Checagem: Vandecy não propôs inclusão de “estudos sobre sexo” nas escolas
Durante a última semana, repercutiu entre nichos e bolhas da internet duas reportagens divulgadas no JB Litoral sobre a chegada de uma nova instituição LGBTQIA+ em Paranaguá e a discussão sobre diversidade e gênero nas salas de aula. Em meio às análises acerca do tema, um Projeto de Lei da vereadora Vandecy Silva Dutra (PP) foi acusado por páginas nas redes sociais de “defender a doutrinação de crianças e adolescentes” sobre o tema “ideologia de gênero”.
Para entender qual era o PL e desmistificar suas implicações, a reportagem obteve os documentos do Programa Educação Pela Paz e procurou a vereadora para esclarecer o conteúdo apresentado à Câmara Municipal de Paranaguá.
A proposta enviada ao legislativo visava instituir um programa “intergeracional” na busca para que as próximas gerações de adultos e chefes de famílias não reproduzam as diversas violências tão comuns nos lares brasileiros. Mas, o trecho mais polêmico do texto é o segundo tópico do artigo 3º que diz que “o programa tem por objetivos específicos: II – Conscientizar sobre a igualdade de gênero”. Segundo a vereadora, a iniciativa tinha o simples objetivo de definir que o ambiente escolar deve ser um espaço em que as crianças e adolescentes aprendam sobre igualdade e respeito entre indivíduos de gêneros diferentes, já que homens e mulheres são iguais perante a lei e gozam de direitos e deveres iguais na sociedade. “A intenção da aprovação do Projeto de Lei tinha por finalidade combater as desigualdades desde a primeira infância, ensinando o respeito, a igualdade de oportunidades, o combate às diferenças, desde os mais tenros anos para mudar o cenário de violência que se alavancou com a chegada da pandemia”, explica a vereadora, que também ressalta que a violência contra a mulher é um problema coletivo e que precisa ser debatido.
“As mulheres experimentam a desigualdade nas mais diferentes facetas de seu cotidiano, seja no campo econômico, político e religioso. As diferenças se agravam ainda mais se considerarmos também o dado da raça/etnia, da regionalidade, da idade e muitos outros. Existe uma explícita articulação e integração das diferentes formas de dominação”, diz.
Projeto foi arquivado
Após a polêmica que distorcia o conteúdo da legislação, a própria vereadora pediu seu arquivamento e não pretende levar, por enquanto, o tema para a Câmara Municipal. A proposta, que buscava aprimorar ainda mais o espaço estudantil como local de desenvolvimento de boas práticas como o respeito, a civilidade, a igualdade e a tolerância, acabou ganhando a imagem de “tentativa de incitar crianças a práticas sexuais”, invertendo totalmente a lógica do projeto proposto.
Mas, mesmo sem uma legislação própria, a vereadora acredita ser importante combater o abismo social e a desigualdade de gêneros que ocorre na sociedade. “Não obstante o relativo avanço que o mundo percorre, em termos legais e políticos, na defesa dos princípios de equidade de relações de gênero, recentes estudos a nível nacional e internacional confirmam as persistentes desigualdades de gênero em diversos contextos. Os avanços tecnológicos, a industrialização, bem como, as evoluções políticas, não foram suficientes para erradicar o abismo existente entre os gêneros masculino e feminino”, diz Vandecy, que também ressalta não se tratar de uma tentativa de sexualizar menores.
“No ápice do apogeu tecnológico, ainda esbarramos com a mentalidade restrita e machista que discutir igualdade de gênero nas escolas tem relação com ensinamentos de escolhas sexuais, ou ainda, promover e incentivar escolhas. Em hipótese alguma, a intenção do projeto de lei percorria a intencionalidade adversa à discussão do respeito igualitário entre homens e mulheres e a não reprodução da violência vivida por muitas crianças desde muitos pequenos”, explica.
O texto original, continha oito artigos e definia que a “não-violência” seria debatida em palestras, atividades culturais, campanhas, jogos colaborativos, ações educativas, rodas de conversas, elaboração de vídeos referentes ao tema, atividades em sala de aulas, entre outras formas de aproximar o estudante de problemas estruturais.
Ideologia de gênero não existe
O termo “ideologia de gênero” surge na igreja católica, na década de 1990, e acabou ganhando destaque entre grupos de direita que definem a termologia como uma prática orquestrada para induzir jovens a ser contra padrões pré-estabelecidos e valores culturais de ordenamento social. “‘Ideologia de gênero’ tem sido uma expressão depreciativa usada por grupos conservadores contrários às discussões relacionadas ao feminismo, à sexualidade e à diversidade, seja nas escolas ou fora delas. Eles acreditam que essa ‘ideologia’ faria parte de um plano mundial para destruir a família cristã e a heterossexualidade”, explica Luiz Fernando Menezes em uma reportagem veiculada no jornal Aos Fatos.
“O conceito é bastante diferente dos de estudos de gênero e teoria de gênero, campos de estudo acadêmico sobre questões relativas a gênero e sexualidade na sociedade, surgidos nos EUA a partir dos anos 1970. A interpretação conservadora sobre a ‘ideologia de gênero’ ainda difere muito do que a ONU propõe como debate de gênero, que seria a busca de igualdades de condições entre homens e mulheres (não só em termos sexuais e reprodutivos, mas também de acesso ao mercado de trabalho e de nível salarial, por exemplo)”, explica o autor.
A grande discussão é que a ideia de “ideologia de gênero” é a crença na tentativa de sexualizar e incitar a homossexualidade em crianças e adolescentes, contrariando propostas que buscam prover discussão sobre igualdade entre indivíduos, respeito às diferenças de gêneros, religiões, etnias, condições financeiras, entre outros.