“Ela é só amor, ela é só autista” – mãe de autista de 9 anos fala sobre o dia a dia com a filha


Por Luiza Rampelotti Publicado 28/04/2023 às 10h57 Atualizado 18/02/2024 às 10h15

O Abril Azul é comemorado todos os anos como um mês dedicado à conscientização do autismo, transtorno do neurodesenvolvimento, considerado uma deficiência invisível. Isto porque não existem características físicas que ajudam a identificar o autista, já que se trata de um espectro, ou seja, nenhum é igual ao outro e cada um vai representar a diversidade do transtorno de forma única. Ninguém “parece autista”, apenas é.

Nos últimos anos, o número de pessoas diagnosticadas com a deficiência tem crescido, uma vez que a população tem tido cada vez mais acesso à informação e os médicos têm se especializado no assunto. Atualmente, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) está presente em uma a cada 44 crianças, de acordo com os dados mais recentes do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), ou, em português, Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

O JB Litoral conversou com Joyci Patrícia Minelli, mãe da pequena Maria Cecília Hau, de 9 anos, diagnosticada com TEA aos 5. Ela conta que, até chegar ao laudo, distorceu os comportamentos da filha.

Quando ela entrou na escola, eu pensava que a Maria poderia estar se sentindo rejeitada, e por isso tinha comportamentos estranhos. Demorei um pouco para perceber. Mas, um tempo depois, quando fomos laudados, comecei a ver que as coisas se encaixavam”, conta.

Quando descobrimos o autismo, ficamos perdidos. Não sabíamos nem o que era TEA”, conta a mãe. Foto: SEMEDI

Sintomas foram percebidos pelas professoras


Maria Cecília não gosta de barulho; em ambientes assim, ela fica nervosa e agitada. Ela também não interage com pessoas que não tem confiança. Além disso, tem atraso na fala: até os dois anos ela falava como qualquer bebê, mas depois, parou. Tudo isso é sintoma de autismo.

Foram as próprias professoras da Escola Municipal Naya Castilho que orientaram a mãe sobre os sintomas. “Foi a professora que falou: ‘mãe, vamos ver o que está acontecendo com a Maria’. Se não fosse aquele convívio na escola, o olhar da professora, eu jamais saberia”, diz.

Como a menina faz parte da rede municipal de educação, foi encaminhada para o Centro Municipal de Avaliação Especializada (CMAE), que oferece o serviço de avaliação psicoeducacional, com equipe multiprofissional, para alunos da rede. Lá, recebeu o diagnóstico.

Quando descobrimos o autismo ficamos perdidos. Não sabíamos nem o que era TEA. Não aceitei o laudo de primeira. Depois do CMAE, a levei em um neurologista e não aceitei. Eu disse: ‘vou levar ao meu pediatra’, então fomos para Curitiba e o médico estudou o comportamento dela. Ficamos 1h30 dentro do consultório e ele falou: ‘ela é só amor, ela é só autista. Não precisa se preocupar com nada, se você der amor para ela, já será o suficiente’”, relembra Joicy.

Desde 2020, Maria Cecília realiza o tratamento no Centro de Autismo e já apresenta grandes evoluções. Foto: SEMEDI


O Centro de Autismo é minha rede de apoio’, diz mãe

Desde então, em meados de 2020, Maria Cecília passou a ser atendida no Centro Educacional Municipal de Referência ao Transtorno do Espectro Autista (CEMR-TEA), que oferece terapias especializadas às crianças e, também, aos pais, no programa Prapais. As profissionais que atendem as famílias são uma terapeuta ocupacional; uma psicóloga; três psicopedagogas no ensino estruturado e; duas psicopedagogas na estimulação precoce.

Às vezes, quem mais precisa de terapia é a própria mãe, que necessita de apoio, porque, muitas vezes, o pai abandona, não admite, não aceita, e ela fica com todo o trabalho sozinha. A gente sabe que essa mãe está esgotada e, se ela não estiver bem, não vai conseguir transmitir isso para os filhos. Por isso, temos, também, o Prapais, que mexe com toda a família e dá a estrutura para que eles possam dar continuidade ao tratamento da criança”, explica a secretária municipal de Inclusão Social, Camila Leite.

