Relação abusiva – indícios são anteriores à violência física; mulher que teve casa incendiada fala sobre o relacionamento


Por Luiza Rampelotti Publicado 19/10/2022 às 21h23 Atualizado 17/02/2024 às 19h40

Um relacionamento abusivo não começa com agressão física ou ameaça de morte. Antes do tapa e do soco, muitas outras formas de violência já dão indícios de uma relação tóxica.

Estar em um relacionamento abusivo não significa, necessariamente, apanhar. Muitas vezes, a violência é praticada de outras formas, como a psicológica, sexual e financeira. Elas são mais ‘sutis’ que a agressão física e, por isso, mais difíceis de identificar.

No entanto, são elas que dão os primeiros sinais de uma relação de abuso. O que acontece é que muitas pessoas acabam ficando nessas condições sem compreender a agressão que sofrem ou por dependência emocional e/ou financeira.

Quando conseguem terminar, muitas vezes enfrentam ainda mais violência e, em muitos casos, podem até mesmo ser vítimas de feminicídio. No sábado (14), a zeladora Karla Zeferino, moradora de Matinhos, sentiu na pele a dificuldade de sair de uma relação não saudável. Ela perdeu tudo após ter a casa onde morava incendiada pelo ex-namorado, Renner Aparecido Rosa, de 26 anos, com quem ficou junto por apenas sete meses.

Ao JB Litoral, a mulher conta como começou a identificar que o relacionamento era abusivo e aconselha outras mulheres a não aceitarem viver em relações tóxicas.

Ele já demonstrava ser violento

Conheci o Renner há um ano, na antiga Feirinha de Caiobá. No começo, estávamos apenas ficando e quando acabou a feira, ele foi para a cidade dele, Nova Fátima (PR), e continuou a trabalhar nas feiras livres de peão. Foi quando começamos a namorar e ele vinha para Matinhos uma vez por mês e ficava três dias”, conta.

Karla diz que logo no período em que eles estavam apenas se conhecendo e ficando, Renner já demonstrava ser muito ciumento. Durante uma crise de ciúme, bêbado, ele chegou a chutar todo o seu local de trabalho. “Nesse dia fiquei com medo e falei para ele que não íamos mais ficar. Fiquei uns dois meses sem falar com ele, mas ele mandava várias mensagens. Falava que iria se matar, dizia que era minha culpa, fazia pressão psicológica. Mais tarde, dei mais uma chance e falei que ele tinha que mudar”, diz.

Ela conta que a ‘mudança’ durou poucas semanas. Pouco tempo depois, Renner viu uma foto de Karla junto com um amigo e ameaçou os dois de morte, além da pessoa que tirou a fotografia.

Ele mandou um monte de áudio para mim e para ela, xingando nós duas, falando que ia dar tiro na nossa cara. Ficamos com medo e fomos fazer o Boletim de Ocorrência. Isso aconteceu há uns cinco meses”, relembra Karla.

Promessas de mudança

Depois dessa situação, ela e Renner ficaram um tempo sem contato. Porém, a zeladora conta que ele tornou a mandar muitas mensagens pedindo perdão e falando que iria mudar. Eram, pelo menos, 30 ligações por dia – por vídeo e/ou áudio.

Ele queria saber quem estava perto de mim, com que roupa estava quando saía, que horas chegaria, com quem andava. Eu não estava mais suportando o jeito controlador dele e fui tentando me afastar aos poucos, porque vi que ele era agressivo, que não estava bem da cabeça”, comenta.

Em setembro, Renner voltou para Matinhos e ficou uma semana na cidade. Foi quando Karla teve certeza que não queria continuar no relacionamento. Ela parou de atender as ligações e de responder as mensagens e ele retornou para sua cidade.

Na semana passada, ela bloqueou o rapaz das redes sociais e aplicativos de mensagem. Inconformado, Renner apareceu na casa de Karla de surpresa. Assustada, ela acabou conversando com ele.

