos agentes da segurança pública. Eles são Felipe Pagano, que consta nas redes sociais da clínica como supervisor; Pablo Fernandes, coordenador; e Narcizo Possebon, terapeuta.

Dos 23 pacientes, dois precisaram ser levados de ambulância para atendimento na rede pública de saúde. Dos demais, a maioria não quis retornar para a clínica e pediram às famílias que os buscassem de volta, uma vez que moram em outras cidades.


“TRISTE DEMAIS”


Um local sem ventilação, insalubre, em condições deploráveis de higiene. Chuveiro com água quente, nem pensar. “Tinha banheiro com fezes pisoteadas. Eles sofriam violência física, eram amarrados e apanhavam. Depois ficavam trancados em um quarto por algum período, deplorável, triste demais“, relatou ao JB Litoral, com exclusividade, uma testemunha que terá o direito de sigilo de fonte garantido.

Ainda segundo a testemunha, as famílias pagam um valor alto na esperança de que seus entes queridos recebam tratamento adequado para dependência química e, além dos valores mensais, ainda enviam, por fora, outros itens, tais como produtos de higiene pessoal, cigarro e alimentos de consumo individual, a exemplo de guloseimas e salgadinhos.


ABERTA HÁ QUASE DOIS ANOS


A reportagem apurou que a clínica continua aberta, apesar do flagrante e detenção dos responsáveis que estavam presentes no momento da abordagem policial. Ela fica na avenida Atlântica, em Pontal do Sul, teve CNPJ aberto em sete de maio de 2021, que segue ativo, com registro para atuar com a atividade principal de assistência psicossocial e à saúde a portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química e grupos similares. Também consta no cadastro empresarial a atividade de fornecer serviços de alimentação privativos.


ESPAÇO ABERTO


O JB Litoral tentou contato com a clínica através dos números de telefone que são disponibilizados na internet. No entanto, o site do estabelecimento se encontra fora do ar e nenhuma ligação foi atendida.

O JB deixa o espaço aberto às manifestações do Líber Centro Terapêutico, para que o estabelecimento apresente sua versão para os fatos.