Atualmente, o Centro atende a 180 crianças da rede municipal e conta com 34 na lista de espera.

O Centro de Autismo é a minha rede de apoio, é mais do que uma família. Vou levar esse lugar para sempre com amor, porque elas são muito dedicadas, carinhosas e compreensivas. Nenhum convênio ou clínica particular faz o que elas fazem. É muito emocionante saber que minha filha recebe tanto amor”, revela Joicy, que é mãe de três filhas.

O JB Litoral entrevistou a mãe Joicy, a secretária de Educação Tenile Xavier, e a secretária de Inclusão Social, Camila Leite. Foto: SEMEDI


‘Somos nós que temos que nos adaptar a eles e incluí-los’

Joicy tem 40 anos, é natural de Rio Negrinho (SC), e veio de Jaraguá do Sul (SC) para Paranaguá. Suas filhas mais novas, Maria Cecília, de 9, e Laura, de 13 anos, moram com ela e o marido, Marcos Hau, na cidade, e a mais velha, Ketlyn, de 21 anos, com o pai, em Santa Catarina.

Apesar da intensa rotina de terapias e atividades com Maria Cecília e Laura, ela ainda encontra tempo para estudar e ser voluntária no Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE), como representante dos pais de alunos. Atualmente, faz licenciatura em Ciências Socias, no Instituto Federal do Paraná (IFPR), e já concluiu cursos sobre autismo. O intuito é, cada vez mais, se adaptar à filha autista.

Somos nós, a escola, os ambientes e a sociedade que devemos nos adaptar aos autistas e incluí-los”, avalia.

Joicy e as filhas, Laura, de 13 anos, e Maria Cecília, de 9 anos, diagnosticada com TEA. Foto: SEMEDI

Ela também conta que tem tentado educar suas filhas de modo que a busca por educação seja algo que elas também desejem. “Estou tentando criar meninas conscientes e não vitimistas, pois, lá na frente, vão aprender a se virar sozinhas e, quem sabe, ajudar mais pessoas. Sempre penso: ‘o que vou deixar para elas?’, pois não vou estar aqui para sempre, então tento plantar a minha semente. A Maria Cecília, por exemplo, já falou que tem direito a cota na universidade. Ela está ciente que vai fazer faculdade e sabe dos direitos dela”, diz.

Salto de desenvolvimento

Desde que começou a ser atendida no Centro de Autismo, a pequena Maria teve um salto de desenvolvimento. Ela tinha muita dificuldade nas habilidades sociais – não conseguia socializar –, mas, hoje, até joga bola com outros colegas no Ginásio Joaquim Tramujas e participa das oficinas de pintura na Casa Dacheux, ambas atividades gratuitas e oferecidas pela Prefeitura à população parnanguara.

A Maria é a única menina que joga bola no ginásio, e ela é uma referência para as outras crianças, principalmente para as meninas, pois elas veem que o esporte é para todo mundo. Ela treina junto com outras crianças, que não são autistas, e essa é a maior dificuldade que encontramos: a socialização e adaptação, até pelo barulho que faz. Mas a Maria está super confortável e adaptada, ela adora e a gente fica super feliz. O esporte acaba sendo, também, uma terapia para ela”, diz Camila Leite.

Joicy nem acredita no tamanho do desenvolvimento que a filha teve. Ela conta que, antes, a menina não conseguia ficar, por exemplo, em uma sala de aula com os demais alunos e professora. “Ela não conseguia acompanhar a aula e não deixava a professora dar a aula também. A Maria não abraçava, não beijava. Hoje em dia ela vai para a escola normalmente, abraça e beija. É outra criança, muito comunicativa”, comemora.

Parceria Escola x Centro de Autismo


A evolução de Maria passa, também, pela escola. Segundo a secretária municipal de Educação, Tenile Xavier, os professores da rede municipal são instruídos para auxiliarem na adaptação das crianças com autismo.

Tenile afirma que no momento em que um aluno chega na escola, os professores – que participam de cursos acerca do tema – observam cada um. Eles vivem, ao menos, quatro horas por dia com as crianças; em alguns casos, até mais, já que existem muitos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e escolas que são integrais.