No sábado, ela e uma amiga decidiram sair e chamaram Renner. “Minha amiga pediu para o chamar porque ficou com medo do que ele poderia fazer se eu saísse sozinha. Antes de sairmos de casa, ele me apertou os dois braços porque falei que estávamos saindo como amigos; ele ficou com raiva e falou que iríamos como namorados. Na lanchonete ele já estava estranho; depois fomos para uma balada, onde ele não me deixou conversar com ninguém. Eu ia ao banheiro e ele ficava na porta, perguntava o porque demorei”, conta Karla.

Incêndio na casa

Ela comenta que a situação a oprimiu tanto que decidiu ir embora. Inconformado, o rapaz a mordeu no rosto. Mesmo assim, saíram juntos da balada e pararam em uma lanchonete.

Casa foi totalmente destruída pelo fogo. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Enquanto estavam aguardando o lanche, Karla diz que Renner começou a xingá-la, a dizer que colocaria fogo em sua casa e que todos veriam o que iria acontecer com ela. Quando contou à amiga o que estava acontecendo, resolveram ir embora; ao entrarem no carro, o rapaz também entrou correndo e deu uma “gravata” nela.

Nós fomos tentando acalmar ele para soltar, viemos conversando e ele foi alterando a voz. Quando chegamos na frente do prédio, desci do carro e ele também. Busquei a mala dele e entreguei. Quando saímos novamente, ele disse que tacaria fogo na minha casa e que todos veriam o que iria acontecer comigo. Ele saiu a pé. Minha amiga disse para que eu entrasse no carro porque ele voltaria, e saímos”, conta.

Poucos minutos depois, é possível ver, pelas imagens de segurança da rua Manoel Paranhos, que Renner retornou ao edifício Solar dos Coqueiros após ter comprado gasolina em um posto próximo. Ele forçou o portão e conseguiu entrar na residência de Karla, jogou o líquido inflamável e colocou fogo em tudo.

Sorte minha que eu não estava, porque como iria fugir? Ele iria me matar ali dentro. O restante da história todos já sabem, pegou fogo em tudo, nos meus documentos, minhas roupas, eletrodomésticos, fotos. Fui casada por 25 anos, sou viúva há dois anos, perdi tudo”, lamenta Karla.

Ficha criminal

Depois do acontecimento, quando foi registrar B.O. contra Renner, Karla descobriu que o rapaz tem uma extensa ficha criminal. Ele foi preso em flagrante no domingo (16), após denúncias anônimas levarem a Polícia Militar até o seu ‘esconderijo’ – um comércio vazio no balneário Ipanema, em Pontal do Paraná.

Quando os militares chegaram, encontraram o rapaz com uma faca de açougueiro, juntamente com a bainha e o amolador dentro da mochila. Ele contou que após uma briga com Karla, “em um ato contínuo de fúria e descontrole emocional, foi até um posto de gasolina, comprou combustível e retornou à residência e tocou fogo na mesma, se evadindo logo após”. Com a confissão, o suspeito de violência doméstica foi encaminhado à delegacia de Matinhos e ficou preso em flagrante. Na segunda-feira (18), a prisão foi convertida em preventiva.

O JB Litoral descobriu que ele foi preso pela primeira vez em 2015, aos 19 anos, quando foi encontrado pela PM com 9 gramas de maconha em Nova Fátima (PR).

Renner Aparecido Rosa é suspeito de atear fogo na casa da ex e de violência doméstica. Foto: Reprodução/Facebook

Em 2016, ele foi denunciado após bater e ameaçar pessoas que estavam reunidas em uma praça. Um dos rapazes que ele agrediu contou à polícia que Renner quebrou uma garrafa e ameaçou cortar seu pescoço. Os meninos estavam juntos com uma ex-namorada de Renner.

Já em 2018, aos 21 anos, ele foi preso por direção perigosa de motocicleta. Ele estava bêbado e não possuía carteira de habilitação.

Com tudo isso que vivi, só posso alertar outras mulheres para que logo no primeiro sinal de violência, elas corram para muito longe, porque homens violentos não irão mudar, apenas vão tentar enganar para continuar segurando a mulher em uma dependência emocional. Não deixem que isso ocorra”, finaliza Karla.