20 anos da partida de Vicente Elias: ex-prefeito e, principalmente, pai de três


Por Luiza Rampelotti Publicado 29/04/2023 às 16h51 Atualizado 18/02/2024 às 10h24

Liderança política de Paranaguá com projeção nacional; responsável por obras que deram início à industrialização na região e ao desenvolvimento local. Este 29 de abril marca os 20 anos da morte [criminosa] do ex-prefeito José Vicente Elias que, hoje, teria 86 anos.

Para além de um grande político, admirado por muitos, tanto que deu início ao ‘vicentismo’ durante seus dois mandatos – de 1977 a 1982 e, depois, de 1989 a 1992, Vicente Elias teve, em vida, uma outra missão tão ou mais importante do que a política: sua família.

Ainda hoje lembrado como “papai” pelos três filhos adultos, o carinho na fala demonstra a qualidade da relação construída com Fabiano Elias, Alessandra Elias e Juliano Elias. Com o coração de pai, ele também cuidou de Paranaguá.

Foi com esse amor de pai que ele transformou Paranaguá. Mas, para nós, filhos, tínhamos muito mais do que o prefeito, ele era o nosso papai, melhor amigo”, contam ao JB Litoral.

Quem era Vicente?

Vicente começou a trabalhar aos 14 anos como empacotador em uma loja; também foi fiel de armazém; professor de História; diretor de escola; corretor de imóveis; advogado; diretor de órgãos públicos; prefeito de Paranaguá e assessor ministerial do Governo Federal. Em Paranaguá, constituiu família com Celeni Venete Elias, com quem teve os três filhos.

Nunca foi um político ‘comum’, daqueles inacessíveis, e, inclusive, quebrou a hegemonia do ‘sangue azul’ na política parnanguara, conforme relembram os filhos. Sofreu boicote por isso, diz Fabiano, que está trabalhando em um livro sobre o pai e conta que não encontra registros históricos sobre os nove anos em que Vicente administrou a cidade.

De maneira incomum à época, Elias era aquele tipo de pessoa que não se importava com o status e a relevância que tinha, queria estar perto de gente, ouvindo suas histórias, buscando formas de melhorar sua cidade do coração. “Ele era amigo dos amigos, gostava de dançar fandango, de cozido de bagre com pirão, galinhada com polenta e carne assada com macarrão. Visitava as pessoas com um pacote de pão a tiracolo para o cafezinho, só para saber sobre os problemas de cada bairro. Gostava de Carnaval, quermesse e dos bailes dançantes. Dono de uma voz poderosa, adorava cantar e era figura frequente no coral de São Benedito. Andava pela cidade toda de bicicleta, parava nos campos de futebol para assistir as peladas e chamava todo mundo pelo nome ou apelido; tinha uma memória impressionante”, conta Fabiano, o filho primogênito. 

Família em primeiro lugar

Mesmo com tantos afazeres políticos, Vicente nunca deixou a família de lado, pelo contrário, os filhos sempre foram sua prioridade. “A secretária do pai já sabia que, a qualquer hora que ligássemos, independentemente de com quem ele estivesse, a ordem era para que a ligação fosse passada para ele. Ele nunca deixou os filhos esperando”, relembra Alessandra, a filha do meio.

Fabiano e Juliano, o caçula, contam que, em muitos casos, viajavam com o pai para os compromissos profissionais, momentos que criaram memórias que ficaram guardadas no coração. “Já fomos, por exemplo, várias vezes para Brasília de carro (1.500 km) com ele. O pai tinha um problema: ele não andava de avião, nunca gostou. E ainda tinha outra coisa; ele adorava dirigir, então o motorista ia ao lado e ele que dirigia sempre”, dizem.

“Ele era o nosso papai, nosso melhor amigo”, dizem os filhos. Foto: Arquivo pessoal

Os filhos têm, hoje, a clareza de que Vicente Elias sempre teve a iniciativa de, em todos os momentos possíveis, estar junto com eles. “Ele abdicava da vida social para estar conosco. Na hora de sair cedo para a escola, ele estava com a gente na mesa do café; no almoço, vinha almoçar em casa, mesmo sendo prefeito; à noite, assistia o jornal na sala. Apesar de toda a estrutura da cidade que ele tinha que cuidar, não deixava de passar tempo com a família”.

Quando os filhos foram para Curitiba estudar, Vicente ia busca-los toda sexta-feira para passarem o final de semana juntos. Segunda-feira pela manhã, às 4h, era ele quem, novamente, os levava para a capital.

