Portos do Brasil param nesta terça (22); TPAs e portuários fazem greve contra a revisão da legislação portuária


Por Luiza Rampelotti Publicado 21/10/2024 às 18h23

A modernização dos portos brasileiros está em debate. Em março deste ano, ocorreu a criação da Comissão Especial de Portos (CEPORTOS), que visa uma nova proposição legislativa para a revisão do arcabouço legal que regula a exploração de portos e instalações portuárias pela União.

Como resultado dos trabalhos da CEPORTOS, uma comissão de juristas, liderada pelo desembargador Celso Peel, a pedido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), elaborou um Anteprojeto de Lei voltado para a modernização do setor portuário. O texto busca atrair novos investimentos por meio da atualização de normas vigentes há décadas, com foco na desburocratização, simplificação dos processos e descentralização da administração portuária. Além disso, pretende fomentar práticas sustentáveis na gestão dos portos. A proposta será enviada à Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (23).

Apesar dos avanços propostos, o Anteprojeto enfrenta críticas por parte dos trabalhadores, que denunciam a exclusão de sua participação nas discussões e apontam para os potenciais impactos negativos. Enquanto os operadores portuários veem a medida como fundamental para modernizar as operações, aumentar a eficiência administrativa e flexibilizar a exploração das instalações, os trabalhadores portuários avulsos (TPAs) e portuários manifestam preocupação. Eles temem a perda de direitos e a precarização das condições de trabalho. Em resposta, está prevista uma paralisação nacional organizada pelos trabalhadores nesta terça-feira (22), que ocorrerá em portos de todo o Brasil. Em Paranaguá, a manifestação está programada para iniciar às 7h, em frente ao Porto Dom Pedro II.

Impactos negativos

Atualmente, os TPAs detêm o direito exclusivo de trabalho nos portos públicos, o que garante segurança e estabilidade profissional, de acordo com a Lei dos Portos (12.815/2013). No entanto, o Anteprojeto, segundo os trabalhadores e seus representantes, enfraquece esse direito, abrindo espaço para a terceirização e o fim da exclusividade, com consequente precarização das condições de trabalho.

A exclusividade é uma conquista histórica. O Anteprojeto, sob o falso pretexto de modernização, ameaça essa conquista, abrindo caminho para a terceirização e a exploração da mão de obra”, explicam os advogados trabalhistas Milene Zerek e Alexandre Stadler Correa, especialistas em direito portuário, ao JB Litoral.  

Eles detalham os possíveis impactos de uma revisão da lei. “A perda da exclusividade implica diretamente em riscos de terceirização, redução salarial e enfraquecimento do vínculo com o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). A revisão da solidariedade trabalhista e do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo (FDEPM) também são extremamente preocupantes“, afirmam.

Os advogados também alertam para os impactos indiretos. “A precarização do trabalho portuário impactará toda a comunidade de Paranaguá, pois a riqueza gerada nessa região depende diretamente da atividade portuária“, explicam.

TPAs e portuários ameaçados

Francisco Rodrigues, conhecido como Chico, estivador (TPA) em Paranaguá, também expressa a indignação da categoria. “Eles querem contratar estivadores só quando convém, definindo um número de homens por carga segundo suas regras. Isso é inaceitável! O fim da exclusividade vai afetar diretamente nosso trabalho e a economia da cidade. Quem gera a riqueza aqui são os TPAs. Nós trabalhamos dia e noite, em qualquer condição climática, e gastamos nosso dinheiro aqui mesmo. Esse projeto é uma ameaça à nossa dignidade e ao nosso sustento”, diz em entrevista ao JB Litoral.

Ele reforça o compromisso com a greve de 12 horas no dia 22 de outubro, com a possibilidade de extensão. “A ideia é que a greve seja por tempo indeterminado. Nossa dignidade está ligada a um salário justo para nossas famílias. A exclusividade significa trabalho digno“, ressalta.

O estivador Francisco Rodrigues, o Chico, afirma que o fim da exclusividade vai afetar diretamente o trabalho dos TPAs e a economia da cidade. “Esse projeto é uma ameaça à nossa dignidade e ao nosso sustento”, diz. Foto: Luíza Rampelotti/JB Litoral
O estivador Francisco Rodrigues, o Chico, afirma que o fim da exclusividade vai afetar diretamente o trabalho dos TPAs e a economia da cidade. “Esse projeto é uma ameaça à nossa dignidade e ao nosso sustento”, diz. Foto: Luíza Rampelotti/JB Litoral

Mas, para além dos TPAs, os portuários, que têm vínculo direto com as autoridades portuárias, também poderão ser atingidos. “Desde março, com a criação da CEPORTOS, esperávamos algo ruim, mas não sabíamos que seria tão grave“, afirma Rodrigo Santos Vanhoni, presidente do Sindicato dos Portuários do Paraná (Sintraport).

Para ele, os portuários, assim como os guardas portuários, têm uma preocupação central: a segurança no trabalho. “A comissão alterou a legislação que impacta até mesmo os funcionários da administração portuária. Por exemplo, a Lei 12.815/2013 estabelece que a autoridade portuária é responsável por organizar a guarda portuária, mas essa obrigação foi removida da proposta atual. Como resultado, a guarda portuária fica significativamente enfraquecida, correndo o risco de extinção. Além disso, nós, servidores das autarquias portuárias, deixaremos de ser considerados trabalhadores portuários. Essa mudança implica que a legislação que nos assegura direitos importantes, como adicional de risco e adicional noturno, deixará de ser aplicável, uma vez que não estaremos mais inseridos nessa categoria”, lamenta.  

