Quilombolas de Guaraqueçaba têm seu direito à propriedade ameaçado há anos


Por Luiza Rampelotti Publicado 03/02/2023 às 20h46 Atualizado 18/02/2024 às 04h08

Não é novidade que, no Brasil, tanto quilombolas quanto indígenas têm seu direito à propriedade ameaçado. Há anos grupos madeireiros, de mineração etc., buscam, por diversos meios, desapropriar essas comunidades de seus territórios.

No Litoral do Paraná, com quase 150 anos de resistência, as famílias que vivem na Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) Rio Verde, em Guaraqueçaba (na divisa com São Paulo), tentam evitar serem despejadas de suas terras. Na região litorânea, um grupo do setor madeireiro tem reivindicado parte da área há anos, além disso, há indícios de ameaças decorrentes de conflitos fundiários que existem na região, especialmente entre os integrantes da comunidade e as empresas, conforme a Defensoria Pública da União (DPU).

Os primeiros registros de ocupação da CRQ remontam a 1884, quando escravizados foram trazidos para trabalhar e permaneceram ali. No Quilombo Rio Verde vivem cerca de 30 famílias; o local é ocupado há mais de um século e meio pelos descendentes de negros escravizados em Cananéia (SP) que, na busca pela liberdade, migraram para Guaraqueçaba.

Ordem para despejo


No entanto, os últimos anos não têm sido fáceis. A última batalha aconteceu no dia 17 de janeiro, quando, quase que em cima da hora, o Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) conseguiu suspender a ordem judicial para o dia seguinte, que determinava o despejo de famílias que vivem na CRQ. Há anos a Arvoredo Incorporadora e Administradora Ltda, uma empresa localizada em Curitiba, questiona a posse da área.  

Ao JB Litoral, o coordenador do Núcleo, defensor público João Victor Rozatti Longh, explicou o que vem acontecendo no Quilombo Rio Verde. “Há uma série de ações na Justiça Estadual que eram ajuizadas e que a DPU sabia e, à medida que os moradores eram intimados, a Defensoria Pública da União conseguia anular ou deslocar a ação para a Justiça Federal, haja vista que envolve uma questão de competência federal por se tratar de Quilombo”, comenta.

Por último, o grupo madeireiro ajuizou uma ação individual contra uma família que vive na área. “Essa é uma forma de litigância muito comum da parte que se diz possuidora do terreno. Mas, para nós, é abusiva, porque ao invés de ajuizar uma demanda coletiva, que vai atrair a atribuição da DPE como fiscal das vulnerabilidades, isso é afastado. E foi o que aconteceu; eles ajuizaram a demanda se dizendo possuidores da área por meio de documentos e estudos de viabilidade, dizendo que a área foi invadida e mostraram um relógio da Copel. Mas quem lida com direito possessório sabe que se tem relógio da Copel, invasão não é, pois a companhia não costuma ligar luz quando se trata de ocupação irregular”, explica.

Direito de posse concedido pela Constituição Federal


O defensor público conta que o Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas não sabia da ação até o dia anterior à data marcada para o despejo. “Quando ficamos sabendo dessa demanda, já estava para ocorrer o despejo, supostamente de uma moradora. Mas, na verdade, não era só dela, pois envolve possuidores anteriores, que não são posseiros comuns, mas são pessoas que exercem posse por uma propriedade ancestral, concedida pela Constituição Federal, que são os quilombolas”, diz.

O Quilombo Rio Verde fica localizado em Guaraqueçaba, na divisa com São Paulo, entre as regiões de Batuva e Utinga. Foto: Ana Josefina Ferrari

Segundo ele, quando a demanda chegou ao seu conhecimento, a equipe da DPE ‘parou tudo’ e se habilitou no processo, contestando-o, e, ainda, recorreu da decisão, que era liminar, para a retirada da família. “Para nossa alegria, o juiz de Antonina compreendeu a situação, suspendeu a decisão e determinou que não houvesse o despejo, uma forma popular de se referir aos chamados desalojamentos forçados. De posse disso, conseguimos suspender a decisão”, conta.

Quilombolas são historicamente excluídos

No dia 19 de janeiro, o Núcleo tomou conhecimento de outro processo com o mesmo objetivo: retirar os quilombolas da CRQ Rio Verde, no qual também se habilitou com o intuito de demonstrar o direito das pessoas que estão na terra. “Eles têm o direito ancestral, de uma população tradicional, cuja propriedade é declarada pela Constituição, porque eles são proprietários pelo direito da ancestralidade. De posse disso, a DPE está atuando no sentido de conseguir uma outra decisão judicial que suspenda a anterior e, portanto, impeça esse desalojamento forçado”, destaca o defensor público João Victor Rozatti Longh.

Ele conclui evidenciando que a DPE-PR, especialmente por meio do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas, continua monitorando a situação. “De prontidão, sempre que ficarmos sabendo desses processos, vamos atuar na defesa do direito dessas pessoas, que é constitucionalmente declarado e decorre da história do Brasil, da necessidade de proteção especial a esses grupos vulneráveis, que são historicamente excluídos e impedidos de exercer seu direito à terra”, conclui. 

O JB Litoral não conseguiu contato com a empresa Arvoredo.