Ele fazia questão de levar a gente para Curitiba. Fazia o cafezinho domingo de noitinha, a gente se reunia na mesa, depois, mais tarde, colocava todo mundo no carro e levava. O pai fazia essa viagem todas as semanas, além de todos os compromissos que ele tinha como prefeito ao longo dos dias”, comenta Alessandra.

Vicente não queria que os filhos seguissem carreira política

Os filhos também contam que Vicente Elias nunca desamparou os parentes – irmãos, tios, sobrinhos. Afirmam que ele sempre foi ‘um cara de cuidar das pessoas’, preocupado, solícito, solidário.

Foi essa imagem que ele levou para a vida pública e foi desta forma que cuidou de Paranaguá. Inclusive, foi ele que criou o Armazém da Família, o Sopão Solidário, a Vaca Mecânica, onde havia a distribuição gratuita de leite de soja para a população carente. Ele fez zoológico na Praça dos Leões, pista de skate, centros comunitários por toda a cidade, espaços onde a família se sentia acolhida. Hoje não existe mais nada disso”, relembram.

Mesmo sendo político influente, nunca incentivou os filhos a seguirem a mesma carreira. Fabiano e Juliano contam que ele nunca gostou da ideia e os aconselhava dizendo que ‘a política é muito suja e que tinha muita trairagem’.

Ele achava que a família não tinha que passar por isso. Mas a vontade dele em servir a cidade e atender as pessoas foi maior do que as decepções que teve na política, só que nunca quis que a gente participasse. Depois, quando eu decidi me envolver, ele não me proibiu e até me ajudou, mas sempre me desencorajou”, conta Fabiano.

Legado é a educação

Os três filhos são unânimes em dizer que o maior presente deixado pelo pai foi a educação que todos receberam. Vicente sempre investiu em boas escolas, cursos de idioma, cultura etc. 

O investimento deu bons frutos. Fabiano é advogado e professor de direito; Alessandra é empresária de sucesso nos Estados Unidos; Juliano é engenheiro e professor universitário.

Os filhos também falam sobre o legado deixado pelo pai. “Ele era uma pessoa muito generosa, deixava de fazer o dele para atender os outros, e isso é próprio do professor. O pai foi professor e diretor escolar. Ele passava conhecimento e potencializava isso na gente. Então, hoje, estar onde estamos é reflexo daquilo que aprendemos em casa”, dizem Fabiano e Juliano.

Já a irmã, Alessandra, conta que Vicente sempre a incentivou a desbravar o mundo. “Ele achava que o mundo teria muitas fronteiras no futuro, então sempre me incentivou a estudar outras línguas, viajar. Sou essa empreendedora hoje, vim conquistar a América, sozinha, por causa dele, que sempre acreditou na minha capacidade, nos meus sonhos. Ele nunca me pediu para ser algo que eu não quisesse ser”, conta.

Como seria hoje?

Vicente Elias foi morto durante um assalto, em 2003, época em que ele ensaiava seu retorno à política após cerca de 10 anos afastado. Para os filhos, se ele tivesse vivo e se elegido na eleição municipal do ano seguinte, Paranaguá seria, hoje, ‘completamente diferente’.

A gente já teria até edifício na Ilha dos Valadares e a ponte de carro já teria sido construída há muito tempo”, brincam Fabiano e Juliano. “Teríamos uma estrada ligando o Parque São João a Shangri-lá; não teríamos perdido as praias; o terminal de passageiros no Porto de Paranaguá teria sido construído. Seria outra cidade, seria tudo diferente”, completam.

Segundo eles, tudo isso seria possível pois Vicente era um político que fazia planejamentos, buscava recursos e tinha respeitabilidade e liderança. Além disso, eles destacam que o pai conseguiu administrar a cidade, nas duas oportunidades, sem maioria na Câmara de Vereadores. “Ele respeitava a independência dos Poderes”, dizem.

Sobre o diferencial do pai como político, os filhos não hesitam. “Ele revolucionou a política na época, tornou ela algo acessível, trouxe o povo para dentro, aproximou. Com ele, o político não era mais aquela pessoa num pedestal, intocável, inatingível, pois ele se igualou à população. Esse foi o diferencial dele: ele criou um processo que não existia. Antes, a política era dos coronéis, dos chefes, dos abastados, da burguesia, e ele veio do povo”, concluem.