OCUPAÇÕES NO LITORAL – Estudantes fazem história na educação mostrando atitude e maturidade política


Por Redação JB Litoral Publicado 20/10/2016 às 20h45 Atualizado 14/02/2024 às 16h42

Surpreendendo professores, comunidade e até mesmo pais, os estudantes do litoral, desde a semana passada, juntamente com milhares em todo o Estado, deram um exemplo de conscientização diante da política pública na educação, com uma atitude que já está nas páginas da história, ao ocuparem os colégios em defesa do que entenderam ser prejudicial para eles mesmos.

Tomados de sobressalto por uma ação que, de certa forma, a sociedade não esperava, formadores de opinião, profissionais liberais de todas as áreas, políticos e inclusive seus próprios colegas foram para as redes sociais criticar e descridibilizar o movimento, com argumentos vulgares e, tidos por eles mesmos, aceitáveis por serem adolescentes. Desde a caracterização de “noite do soninho”, até como uso do colégio para festas com banda e inclusive para sexo, drogas e bagunça, teve também quem postou na internet sem jamais ter ido a uma ocupação e ver o que realmente estava acontecendo.

Com informações apenas do lado de quem é contrário à ocupação, pelos motivos errados e sem conhecimento das verdadeiras razões, o JB percorreu os colégios na cidade de Paranaguá, acompanhado do professor de História, Hermes Goldestein Junior. Tanto nas ocupações, nos quais o acesso foi permitido, e nas que não foram, em razão da organização dos estudantes visando sua própria segurança, o JB constatou a seriedade, sistematização e determinação do ato público estudantil. Até mesmo o acesso é controlado por pulseiras coloridas para diferenciar os setores e membros da Comissão, assim como os visitantes.

Diferente do que muitos pensam e têm comentado nas redes sociais e imprensa, o movimento é legítimo e está respaldado por uma criteriosa organização e seriedade que, de fato, surpreende por se tratar de jovens com idades que variam entre 14 e 19 anos. Inclusive os pais que a princípio eram receosos, agora, muito deles trocaram suas casas pelos colégios em total apoio à bandeira de seus filhos e têm ajudado na manutenção diária das escolas. Em Antonina, os pais da estudante do 3º ano, Laisa Carolina, que deu início nas ocupações, no Colégio Estadual Moises Lupion e, hoje, se encontra na ocupação do Brasilio Machado, sentem-se orgulhos pela atitude da filha e da comunidade estudantil dando total apoio.

O JB constatou que não existem líderes individuais nas ocupações e que elas são administradas por comissões que dividem as tarefas e a organização nas atividades do colégio, inclusive pedagógicas, como palestras, algumas sobre a reforma do ensino médio, PEC 241, oficinas, atividades esportivas, culturais e até mesmo serviços de reparos do mobiliário, pintura e limpeza. Veja como foi a visita nas ocupações pela reportagem.
 

Colégio Helena Viana Sundin
 

A ocupação no colégio possui uma comissão formada por seis estudantes, representantes do Grêmio Estudantil, os quais dividiram as tarefas internas por setores como limpeza e segurança da cozinha, entre outras áreas. Foi proibido o acesso da imprensa no local, em razão de ele não ser permitido a ninguém, a não ser que sejam os pais, por motivo de segurança. Cada líder da comissão denomina as atividades durante o dia e, no final do período, é realizada uma reunião para avaliação dos processos das tarefas.

“Vemos os prós e os contras, se o processo está bem, se está andando ou não andando”, explica o estudante.

Na segunda-feira (17) o colégio contava com uma ocupação em torno de 33 alunos, por ser segunda-feira, porém chegou a ter 78 alunos que foram favoráveis ao movimento.

Os estudantes admitiram que, no começo, acharam que seria difícil, mas a ocupação foi muito pacífica, pois houve uma conversa com o diretor e tudo foi organizado.

