Mãe de autista relata agressão e desrespeito em fila preferencial de supermercado em Paranaguá


Por Redação Publicado 10/08/2023 às 15h32 Atualizado 18/02/2024 às 19h51

A mãe de um menino autista relatou, ao JB Litoral, um episódio angustiante ocorrido no supermercado Bavaresco, no Parque São João, em Paranaguá, onde foi agredida verbalmente por outras pessoas na fila preferencial. Fabíula Aline Civa Cavalcante, dona de casa e mãe de Davi, um menino de seis anos diagnosticado com autismo e TDAH, enfrentou um momento de constrangimento e desrespeito enquanto tentava fazer suas compras.

O caso ocorreu no último sábado (5), por volta das 19h40, quando Fabíula estava no mercado com Davi comprando pão de queijo. Com apenas três caixas em funcionamento e todos lotados, a mãe conta que optou pela fila preferencial, onde viu algumas pessoas já presentes.

Fiz como sempre faço em qualquer lugar que vou, pedi licença para quem não era preferencial e expliquei que o Davi era preferencial porque tem autismo. As pessoas me deram licença e cheguei até o caixa, onde tinha uma mulher já passando as compras e eu não reparei, perguntei se ela era preferencial e ela respondeu que sim. Então fiquei ali parada aguardando, conversando com meu filho”, conta.

Contudo, a criança acabou tocando na mulher que estava no caixa e pedido, mais uma vez, licença. Foi nesse momento que a situação tomou um rumo inesperado.

Ela se irritou e começou a falar que se estava ali é porque era preferencial, mas esbravejando. Eu falei tudo bem, expliquei que ele tinha autismo, e ela começou a me chamar de ignorante, dizendo que eu queria tirar as pessoas da fila e ficou gritando”, relembra.

Insultos, ofensas e palavrões

Um homem que havia dado passagem a Fabíula também se juntou ao tumulto, usando linguagem ofensiva e xingando a mãe e seu filho. “O rapaz que estava no fundo da fila, que me deu licença para passar, começou a gritar também, a me xingar com palavrões, dizer que meu filho era um marmanjo, que ele não era preferencial. Tudo isso berrando e me xingando”, diz.

O comportamento agressivo das pessoas na fila levou Davi a chorar e deixou a mãe paralisada. Ela sentiu medo e insegurança, com a sensação de que estava sendo atacada verbalmente por defender os direitos de seu filho.

Fabíula relata que, em nenhum momento, o segurança do mercado ou outros funcionários interviram para tentar apaziguar a situação. “Olhei para o segurança quando o rapaz começou com os palavrões, mas ele fingiu que nem estava vendo o que estava havendo. Eu olhava para os lados, com medo de sair da fila, com medo de ser agredida, me senti acuada porque estava a moça gritando na frente, o rapaz xingando atrás e comecei a chorar. Me deu um desespero, eu tremia. O Davi estava com o cordão de identificação do autismo, não tinha como as pessoas não repararem”, comenta.

Muito abalada, a mãe não conseguiu reagir no momento. Mais tarde, ela relatou a situação à polícia, registrou um Boletim de Ocorrência e buscou ter acesso às imagens das câmeras do mercado, mas não conseguiu.

Medidas legais

Fabíula também buscou apoio da União de Famílias pelo Autismo de Paranaguá (UFA). Atualmente, um advogando está cuidando da situação. “Vou tomar medidas legais contra o mercado porque eles não tiveram nenhuma atitude; é muita demanda para poucas pessoas atendendo, poucos caixas funcionando, e tem que dar preparo para os funcionários. Não tivemos nenhum suporte, ninguém tentou apaziguar, todos estavam ali apontando, mas ajudando, ninguém. Queremos as imagens para identificar as pessoas e dar andamento a um processo legal, porque assim, talvez, a gente consiga ter um posicionamento diante dessas situações”, afirma.

A Secretaria Municipal de Inclusão (SEMI) também se posicionou acerca do fato, lamentando profundamente o ocorrido e expressando solidariedade à família. A SEMI afirmou que está investigando o episódio em detalhes e tomará as providências necessárias para conscientizar estabelecimentos comerciais sobre a importância de garantir atendimento preferencial a pessoas com deficiência. A secretaria também oferece capacitação gratuita para comércios locais visando à inclusão e acessibilidade.

A União de Famílias pelo Autismo também emitiu uma nota esclarecendo os direitos das pessoas com deficiência, destacando a recente legislação que prevê atendimento prioritário para autistas e outras pessoas com necessidades especiais. “Todo ato de ofensa verbal ou física, em grupo ou de uma pessoa contra o autista em busca do seu direito a ser cumprido, cabe ato criminoso, preconceituoso. Ato de total covardia contra pessoas com deficiências”, disse em determinado trecho.

“Fato isolado”, afirmou Bavaresco

O JB Litoral procurou a assessoria de imprensa dos Supermercados Bavaresco. Em nota, a instituição afirmou que lamenta “profundamente qualquer desconforto ou preocupação que esse incidente possa ter causado”. Além disso, informou que está empenhada em esclarecer os fatos.

No dia do incidente, ocorreu um lamentável mal-entendido na fila do caixa preferencial do supermercado, no qual a cliente em questão se viu em uma situação constrangedora envolvendo outro cliente, um fato isolado entre clientes. Reconhecemos que a situação envolveu uma criança com necessidades especiais e que nossos protocolos de segurança foram aplicados de maneira sensível e adequada nessa situação específica”, disse.

A assessoria também destacou que a rede foi a primeira a implantar em todas as suas lojas a comunicação do símbolo do autismo na fila preferencial. “Sempre estamos sensibilizados e comprometidos com uma sociedade mais justa, igualitária e acessível para todos. Reconhecemos que é nosso dever oferecer um ambiente seguro e acolhedor para todos os clientes, independentemente de suas circunstâncias individuais. Reiteramos nosso compromisso com a diversidade, inclusão e atendimento ao cliente. Pedimos desculpas pela situação isolada que aconteceu entre clientes dentro de uma de nossas lojas e agradecemos a todos pela compreensão enquanto trabalhamos para melhorar nossos processos e prevenir incidentes semelhantes no futuro”, concluiu a nota.

Medo do futuro

Fabíula expressa sua tristeza diante da situação. “Não consigo entender o porquê de tanta revolta, de tanta ira que aquele rapaz nos olhava. Mesmo que o Davi não fosse deficiente, é assim que se trata uma mãe com um filho pequeno? Parece que as pessoas estão todas no limite, estouram por qualquer coisa, sem parar para pensar, para observar. Se ele tivesse simplesmente perguntado, com tanta divulgação que tem sobre o autismo, não é possível que em nenhum momento as pessoas não tenham ouvido falar sobre isso”, desabafa.

Emocionada, ela revela que um de seus maiores temores é o futuro do filho. A mãe compartilha suas preocupações sobre a possibilidade de permitir que ele desenvolva independência à medida que envelhece, considerando a hostilidade que experimentaram.

Diante de tudo isso, como eu consigo ter segurança para, um dia, deixar meu filho sair sozinho? Daqui uns anos ele vai ser adolescente, vai querer mais independência, como vou deixá-lo ir sozinho em algum lugar se, por exercer o direito dele, de usar a fila preferencial, ele pode ser espancado? Porque é isso que eu senti, que poderia ser espancada a qualquer momento”, questionou, destacando a ameaça à segurança de Davi.