O trabalho do beija-flor: de gotinha em gotinha, Seu Éric Hunzicker resgata a história de Morretes


Por Luiza Rampelotti Publicado 23/09/2022 às 18h13 Atualizado 17/02/2024 às 17h58

Aos 80 anos, Éric Joubert Hunzicker ainda trabalha em prol de sua cidade do coração: Morretes. Desde a década de 70, ele reúne em um só lugar todas as informações que encontra sobre o município, criando um acervo composto por mais de 800 livros, incluindo vários de autoria própria, além de centenas de documentos, jornais históricos e todo tipo de documentação relacionada ao passado local.

Apesar de ter nascido, por acidente do destino, em Fernandes Pinheiro (PR), Seu Éric voltou para o município litorâneo assim que completou quatro meses. Depois de adulto, foi para Curitiba trabalhar, mas foi em Morretes que toda sua família viveu e foi para lá que ele retornou após a aposentadoria.

Contabilista de profissão, sempre gostou de História e, especialmente, da história de Morretes, além de já ter sido vereador da cidade. O incentivo veio do pai, Leo Vilanova Hunzicker, que foi secretário da Prefeitura, e do bisavô, Eduardo Hunzicker, maestro da banda, presidente da Câmara de Vereadores e da Sociedade dos Operários de Morretes. “Nossa família tem muita história com o município”, conta.

No trabalho de mais de 50 anos do memorialista, ele conseguiu juntar centenas de materiais como jornais, revistas, livros e documentos. Recentemente, o Museu dos Campos Gerais (MCG), vinculado à Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), decidiu digitalizar todo o acervo.

Isso me traz uma felicidade muito grande, porque já tenho 80 anos e não sei quanto tempo mais vou viver. Tudo isso ficaria esquecido se não fosse a UEPG. Então, me dá uma satisfação muito grande saber que quem entrar lá no museu, de qualquer lugar do mundo, vai ver tudo o que eu tenho por lá”, conta ao JB Litoral.

Livros próprios sobre Morretes

Seu Éric já escreveu mais de 40 livros contando sobre a história da cidade. Foto: JB Litoral

Todos os documentos encontrados por Seu Éric se tornaram fontes para seus próprios livros sobre a história morretense. O primeiro, “Assim Nasceu o Hino Morretense”, de 2008, e o segundo “Morretes: Ensaios Biográficos de Vultos Históricos”, de 2013, foram distribuídos gratuitamente na cidade.

Depois, ele produziu a coleção “Morretes e Sua Grandiosa História”, que possui 31 livros contando a história completa do município e foi distribuída gratuitamente para a Biblioteca Pública, Câmara Municipal e escolas.

Atualmente, ele está trabalhando em mais uma coleção que já conta com 12 livros, chamada “Nossa Inigualável Morretes”. “Mas não sei quantos livros essa série vai ter. Aqui está tudo o que eu consegui captar sobre a cidade, desde a história dos escoteiros, bandeirantes, escravidão, via sacra de Morretes, que é famosa, etc. Tudo o que existe de Morretes está aí dentro, então esse trabalho vai ficar para a história. Desta vez, vou vender os exemplares a um valor que sirva apenas para pagar meus custos com a impressão, porque hoje em dia está tudo muito caro. A média de preço vai ser R$ 25”, conta.

Questionado sobre a recompensa que ganha com a produção e distribuição dos livros, ele destaca que faz voluntariamente e que nunca ganhou nada. “Não tem dinheiro que pague. Isso aqui eu faço de coração, é o que me aproxima dos meus antepassados, é a união das coisas. Tudo está ligado ao coração, e o coração não se vende, pode custar o que for, mas você não vende porque se trata de amor”, diz.

Perda da esposa


Há quase dois anos, sofreu um golpe duro, a perda de sua companheira de vida há 58 anos. Maria Luci Stocco Hunzicker faleceu após complicações em uma cirurgia no coração e deixou os dias da família mais cinzentos.

Estávamos há 58 anos juntos, mais do que uma vida, tem muita gente que não vive tudo isso. Foi muito difícil, mas Deus sabe o que faz. Eu também não queria que ela ficasse sofrendo, porque ninguém sabe o que poderia acontecer depois”, comenta Seu Éric.

Biblioteca pessoal, batizada de Luci Hunzicker, é composta por mais de 800 livros sobre Morretes e será aberta à comunidade. Foto: JB Litoral

Apesar de demonstrar força, ele ficou muito abalado com a partida e, desde então, passou a se recolher mais em casa, saindo apenas para o essencial e se desvinculando de atividades que, antes, fazia com prazer. A parceria com a UEPG foi um bálsamo importante para aliviar, ao menos um pouco, a dor da perda.

O casal teve 3 filhos; dois homens e uma mulher – Eduardo Luiz, Rodrigo Otávio e Daniele –, além de cinco netos. Hoje, o filho mais novo, Rodrigo, e o neto, Arthur, vivem com o escritor.

Para um breve futuro, ele pretende abrir sua biblioteca particular à comunidade. Como forma de homenagear a esposa, o espaço se chamará Luci Hunzicker. “Não são muitos livros, são em torno de 800, só que com um diferencial – praticamente todos são sobre Morretes, sobre morretenses ou escrito por morretenses. Então é uma biblioteca de Morretes. Só falta organizar”, conta.

Histórias de Morretes


Sobre as principais histórias encontradas no meio século de pesquisa, ele destaca que o município teve grande participação em guerras, por exemplo, a do Paraguay. “Tivemos vários morretenses que foram para a guerra do Paraguay e que tiveram participação registrada. Tivemos também na 1ª e na 2ª Guerra Mundial uma série de moradores que foram para a Itália e lá lutaram. Na Revolução Federalista também participamos e, ainda, consegui a história de um morretense, que considero uma das maiores vitórias em termos de pesquisa, que publicou em um jornal os ‘Apontamentos diários de uma fuga pela invasão do Paraná’. Consegui achar essa história e resgatá-la, onde ele conta tudo o que ele percorreu, daqui de Morretes até o Rio de Janeiro, fugindo”, comenta.

Ele também faz questão de destacar que Morretes e Porto de Cima libertaram os escravos por vontade própria, antes da Lei Áurea, em maio de 1888. Seu Éric afirma que encontrou registros de que em dezembro de 1887 a cidade já tinha libertado todos os escravos, por livre e espontânea vontade.

Nesse trabalho eu sou como o beija-flor no incêndio da floresta, que tenta apagar o fogo de gotinha em gotinha. Muitos podem questionar: do que vai adiantar essa gotinha? Mas estou fazendo a minha obrigação, a minha parte, aquilo que eu posso. Se todas as pessoas se doassem um pouquinho, as coisas poderiam ser melhores”, diz.

Para ler os registros feitos por seu Éric, é possível entrar no site Memórias Digitais do Museu dos Campos Gerais/UEPG (http://memoriasdigitais.museu.uepg.br/collections/show/87) e conhecer tudo sobre o resgate da história de Morretes.