Durante as 24 horas os estudantes ouvem palestras, realizam debates, fazem oficinas, têm horários recreativos e esportivos e estavam trabalhando para acrescentar um horário religioso.

“Temos que abranger uma área muito vasta, para que os que estão na ocupação possam ter o que fazer e sentirem–se confortáveis, e por meio disso, fazer uma ocupação que não seja só para chegar aqui e dormir. Quer dormir fica em casa! A gente está aqui para trabalhar em um movimento para que possamos instruir mais estudantes e eles possam adquirir mais conhecimento”, defende o estudante.
 

Pesquisa antes da ocupação
 

Desmistificando boatos de que os estudantes estariam servindo de massa de manobra política e sindical, além de não terem noção do motivo da ocupação, vale destacar que antes do movimento eles mesmos fizeram pesquisas sobre a PEC 214, reforma do ensino médio para saber se os que eram a favor do movimento sabiam por que o colégio estaria sendo ocupado e, cerca de 90%, responderam que estavam cientes do que estariam fazendo. Todos tinham consciência de que a ocupação ocorreria por três motivos:

O primeiro é em função da medida provisória da reforma de ensino, o segundo é a respeito da PEC 241 e o terceiro foi um que a comunidade estudantil adotou de forma específica, e é em relação ao descumprimento do acordo do Governador Beto Richa, o qual ele fez ano passado sobre o reajuste no salário dos professores.

No que diz respeito à posição da família sobre a iniciativa do movimento, os estudantes disseram que a maioria entende e apoia. “Eu, que moro aqui próximo do colégio, a minha família apoia o movimento porque, na época deles, falaram que tinha a ditadura militar entre outros eventos. Eles não tinham liberdade de expressão, onde podiam lutar pelos seus direitos e também tinha a lei da mordaça entre outras coisas.

Sendo assim, hoje, a gente tem o direito e a oportunidade de reivindicar e conseguir nossos direitos. Não adianta eu fazer meu trabalho, exercer minha função sendo que tenho mais direito e continuar de cabeça baixa. Se posso ter aquele direito, por que não reivindicá-lo?”, questiona o estudante que ressalta que o movimento tem prazo indeterminado e encerra de acordo com que eles conseguirem, ou seja, que a medida provisória seja revogada e se houver algumas alterações na PEC 241, aí a desocupação ocorrerá.
 

Colégio José Bonifácio
 

No maior colégio da cidade, administrado por uma comissão, formada por sete pessoas onde cada uma é responsável por um setor que é dividido em reunião, para ver o que deve ser feito diariamente.

Na ocupação o JB falou com a Presidente do Grêmio Estudantil José Bonifácio, a estudante do 4º ano do Curso de Logística, Mayara Ferreira, a qual informou que outras 12 pessoas estão ajudando a Comissão na administração do movimento.

A estudante admite que a experiência é cansativa para a Comissão, uma vez que à noite ninguém vai para casa, mas sente-se recompensada por saber que a comunidade estudantil é que será contemplada de algum modo.

“Notamos que, se a gente não fizesse o ato que parasse o colégio, cerca de dois mil alunos seriam prejudicados. E penso que a gente está fazendo parte da história da educação, pelo menos escrevendo uma parte dela”, argumenta Mayara que informou existir 30 alunos ocupando o colégio.  

Ela explica que, antes mesmo de dar início ao movimento, os estudantes realizaram uma assembleia para fazer a ocupação, e que foi discutido, várias vezes, em dias alternados, a respeito do que era a reforma do ensino médio, a PEC-241 e se eles seriam abordados durante a ocupação.

Após decisão de ocupar o colégio, foram definidas diversas atividades diárias e até uma página foi criada no facebook para os alunos que não estão na instituição poderem acompanhar. Na terça-feira (18), um dia depois da ocupação, foi feita uma transmissão ao vivo das aulas e outra dos membros do Conselho Tutelar, os quais forneceram dicas aos estudantes.

