Perturbação de sossego: comerciantes e músicos de Matinhos enfrentam impasse entre lei federal e estadual


Por Amanda Batista Publicado 20/09/2023 às 18h03 Atualizado 19/02/2024 às 00h07

Na primeira semana de setembro, a Câmara de Matinhos deu voz a um debate acirrado sobre a legislação que trata da perturbação de sossego (Lei de Contravenções Penais nº 3.688, art. 42). Há anos, bares e casas de show que oferecem apresentações ao vivo são motivo de queixa dos moradores, que dizem não ter paz. Em contrapartida, os músicos defendem seu “ganha-pão”, enquanto o comércio alega precisar das apresentações para sustentar a economia do município.

A fim de resolver a questão, representantes de todas as categorias envolvidas no impasse participaram de uma audiência pública na terça-feira (5) e apresentaram os principais pontos de reclamação e ideias para solucionar o problema.

De acordo com os dados do Conselho de Segurança de Matinhos (CONSEG), 70% das pessoas que cometem a contravenção de perturbação do sossego não sabem que estão praticando o delito. Além disso, 40% das ocorrências denunciadas pelo 190 e pelo aplicativo da Polícia Militar são desses tipos de casos. Ou seja, as denúncias mobilizam um grande efetivo humano e material das forças de segurança municipal.

Opinião da sociedade civil


Para Alexandre Antonelli, representante da sociedade civil, advogado e militar aposentado, o município deve prezar pela tolerância zero para perturbação de sossego, com normas e regras rígidas, conforme o decreto federal. “Mas, na grande maioria das vezes, não são os munícipes, são os que vêm de fora, porque acham que é terra sem lei. A partir do momento que você impõe o regulamento e faz a fiscalização, eles vão entender que não podem. Só fazer a regra não adianta em nada”, alega.

Audiência aconteceu na Câmara de Matinhos e contou com a participação de representantes da segurança pública, do comércio, dos músicos e da Prefeitura. Foto: Câmara Municipal.

Ele ainda defende que, quando é realizado um trabalho de conscientização com o comércio, ele tende a respeitar as normas. “Já participei de uma Operação Verão e uma conversa resolveu o problema. Reunimos todos os comerciantes e explicamos: a partir do momento que não incomodar o próximo, você não é incomodado pela polícia”, destacou.

Já a professora universitária Andrea Espindola acredita que a flexibilização do limite de decibéis e a concentração de bares e casas de show em regiões específicas da cidade seria a melhor alternativa para sanar a questão. “Não dá para pedir para um metaleiro ou uma banda de forró tocar baixo, é característica da música. Como moradora, cidadã de Matinhos e pesquisadora em Planejamento Urbano, acredito que devemos definir quais serão as ações que vamos tomar para a cidade se organizar”, disse a pesquisadora.

Posicionamento do comércio e dos músicos


Para o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Matinhos (Acima), Felipe Mion, a principal medida que deve ser adotada é a aferição correta do limite de decibéis, já que a medição do volume deveria ser feita com o decibelímetro, mas, por vezes, as autoridades utilizam aplicativos de celular ou sequer medem o volume.

Outro ponto destacado é a falta de identificação de denunciantes. Segundo ele, há moradores intolerantes que denunciam bares de forma anônima mesmo quando não há shows ao vivo. “Estamos ali de inverno a verão, e tem que ser comprovado que estamos infringindo a lei. Nenhuma das medições passaram dos 80 decibéis, mesmo assim já perdemos alvará. Precisamos de uma solução para poder trabalhar tranquilos”, afirma.

Já a categoria de artistas foi representada pelos músicos Sérgio Cardoso Júnior e Fabio Stocco na audiência pública. Entre as reivindicações da categoria, estão:

  • A definição, por lei, de que música ao vivo não seja caracterizada como barulho;
  • A medição de volume por decibelímetro, e não por celular;
  • A criação de um alvará exclusivo para casas que trabalham cotidianamente com música ao vivo;
  • Acatar apenas denúncias feitas de forma coletiva, quando o som incomodar a comunidade de modo geral;
  • Chegar em um acordo entre autoridades sobre a fiscalização nos estabelecimentos comerciais durante a temporada de verão;
  • Criar um subsídio para adequação acústica dos estabelecimentos;
  • Pôr em prática a lei que determina o limite de 80 decibéis.

O Poder Público e as autoridades precisam buscar soluções, porque são eles os especialistas na legislação. Precisamos encontrar esse determinador comum para que a cultura e o comércio não parem”, concluiu Fabio Stocco.

O que diz a lei federal


Apesar do que muitos acreditam, não existe uma lei federal que determine o silêncio e que impeça som a partir das 22 horas ou delimite um volume máximo. O que existe é uma legislação específica para condomínios e uma série de contravenções penais e decretos municipais que trabalham de acordo com o Código Civil, normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Programa Silêncio, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

A nível nacional, há apenas o artigo 42 da Lei n° 3.688/1941, conhecido como Lei de Contravenções Penais, que prevê pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa a quem “perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheio: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda”. Ou seja, qualquer barulho excessivo, em qualquer horário, pode ser denunciado.

Além dela, existe a Lei nº 9.605/1998, sobre atividades que poluem o meio ambiente, incluindo a poluição sonora. Porém, ela exige a comprovação de laudos técnicos e periciais que confirmem barulhos acima dos limites recomendados por órgãos técnicos.

Leis municipais


Em Matinhos, a “Lei do Sossego” é a nº 495, de 31 de dezembro de 1994, que define que o nível máximo de som ou ruídos permitidos é “70 decibéis, a ser tolerado no período diurno em horário de 8 às 18 horas, medidos na curva “B”, e, 60 decibéis no período das 18h às 8 horas do dia seguinte, medidos na curva “A” do Medidor de Intensidade de Som, então adotado à distância de 5 metros de qualquer ponto de divisa do imóvel onde se localizam”.

Após ouvir as queixas da população, o vereador Lucas Pesco (Pode) resolveu propor a audiência. Foto: Câmara Municipal.

Além dela, existe a Lei nº 1051, de 16 de outubro de 2006, atualizada pela Lei nº 2317/2021, no artigo 37- A, que determina que “aos bares, lanchonetes e similares é facultada a execução de música ao vivo até a 1 hora em todos os dias da semana, mediante posse de alvará de licença de funcionamento do estabelecimento fornecido pela Prefeitura e obediência ao nível de 80 decibéis”.

No artigo, ainda consta que a medição dos decibéis deve ser aferida na propriedade de quem sofre o incômodo sonoro e que estabelecimentos com isolamento acústico podem funcionar até às 5h.

De acordo com o vereador Lucas Pesco (Pode), a divergência nas leis quanto ao volume máximo permitido nos estabelecimentos é a principal causa de conflito entre as autoridades. Por isso, a Câmara deve propor uma adequação na legislação de 1994 para se tornar condizente com o padrão urbano atual.