Inclusão na dança: artistas surdos superam os limites da deficiência e se apresentam dançando


Por Amanda Batista Publicado 01/10/2023 às 17h02 Atualizado 19/02/2024 às 01h00

A música tem o dom de acompanhar as pessoas nos mais diversos momentos. Seja para animar um dia triste ou aliviar o estresse do cotidiano, é inegável que ela mexe com as nossas emoções. Mas, se para as pessoas que podem ouvir uma música já é difícil definir o seu poder sobre elas, jovens surdos de Paranaguá mostram que o poder de uma canção, de um ritmo, vai bem além da capacidade de escutar com os ouvidos; elas chegam à alma por meio de outros sentidos. Em Paranaguá, a homenagem do Dia Nacional do Surdo, comemorado no dia 26 de setembro, foi diferente e emocionante. Na última quarta-feira (27), o auditório do Instituto Superior do Litoral do Paraná (ISULPAR) foi o palco para apresentações de ballet e breaking de artistas surdos.

A bailarina Clarice Vitória Serafim, de 19 anos, foi uma das protagonistas da noite. Junto à Cia de Ballet Inclusivo Kingdom, liderada pela mãe, Adriana Serafim, ela venceu a timidez e se apresentou com o grupo de dança.

Em libras, Clarice conta que durante quase toda a vida teve muita vergonha de dançar e não se aceitava completamente por causa da surdez e da paralisia cerebral. No entanto, tudo mudou depois que duas colegas ouvintes da Cia e algumas professoras do Instituto Estadual de Educação Doutor Caetano Munhoz Rocha aprenderam a língua de sinais para conversar com ela.

Além de ser surda, também tenho paralisia cerebral, o que causa algumas limitações. Às vezes, não consigo me soltar totalmente, mas aos poucos estou me aceitando e conseguindo aprender. Minhas amigas e professoras me encorajaram a não sentir vergonha e a aproveitar o momento. Então, comecei a treinar em casa e na igreja, e hoje estou cada dia melhor”, conta a jovem.

Clarice dança ballet há cerca de um ano e conta que dança ajudou a se aceitar e superar a timidez. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.


Sentir a música pelas vibrações


O dançarino de breaking Robert Souza Bahia, de 25 anos, também brilhou no palco do Isulpar. Na conversa em libras com o JB Litoral, ele conta que desde que era criança nunca via pessoas surdas ou com deficiência dançando, apenas pessoas ouvintes. Foi somente quando conheceu o projeto do professor Fabrício Fonseca, intérprete de Libras, que ele deu uma chance para a dança.

Comecei a treinar hip-hop e aprender os passos com o incentivo do professor. Sentir o som e a vibração é uma experiência muito interessante e prazerosa. Hoje, continuo me aperfeiçoando e consigo dançar através das vibrações, como qualquer outra pessoa”, explica.

Para Robert, a comemoração do Dia Nacional do Surdo é um momento importante, que mostra os avanços da representatividade da comunidade. “Este é um evento gratificante para nós. Pessoas surdas e ouvintes são iguais, não há diferença além da perda auditiva. Nós conseguimos sentir emoções, nos comunicar e viver como qualquer outra pessoa”, afirma.

Robert conta que consegue dançar por meio da vibração da música e que, apesar de não ouvir, leva a vida como qualquer outra pessoa. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.

Breakdance para surdos


Robert é um dos alunos do professor Fabrício da Fonseca. Formado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o professor começou a ensinar dança há cerca de 15 anos, quando ainda estava na universidade, mas foi somente em 2007 que teve o primeiro contato com a comunidade surda, graças à Fátima Gonçalves, atual diretora da Escola Bilíngue Nydia Moreira Garcez.

Foi durante o estágio que desenvolvi meu primeiro projeto voltado para a comunidade surda, mesmo não tendo conhecimento de libras na época. Fui aprendendo aos poucos, fazendo cursos, inclusive com a [vereadora de Paranaguá, que é surda] Isabelle Dias. Foi assim que aprendi a me comunicar para ensinar dança para essas pessoas”, conta.

Em 2019, Fabrício criou a primeira escola de break para surdos do Brasil e, com ajuda de intérpretes, começou a ensinar musicalidade para surdos, além de prepará-los para competições.

No ano seguinte, com a chegada da pandemia, ele precisou lecionar de forma virtual, e o que inicialmente foi visto como um prejuízo para os alunos, acabou se tornando uma oportunidade para que surdos de todo o Brasil pudessem aprender a dançar com o professor.

Em 2021, tivemos o orgulho de levar os primeiros surdos do Brasil à seletiva da Red Bull, um campeonato mundial realizado em Curitiba. Foi uma experiência incrível para eles, sendo os primeiros a representar o Brasil”, destaca.

Professor Fabrício dá aulas de breaking há 15 anos e ensina pessoas surdas a dançarem desde 2019. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.

Planos para o futuro


Fabrício também conta que está constantemente estudando e se atualizando, agora focado em Educação Especial para ampliar o alcance da inclusão, não apenas para surdos, mas para outras crianças com necessidades especiais.

Ver o impacto positivo que o projeto tem na vida das crianças e dos jovens é minha maior recompensa. Ver o brilho nos olhos de uma criança surda quando ela alcança algo novo não tem preço. É uma alegria que não pode ser substituída por dinheiro”, afirma.

No ano passado, ele se mudou para Portugal onde deu continuidade ao projeto de forma virtual. Agora que retornou ao Brasil, Fabrício pretende reabrir a escola de dança em Paranaguá para preparar os alunos para as competições de breaking, uma das modalidades que irá estrear no ano que vem, nas Olimpíadas de Paris 2024.

Já estamos participando de várias competições para subir no ranking e representar nosso país. Agora, nosso foco é atender não apenas surdos, mas também outros jovens com necessidades especiais que desejam aprender a dançar. Queremos colocar o Brasil em destaque nessas competições, ao mesmo tempo que tornamos a inclusão acessível para todos”, finaliza o professor.