A gente passa tudo por que tem pai que não pode vir ao colégio, e pedimos aos alunos para mostrarem aos seus pais que o que estamos fazendo é uma coisa séria, que não é uma brincadeira”, explica Mayara.

A estudante disse que muitos pais estão apoiando, mas há outros que são contra o movimento. Entretanto, foi permitido tanto aos que estavam contra ou a favor para que viessem no dia da palestra com o Conselho Tutelar e com a Defensoria Pública, e muitos estiveram presentes.
 

As atividades estão sendo divididas por períodos. Por exemplo, pela manhã é feito o café e aberto o portão para as atividades pedagógicas, esportivas e até ioga. No período da noite ocorrem palestras e aulões.

“Estamos abrindo o colégio à noite para fazer aula de biologia, química, matemática, inglês e espanhol. Estamos conseguindo professores para dar estas aulas”, explica a Mayara.

Determinada com os objetivos da ocupação, Mayara e os estudantes não temem a reintegração que está sendo usada na justiça.
 

“Se for para vir a reintegrar o colégio, vamos desocupar, mas depois a gente volta para o movimento. A reintegração não vai nos parar. Se parar o colégio, não vai parar a rua e aí os alunos não entram. Estávamos conversando a respeito desta medida que quer parar uma atitude que a gente está tomando. Uma decisão que acho que é a primeira vez que uma massa inteira de alunos apoia uma causa”, defende Mayara.

 

Mãe de alunos troca casa pela ocupação
 

Antes mesmo de entrar no José Bonifácio, o JB encontrou Marcia Pinheiro, mãe de dois estudantes do colégio, um do curso de Logística e outro do 2º ano do ensino médio. Ela estava recebendo alimentos para os estudantes, depois de trocar sua casa pela ocupação. Com total apoio à causa dos estudantes, Marcia está dormindo e cozinhando para apoia-los e aproveitou a oportunidade para mandar um recado para todos que estão julgando de fora os estudantes, principalmente para o José Bonifácio, que, em sua opinião, é muito descriminado.
 

  • “Não existe droga, não existe briga, não tem cigarro e ninguém fuma no colégio. É uma convivência normal e sadia. Quem está aqui veio pelo movimento, aqui trabalhamos em conjunto e ninguém está passando tempo. Estamos cuidando do colégio, limpando, arrumando tudo como se estivessem todos os funcionários no colégio, nada aqui está largado, é tudo mundo organizado”, disse Marcia, feliz por ganhar, neste período, 30 filhos para cuidar.
     

Instituto de Educação de Paranaguá

O JB também teve acesso à ocupação do colégio e falou com a Presidente do Grêmio Estudantil do Instituto de Educação, Isabele dos Santos. Ela faz parte da Comissão que é formada por 15 pessoas. Da mesma forma que nas demais escolas, cada estudante da comissão fica responsável por uma área: limpeza, organização, alimentação e segurança, durante as 24 horas do dia.

Ela admite que a maioria conta com o apoio dos pais e cita o exemplo da mãe de uma aluna, a qual vai todos os dias na ocupação e está gastando do seu próprio bolso com a manutenção dos estudantes.

“Ela adora nos mimar e traz muita coisa para a gente comer. Estamos tendo bastante apoio e não só dela, mas de todos os pais em geral. Eles vêm aqui, trazem alimentação, colchão, e até nos levam se a gente precisar se deslocar”, disse Isabele, ressaltando que durante a ocupação, para dormir, já estiveram no colégio cerca de 40 a 45 alunos no máximo e durante o dia atingiu cerca de 65 pessoas.

O cotidiano de atividades no colégio inicia às 08h para os alunos começarem a chegar e darem início às oficinas. Na segunda-feira (17) houve uma palestra para os estudantes do 3º ano, pois ainda estavam confusos com a ocupação. Há, ainda, atividades recreativas, oficina de danças, atividades físicas e jogos para não deixar os alunos parados.

