Paranaguá unida contra a exploração sexual infantil: parceria entre sociedade civil e setores público e privado visa proteção da infância


Por Luiza Rampelotti Publicado 03/12/2023 às 11h26 Atualizado 19/02/2024 às 06h24
Como cidade portuária, Paranaguá enfrenta o problema da exploração sexual de crianças e adolescentes. Foto arquivo: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Na última terça-feira (28), o Palácio Taguaré, sede administrativa da Portos do Paraná, foi o cenário de um marco histórico e necessário para o município de Paranaguá. Autoridades municipais, empresários e representantes da organização Childhood Brasil se reuniram para discutir estratégias e compromissos para a defesa dos direitos da infância e promoção de melhores condições de vida para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

O encontro foi marcado pela união de esforços da Secretaria de Assistência Social, da Cattalini Terminais Marítimos e da Childhood Brasil, com o objetivo de mobilizar os empresários locais para enfrentar um problema crítico que assola a cidade portuária: o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Representando, respectivamente, a iniciativa privada, o poder público e a sociedade civil, essas organizações almejam estender os braços da proteção a um número cada vez maior de vítimas em Paranaguá.

Childhood Brasil

A Childhood Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criada em 1999, que atua na proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Ela está na linha de frente na luta contra a exploração sexual infantil.

Empresários foram convidados para discutir estratégias e compromissos para a defesa dos direitos da infância. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

A organização opera por meio de seus programas e projetos em colaboração com governos, empresas, sociedade civil organizada e cidadãos, visando criar e implementar iniciativas para transformar e erradicar a violência sexual contra crianças e adolescentes. Reconhecida por seu papel de destaque, a instituição desenvolve projetos em todas as regiões do Brasil, publica materiais e pesquisas relevantes sobre a causa, capacita cidadãos para atuarem como agentes de proteção, influencia políticas públicas e privadas e busca constantes melhorias no atendimento às vítimas de violências.

Um de seus projetos é o “Na Mão Certa”, que completou 17 anos justamente na data da reunião em Paranaguá. A ação se trata de um pacto empresarial para combater a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras. A iniciativa busca sensibilizar os caminhoneiros, transformando-os em agentes de proteção dos direitos infantojuvenis.

Pacto empresarial

Ao JB Litoral, a superintendente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil, Eva Cristina Dengler, detalhou o objetivo do encontro na cidade. De acordo com ela, o intuito é fazer com que o maior número de empresas, principalmente portuárias, se sensibilize com a causa e decida contribuir de forma coletiva.

Buscamos um pacto empresarial com compromissos básicos assumidos pelas empresas, com o foco principal em educar o caminhoneiro, participar de campanhas, informar os funcionários da empresa sobre o problema, apoiar o Fundo da Infância e da Adolescência. Queremos implementar o ‘Na Mão Certa’ e fazer uma mobilização em toda a cidade nos próximos anos, para eliminarmos de vez a questão da exploração sexual de crianças e adolescentes, muito presente em cidades portuárias”, explicou.

A superintendente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil, Eva Cristina Dengler, esteve em Paranaguá buscando apoio das empresas ao programa. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Uma das atividades práticas do programa envolve a execução de um abrangente trabalho junto à rede pública, que compreende a capacitação e preparação do poder público para o atendimento de casos, a implementação de medidas preventivas nas escolas, além de ações de base e parcerias com empresas. “Fundamentalmente, trabalhamos acreditando que podemos transformar os caminhoneiros, que são o alvo da oferta desse programa, em agentes de proteção das crianças e adolescentes”, ressaltou Eva.

De acordo com ela, diversos estudos realizados pela Childhood Brasil revelam que os caminhoneiros são colaboradores fundamentais nesse contexto. Ao dialogar com eles, proporcionar uma compreensão aprofundada do problema e oferecer um treinamento abrangente ao longo de um ano, estes profissionais da estrada se mostram receptivos ao “Na Mão Certa”. “Como resultado desse processo, observa-se um aumento significativo no relato de informações sobre locais suspeitos de exploração infantil”, afirmou.

Porto totalmente envolvido

A Portos do Paraná apoiou a iniciativa e auxiliou para a reunião de representantes de diversas empresas do setor durante o encontro. O diretor-empresarial André Pioli enfatizou a complexidade da realidade local e o comprometimento da empresa pública com a questão.

Residimos em uma cidade que funciona como uma verdadeira fronteira com o mundo, sendo atravessada diariamente por milhares de pessoas procedentes de diversos países e estados. A problemática da exploração sexual infantil é extremamente séria e que demanda uma abordagem constante. O porto de Paranaguá, por ser o ponto de contato da cidade com o mundo, possui a obrigação de se engajar ativamente em iniciativas como essa”, declarou.