Quando o professor começa a observar sinais característicos do autismo, ele passa a prestar ainda mais atenção na criança. De início, entra em contato com a família, pergunta como se comporta em casa etc. Então, o processo de investigação começa na escola e, a partir daí, o estudante é encaminhado para o CMAE, que faz o laudo”, explica.

Mas, mesmo depois que a criança é diagnosticada e passa a frequentar o Centro de Autismo, o trabalho da escola não é encerrado. “Os professores trabalham em parceria com a equipe do Centro. Se o Centro de Autismo está trabalhando a socialização com a criança, a escola também vai trabalhar”, diz Tenile.

A parceria ‘Centro de Autismo e escola’ é fortalecida pela família de cada autista. “Os papeis da escola, das terapias e da família são fundamentais; não é possível alcançar o desenvolvimento e a evolução da criança sem esses três pilares caminhando juntos. O autista precisa que a família tenha conscientização do que é o transtorno e vá atrás de evolução, precisa, também, das terapias e que a escola esteja instruída para poder adaptar e ajudar essa criança”, destaca a secretária de Educação.

Família, escola e terapias são a chave para a evolução

Joicy e toda a sua família entenderam a importância dessa parceria. Ela conta que, antes de a filha ser diagnosticada, eles tinham outra visão sobre a ‘infância perfeita’.

Achamos que o filho tem que crescer, ir para a escola, fazer as atividades e assim por diante. Até que vem a bomba: o autismo. Todo mundo pensa que é uma coisa muito ruim, e não é. Quando você tem conhecimento, com a informação que ganhamos dentro do Centro, tudo fica mais leve. Essa é a tal rede de apoio”, diz.

De manhã, Maria Cecília vai para a escola. À tarde, faz as terapias no Centro de Autismo, oficinas de desenho, pintura e futebol.

A semana é corrida: na segunda, ela tem fonoaudióloga e psicólogo; na terça, aula de pintura e o Atendimento Especializado na escola, sempre no contraturno; na quarta, futebol e aula de desenho; na quinta, Atendimento Especializado novamente, e; na sexta, psicoterapia. Em todas as atividades, exceto pela escola, a mãe está junto.

É uma semana bem cheia e sempre estou para cima e para baixo com ela. E está tudo certo, porque para ver a alegria de um filho e sua evolução, não nos importamos com isso. Gosto de estar junto, pois assim ela está sendo trabalhada, desenvolvendo sua parte cultural, social e eu crio esse laço com ela, com os professores e terapeutas. As coisas se tornam muito mais fácil, tudo fica mais leve, mais unido”, conta Joicy.

Conscientização para todos e conquista para Paranaguá

A Secretaria Municipal de Inclusão, responsável pelo Centro de Autismo, também realiza a formação e capacitação de toda a sociedade para a conscientização do autismo. Atualmente, 400 pessoas, entre professores, familiares, parentes, amigos e comunidade em geral, estão matriculadas no curso ‘Autismos Presentes’, que ensina sobre como trabalhar com crianças com TEA, como adaptá-las, cuidá-las e integrá-las ao ambiente.

Também estamos realizando essa capacitação em lojas da cidade. Portanto, se a criança tiver uma crise no estabelecimento, os funcionários saberão como lidar; não irão ficar olhando e julgando aquela mãe; terão um olhar diferenciado. Basta a loja entrar em contato conosco que iremos até lá dar a orientação”, informa a secretária Camila Leite.

Além disso, nesta quarta-feira (26), a equipe da Secretaria de Inclusão e do Centro de Autismo está indo para Curitiba conhecer um local onde é oferecido equoterapia – terapia com cavalos. O prefeito Marcelo Roque (Podemos) deu o aval para a aquisição de um cavalo para a implantação desta modalidade de terapia no Centro, conforme Camila Leite.

Estamos fazendo todo um estudo, temos um profissional que está se capacitando e outro que está fazendo adaptação. Por isso, vamos até Curitiba conhecer a equoterapia e já estamos procurando um cavalo para trazer. Essa é mais uma vitória ao nosso município, que tem esse olhar diferenciado para os autistas”, conclui a secretária.