“Um homem que não foi reconhecido” – fiéis falam sobre legado do padre Adelir, o ‘padre do balão’


Por Luiza Rampelotti Publicado 20/04/2023 às 17h17 Atualizado 18/02/2024 às 09h44
O padre Adelir se lançou à própria sorte, em um dia chuvoso, num voo de balões que deveria durar 20h e acabar em Dourados (MS). Foto: Reprodução/internet

Este dia 20 de abril marca os 15 anos do trágico voo de balão que terminou com a morte do padre Adelir Antônio de Carli, pároco da Paróquia São Cristóvão, em Paranaguá, que ficou conhecido como “padre do balão”. A viagem, feita com mil balões de gás hélio, deveria ter sido finalizada em Dourados, no Mato Grosso do Sul, mas seus restos mortais foram encontrados meses depois no Rio de Janeiro.

Para entender o motivo da aventura, é preciso compreender quem, de fato, era Adelir. Nascido em 8 de fevereiro de 1967, em Pelotas (RS), ele trabalhou como frentista num posto de gasolina do tio, então sempre teve contato com muitos caminhoneiros.

Já adulto, de um dia para o outro, conta a madrasta, Sueli Carli, em entrevista à Tribuna do Interior, decidiu entrar no seminário católico. Estudou em Paranaguá e, depois de ordenando padre, em 2003, atuou em Ampére (PR). Foi um pároco bastante atuante, defensor dos Direitos Humanos.

Em 2004, voltou para Paranaguá para pastorear a Paróquia São Cristóvão, recém-criada. Inclusive, o nome foi escolha sua. Foi lá onde decidiu defender os caminhoneiros, que na cidade existem aos montes, afinal, é movida por caminhões devido ao porto. Adelir criou, então, a Pastoral Rodoviária, cujo maior projeto era construir uma Casa de Acolhida para os motoristas.

Foi por conta desse projeto que o padre decidiu fazer o voo de balão. Ele queria chamar atenção para a causa e, consequentemente, arrecadar fundos para a construção. O primeiro teste com balões a gás aconteceu em fevereiro de 2003; ele foi para Ampére e, de lá, decolou num voo de quatro horas e quinze minutos, que terminou em San Antonio, na Argentina, sem complicações.

Dia chuvoso

Ele se encheu de esperança e queria, então, bater o recorde da categoria e entrar para o Guiness Book com o voo de balão mais longo, de 20 horas. Mas deu tudo errado.

O dia de hoje, para quem conviveu com ele, é muito difícil, porque todo dia 20, quando está um dia bonito como hoje, a gente pensa naquele mesmo dia, em abril de 2008, quando o tempo não estava assim”, conta Denise Gouveia, que congregou na Paróquia São Cristóvão.

Naquele 20 de abril, o céu estava nublado, tempo instável e chuva. Mesmo assim, o padre decidiu seguir com o voo. Seu equipamento incluía paraquedas, capacete, roupas impermeáveis, aparelho GPS, celular, telefone por satélite, colete salva-vidas, traje de voo térmico, alimentos e água.

Às 13h, preso em uma cadeira sustentada por mil balões, o sacerdote partiu para a aventura que culminou em sua morte. Vinte minutos depois da partida, Adelir atingiu a altitude de 5.800 metros acima do nível do mar, quase o dobro do que estava previsto.

Antes de perder a comunicação por completo com as autoridades, ele comentou que as condições climáticas estavam desfavoráveis e citou problemas com o GPS. “Eu preciso entrar em contato com o pessoal para que eles me ensinem a operar esse GPS aqui para dar as coordenadas de latitude e longitude, que é a única forma que alguém por terra possa saber onde eu estou. O celular via satélite fica saindo de área e, além do mais, a bateria está enfraquecendo”, disse.

Último contato

O último contato do padre com a Polícia Militar aconteceu durante a noite de 20 de abril, às 21h, quando ele estava a cerca de 25 km de São Francisco do Sul (SC). As investigações na época apontaram que o mau tempo o teria levado em direção ao mar.

Adelir ficou desaparecido durante meses, até que, em 4 de julho de 2008, restos do corpo do padre foram encontrados no mar por um barco rebocador, próximo à costa de Maricá, no Rio de Janeiro. O exame de DNA, feito a partir de uma amostra de material colhido com um irmão, Moacir de Carli, confirmou a identidade do pároco.

As pessoas falam que ele foi inconsequente, mas não, o padre Adelir era muito metódico nas coisas que fazia, tinha que ter perfeição, e ele estudou muito, tanto é que vez o voo em Ampére. Ele era uma pessoa a frente do seu tempo, e quando a gente tem voos limitados, não consegue entender quem tem voos mais altos, aí parece loucura. Ele era um visionário”, diz Denise Gouveia.

Outra católica que frequentava a Paróquia São Cristóvão na época (e até hoje) é Egípcia Voi de Freitas. Ela relembra, com tristeza, que a situação chegou a virar piada entre as pessoas. “Ninguém entendeu, virou piada, e isso nos deixa até constrangidos”, conta ao JB Litoral.

Sonho morreu com o padre

A construção da Casa de Acolhida para os caminhoneiros era um dos sonhos do padre. Pelo qual ele lutou até morrer. “Pena que pouca gente entendeu, pouca gente ajudou”, diz Egípcia.

Para a fiel, Adelir voou sem pensar em sua própria vida, mas sempre pensando em ajudar os outros. “Ele falou: mas eu chamei todos os repórteres para vir aqui e vou cancelar por causa do tempo? Passando as nuvens vai ficar mais claro”, revela.

Padre Adelir tinha o sonho de construir uma Casa de Acolhida para caminhoneiros e suas famílias. Foto: Reprodução/RPC

A Pastoral Rodoviária foi iniciada para ajudar os caminhoneiros que vivem solitários nas estradas. No Pátio de Triagem e em postos de gasolina, o sacerdote sempre levava palavras cristãs e de apoio aos motoristas.

Ele sempre pensou num lugar em que os caminhoneiros pudessem ficar, dormir, levar a família, com dormitórios, banheiro, refeitório. Ele queria que a Casa de Acolhida fosse uma grande obra, uma grande igreja, que chegasse a ser um ponto turístico na cidade”, relembra Egípcia.

No entanto, o sonho morreu junto com ele. Ninguém mais da paróquia tocou o projeto da Pastoral e, muito menos, do Centro de Acolhida.

A Pastoral Rodoviária era maravilhosa, mas, infelizmente, ficou no caminho, pois quem ficou a frente da igreja não teve condições. Nós gostaríamos, trabalhávamos muito, éramos muito dedicados e focados, embarcamos no sonho dele, mas não adiantou”, diz Denise.

Defensor dos direitos humanos

Além da missão com os caminhoneiros, o padre Adelir não tinha medo de ajudar as pessoas mais necessitadas, esquecidas pela sociedade e poder público. Isso também o rendeu diversos embates, especialmente com relação à uma denúncia feita por ele, em 2006, sobre maus tratos a pessoas em situação de rua em Paranaguá.  

Ele via como uma obrigação do poder público que as pessoas fossem mais cuidadas, e elas eram muito abandonadas, então ele não tinha medo de ajudar essas pessoas. O padre Adelir foi um grande homem, pena que não foi reconhecido”, comenta Egípcia.

Egípcia e Denise relembram de uma frase que o padre costumava falar e que resume bem a sua passagem pela vida. “Ele sempre dizia: ‘prefiro morrer cedo e deixar um legado, do que viver 80 anos e não deixar nada”, concluem.

Veja o vídeo do último voo