A exemplo das demais ocupações, os estudantes estão bem informados sobre os motivos do movimento e, na maior parte do tempo, explica Isabele, existe muita conversa sobre a PEC e MP, mostrando que os argumentos de uso de massa de manobra e alienação dos estudantes não tem nenhum procedimento. A estudante disse ainda que a ocupação sofre retaliação de uns cinco professores no máximo, mas que isto não está desmotivando o movimento e que, na verdade, tem um efeito contrário. “Incentiva a gente a continuar no movimento”, garante a estudante.

Colégio Estadual Roque Vernalha

O último colégio ocupado, visitado pelo JB, chama a atenção pelo fato de os estudantes, que aderiram o movimento, pertencerem ao ensino fundamental e que não estará sujeito às alterações da reforma como a integralidade, dirigido ao ensino médio. Cientes de que a motivação das ocupações, neste primeiro momento não os afetará, os estudantes João Greg e Lucas Ricardo, que conversaram com a reportagem, justificaram a adesão como apoio aos demais estudantes em razão do futuro que os aguarda.    

A gestão da ocupação é feita por um Conselho, que é formada por comissões, selecionadas por cartolinas de diferentes cores, elaboradas por três pessoas que dividem atividades como limpeza, cozinha, divulgação interna e externa e segurança.

A ocupação já contou com 35 pessoas, na segunda-feira (17), havia 20 e, destas, 15 pessoas estão pernoitando no colégio.

Alguns pais estão dormindo com os estudantes, além de almoçar e ficar o dia inteiro com eles, em um revezamento com outros pais.

Na questão da segurança, durante a madrugada, existe um revezamento entre os que dormem e os que ficam acordados fazendo rondas a cada duas horas.

Sobre a motivação das ocupações, João e Lucas, garantem que todos têm pleno conhecimento e que foram realizadas reuniões com pessoas para explicar cada questão. “Como a gente quer um ensino melhor, precisamos de pessoas para nos instruir e por isso chamamos para que viessem explicar estas questões”, disse Greg.

Os estudantes esclareceram o fato de aderirem a um movimento que ainda não os afeta.

“Porque quem será afetado no futuro seremos nós. Nossa escola não será afetada no momento, porque tem projeto para implantar o ensino médio e, ano que vem, a gente vai sair daqui. É um exemplo que vamos dar. É o mesmo que ocorre no Colégio Aberto Gomes Veiga, alguns alunos de lá que estão ocupando, na verdade, eles estão nos dando apoio porque não serão muito afetados, já que estão no segundo e terceiro ano, e só no ano que vem é que será afetado”, explica Lucas que caracteriza a adesão como forma de prevenção.

Os estudantes garantiram que a maioria dos pais está dando apoio a eles no movimento, apesar de que alguns têm o preconceito da aparência e idade, ou seja, os veem como cara e idade de crianças, mas desconhecem o potencial de maturidade de cada um.

“Muitos dizem que somos um bando de crianças de 15 anos que não sabe o que está fazendo. Na verdade, são eles que não sabem o que estamos fazendo aqui, muitas vezes, levados por questão que não pesquisam. Nós pesquisamos e procuramos a fundo. Como minha mãe está sempre trabalhando porque ela é médica, ela está sempre com a gente na questão de saúde. Ela vem e apoia, sempre está aqui com a gente. Na madrugada ela sempre vem aqui, se precisar traz remédio, às vezes traz alimento, ela está apoiando a gente por saber que é por uma boa causa”, explica o estudante.
 

No dia da reportagem com o JB estava ocorrendo um aulão de história com o Professor Régis e, no mesmo dia, ocorreu com os professores, Liliane e Alisson, atividade que ocorre todos os dias, cada vez com uma matéria diferente.

O JB esteve ainda na cidade de Antonina na quarta-feira (19) nas ocupações dos colégios Moyses Lupion e Brasilio Machado e trará esta reportagem ainda nesta semana.