O diretor empresarial da Portos do Paraná, André Pioli, garantiu que a empresa pública está completamente envolvida com o “Na Mão Certa”, proporcionando apoio integral à causa. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Pioli garantiu que, a partir de agora, a Portos do Paraná está completamente envolvida com o “Na Mão Certa”, proporcionando apoio integral à causa. “Não há nada mais desolador do que testemunhar o sofrimento de uma criança vítima de abuso ou de um adolescente privado de oportunidades devido a vulnerabilidade. Acreditamos firmemente que a única maneira de combater esses males é unindo esforços, cada um contribuindo com sua parcela, cientes de que, em um contexto tão desafiador, cada investimento é valioso“, finalizou.

Responsabilidade social

Foi a Cattalini Terminais Marítimos que liderou os esforços para trazer a Childhood Brasil a Paranaguá e aumentar a abrangência do programa na cidade. Parceira da organização há mais de três anos, quando se tornou signatária do Pacto Empresarial contra Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a empresa busca que outras companhias se unam a ela.

O controller da Cattalini, Fábio Martins Jorge, destacou a relevância de cada empresa para o combate a esses tipos de crimes. “Diariamente, apenas na Cattalini, transitam mais de 500 caminhões, o que nos leva a refletir sobre a abrangência do complexo portuário como um todo. Considerando o número expressivo de motoristas, vislumbramos a oportunidade de transformá-los em multiplicadores, desempenhando um papel fundamental na prevenção do abuso sexual e exploração infantil. Nosso propósito é fortalecer a colaboração entre as empresas, desenvolvendo um esforço conjunto”, disse.

Fábio Jorge, controller da Cattalini, afirma que, diariamente, cerca de 500 caminhoneiros são impactados com as ações desenvolvidas pela empresa que já é parceira da Childhood Brasil. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Formas práticas de apoio

Após a empresa, foi a vez da Prefeitura de Paranaguá, por meio da Secretaria de Assistência Social, se unir à causa, em 2022, abrindo espaço para envolver outras firmas na iniciativa da Childhood, especificamente no projeto ‘Na Mão Certa’. A chefe da pasta, Ana Paula Falanga, demonstrou como as empresas têm a oportunidade de contribuir para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes do município.

Construímos uma sólida rede de proteção e inclusão das pessoas em situação de vulnerabilidade social na cidade. Contudo, assegurar os direitos das crianças e adolescentes é responsabilidade coletiva, abrangendo não apenas os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também o setor privado e a sociedade civil. Desta forma, cada empresa possui o potencial de realizar renúncia fiscal, direcionando recursos para o Fundo da Infância e Adolescência (FIA)”, explicou.

Segundo Ana Paula, Paranaguá possui potencial de atingir a marca de R$ 15 milhões em renúncia fiscal por empresas e R$ 4 milhões por pessoas físicas, valores que podem ser utilizados para financiar projetos sociais. “Ao comprometerem-se a direcionar esses recursos para os fundos municipais, as empresas podem investir não apenas em crianças e adolescentes, mas também em idosos, projetos culturais e turísticos”, esclareceu.

A secretária municipal de Assistência Social, Ana Paula Falanga, informou como as empresas têm a oportunidade de contribuir para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes de Paranaguá. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Dados alarmantes

Com base nos dados apresentados pela Childhood Brasil, a incidência de violência sexual contra crianças e adolescentes é alarmante, registrando-se seis vítimas a cada hora, porém, apenas 8,5% desses casos são oficialmente denunciados. Além disso, no ano de 2022, observou-se um aumento significativo de 16,4% nos casos de exploração sexual envolvendo indivíduos de 0 a 17 anos.

O delegado Emmanuel Brandão, do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crime de Paranaguá (NUCRIA), enfatizou a importância contínua do debate sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes na cidade. “Dada a natureza portuária da região e a associação desse crime com a atividade portuária, há a necessidade de envolver ativamente a sociedade civil, instituições e empresas locais. Ao promover uma maior conscientização, especialmente entre os caminhoneiros que circulam na área, sobre as consequências da exploração sexual, contribui-se significativamente para fortalecer as ações repressivas e preventivas”, afirmou.

Devido à clandestinidade desses tipos de crime, há dificuldade em quantificar os casos, uma vez que são subnotificados por conta da falta de denúncias, explicou o delegado do NUCRIA, Emmanuel Brandão. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Ele também declarou que, devido à clandestinidade desses tipos de crime, há dificuldade em quantificar os casos, uma vez que são subnotificados por conta da falta de denúncias. “Para um levantamento, dependemos muito de a sociedade civil realizar denúncias através do Disque 100, que é um canal de denúncia anônimo”, concluiu.

O programa “Na Mão Certa”, lançado em 2006, já impactou mais de um milhão de caminhoneiros. Ao longo do tempo, angariou a participação de aproximadamente 1.600 empresas e entidades empresariais em prol dessa causa.