Mas, para além dos TPAs, os portuários, que têm vínculo direto com as autoridades portuárias, também poderão ser atingidos. “A comissão alterou a legislação que impacta até mesmo os funcionários da administração portuária”, diz Rodrigo Santos Vanhoni, presidente do Sintraport. Foto: Maickon Chemure/JB Litoral
Mas, para além dos TPAs, os portuários, que têm vínculo direto com as autoridades portuárias, também poderão ser atingidos. “A comissão alterou a legislação que impacta até mesmo os funcionários da administração portuária”, diz Rodrigo Santos Vanhoni, presidente do Sintraport. Foto: Maickon Chemure/JB Litoral

Não é o fim dos TPAs, eles terão prioridade no trabalho”, diz SINDOP

Por outro lado, o Sindicato dos Operadores Portuários do Paraná (SINDOP) defende a revisão da exclusividade, bem como de toda a legislação em vigência, permitindo a contratação de outros trabalhadores em caso de ausência dos avulsos. A justificativa é a necessidade de adaptação à modernização tecnológica dos portos e a redução dos custos com demurrage (custos com navios parados). O sindicato acredita que a mudança promoverá maior eficiência e competitividade, gerando mais empregos a longo prazo.

Segundo Edson Cezar Aguiar, presidente do SINDOP, os contratos atuais de TPAs dificultam o planejamento e a execução de operações contínuas, uma vez que há frequente ausência dos avulsos, algo que prejudica tanto a logística quanto a capacidade do porto de atrair novos investimentos. “Não se trata de retirar direitos, mas de adaptar o trabalho à realidade do mercado. Os portos brasileiros têm perdido competitividade frente a países vizinhos, e isso se deve, em grande parte, à rigidez das normas que datam de décadas atrás. A revisão desse arcabouço legal vai permitir maior agilidade na administração portuária, atraindo mais investimentos e gerando mais empregos“, declara ao JB Litoral.

O SINDOP defende que a exclusividade de contratação dos TPAs deve ser substituída pela manutenção da prioridade, permitindo que, na ausência dos avulsos, os operadores possam recorrer a outras opções para evitar a ineficiência e os altos custos de navios parados. Segundo o sindicato, a modernização dos equipamentos portuários, como funis e esteiras automatizados, já reduziu a necessidade de um grande número de trabalhadores, e a exclusividade dos TPAs está desalinhada com essa nova realidade.

O presidente explica que a exclusividade não permite que os operadores portuários contratem outros trabalhadores, senão aqueles mesmos do OGMO, nem que possam operar com seus próprios funcionários em caso de ausência do TPA. “O que queremos é manter a prioridade para o TPA, pois eles são importantes e necessários, mas permitir flexibilidade em casos de ausência, evitando a paralisação dos navios e os altos custos“, comenta.

Na prática, a exclusividade significa: o TPA trabalha apenas quando quer e, em caso de ausência, não podemos nem realizar esse trabalho com nossos próprios funcionários. Tirar a exclusividade, mas manter a prioridade, significa que o TPA terá sempre prioridade, mas deve acompanhar a evolução dos equipamentos. A tecnologia avançou, e não precisamos da mesma quantidade de pessoas para realizar o trabalho”, conclui Edson Aguiar.

Temas abordados no Anteprojeto

O Anteprojeto gerado pela CEPORTOS propõe uma série de mudanças significativas no setor portuário brasileiro, que ainda podem ser ajustadas antes da versão final. Entre os principais pontos, estão:

  • Maior liberdade para terminais: os terminais em portos públicos teriam mais liberdade para realizar investimentos e definir preços aos usuários.
  • Alteração na exclusividade de mão de obra: o Anteprojeto extingue a exclusividade na contratação de mão de obra nos portos públicos, permitindo que empresas privadas e cooperativas possam fornecer trabalhadores avulsos para as operações portuárias.
  • Transferência de poderes: a proposta esvazia o papel do Ministério de Portos e Aeroportos, transferindo competências para a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e ampliando os poderes dos Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs). As autoridades portuárias ganham autonomia para realizar suas próprias licitações e gerenciar operações.
  • Regulação de preços: a atual versão do Anteprojeto retira a exigência de aplicação do princípio da modicidade e publicidade aos preços praticados nos portos públicos, permitindo que arrendatários concorram em igualdade com portos privados.
  • Investimentos: os terminais arrendados poderão realizar investimentos por conta própria, sem a obrigação de reverter bens ao patrimônio público ao final do contrato, o que altera significativamente o modelo atual de concessão.
  • Prazo de contratos: a proposta visa que todos os contratos de terminais portuários tenham a duração de até 70 anos, incluindo aqueles assinados antes de 2017.
  • Fusão de Categorias: o Anteprojeto permite a fusão de diversas categorias de trabalhadores, criando um modelo mais flexível para a mão de obra portuária.

Próximos passos

O Anteprojeto será oficialmente enviado à Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, iniciando a tramitação interna do projeto. O regime definido para esse processo determinará a ordem de apreciação das proposições na Câmara, que pode ser ordinária, prioritária ou de urgência.

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