Pescador fica no meio de briga judicial de advogados e não recebe parte do pagamento de indenização ambiental da Petrobras


Por Marinna Prota Publicado 09/06/2021 às 10h00 Atualizado 16/02/2024 às 04h43

Por Marinna Protasiewytch

Com um jeito simples, Silvio Simões, de 53 anos, é casado e tem 5 filhos, segue com uma vida totalmente diferente da que imaginou em Guaraqueçaba. Até março de 2001, ele trabalhava como pescador nas águas do litoral paranaense, mas após um vazamento de óleo diesel do poliduto Olipar, que liga a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, a um terminal de Paranaguá, sua vida se transformou.

Conhecido como “Peixe Morto” o episódio fez com que a Petrobras fosse condenada a pagar uma indenização de mais de R$100 milhões aos diversos pescadores da região, que ficaram sem poder conseguir seu sustento, já que os animais marinhos foram afetados. Silvio é uma das pessoas que deveria ter recebido parte da verba indenizatória.

Resumo do acidente com o Poliduto Olapa

(FOTO: AEN) Região da Serra do Mar foi atingida por um mar de óleo o que prejudicou tanto a vida marinha, quanto o ecossistema

Em fevereiro de 2001, aproximadamente 57 mil litros de derivado de petróleo, vazaram pela Serra do Mar, atingindo a Floresta Atlântica, manguezais, várzeas de rios e, inclusive, as baías de Antonina e Paranaguá. Esse foi um dos principais acidentes ambientais ocorridos na região e, segundo pescadores, diminuiu a frequência dos peixes para um terço. Muitos ficaram sem trabalho e sem ter o que pescar.

A Justiça decidiu que a Petrobras foi responsável, já que o oleoduto era de sua responsabilidade. O Instituto de Água e Terra (IAT), junto com o Ministério Público Federal (MPF), estabeleceu que a empresa estatal deveria ressarcir tanto a população quanto empregar meios de recuperar o ambiente devastado. Até hoje, o processo tramita em juízo.

Problema além da falta de peixe

Ao JB Litoral, o pescador contou que está com problemas de saúde há alguns anos, tudo depois de ter sofrido com a perda de sua profissão. “Eu pescava na baía de fora, na região do Superagui e Ilha das Peças. Depois do problema com o óleo, eu entrei para a prefeitura, trabalhei de motorista, me acidentei e, agora, tenho sete pinos na coluna. Estou ficando cego, estou com catarata e estou nessa situação. Tenho dinheiro para receber e não tenho como pagar quem eu devo e nem a cirurgia, que custa em torno de R$3.800,00”, explicou o ex-pescador.

(FOTO: ARQUIVO PESSOAL) Com sérios problemas de saúde, Silvio aguarda o pagamento para poder pagar cirurgia no olho

Segundo o processo judicial, aberto em nome de Silvio, a Petrobras foi condenada a pagar R$57.716,43 ao pescador na época, a título de indenização por conta do acidente ambiental ocorrido em 2001. Parte desse valor, foi pago ao pescador em cumprimento de sentença provisória, em 2014.

O valor autorizado pelo juiz do caso, Ricardo Henrique Ferreira Jentzsch, em 12 de maio de 2010, foi de R$ 30.600,00 o equivalente a 60 salários mínimos da época. No entanto, os documentos do processo mostram que o alvará para o recebimento foi expedido em 2010, mas, segundo o pescador, o pagamento para ele só foi feito 4 anos depois.

Os valores, inclusive, são diferentes. No processo, não há registro da retirada do alvará, conforme deveria ocorrer. Já Silvio Simões tem um comprovante de recebimento no valor de R$ 25.690,81, o que não corresponde ao autorizado, mesmo retirando 30% de honorários advocatícios [conforme acordado com a sociedade de Advogados Bahr, Neves e Mello], superiores até o sugerido pela tabela da Ordem dos Advogados do Paraná (OABPR).

“A gente ganhou, mas os valores que o primeiro advogado estava passando para nós não era os que teriam que ser repassados, eles estavam pegando mais do que 30%. A gente achou injusto, que a gente é leigo e não entende. Na época, recebi R$17 mil e pouquinho. Na verdade, era R$ 30 mil, você faz uma conta e tira 30% disso quanto que dá?”, indagou Silvio.

A troca de advogado

Neste momento, o pescador, junto com outros da comunidade, mudaram de advogado e contrataram o escritório de advocacia de Levi Andrade, para tentar reaver os valores que não foram repassados e que, misteriosamente, não constam em comprovantes no processo.

“Na época, teve uma confusão, com os primeiros advogados da colônia [de pescadores], com indício de fraude, porque nós tínhamos que receber um valor e estávamos recebendo menos. O doutor Levi [de Andrade] veio para a região de Guaraqueçaba, por intermédio do vereador Oséias [do Itaqui], e explicou que iam conseguir reverter essa situação. Nós demos a procuração para ele, de lá para cá nós vamos ao fórum e escutamos que está em Curitiba, de lá vai para Brasília, esperando ordem. Mas vem cá, que ordem é essa que o dinheiro já está na conta?”, novamente questionou Silvio Simões.

O processo ficou suspenso entre julho de 2018 e fevereiro de 2019, por conta da Ação Civil Pública aberta pela Federação dos Pescadores do Estado do Paraná e Colônia de Pescadores Z-2 de Guaraqueçaba, que visa discutir a legitimidade da representação processual dos advogados Levi de Andrade e Jorge Luiz Mohr.

No entanto, curiosamente, ambas as entidades representativas dos pescadores são assistidas pela Sociedade de Advogados Bahr, Neves e Mello.

(FOTO: AEN) Pescadores encaram o prejuízo do acidente ambiental até hoje

Advogados no processo

Por serem pessoas consideradas simples, os pescadores foram alvos de suspeitos investigados pela Polícia Federal e pelos Ministério Público do Paraná e Federal. A sociedade de Advogados Bahr, Neves e Mello foi indiciada por formação de quadrilha em um esquema que envolvia, segundo o MP, os advogados Fabiano Neves Nacieywski, Heroldes Bahr Neto e Saulo Bonat de Mello, considerados líderes da quadrilha, que agia dentro do Fórum de Antonina.

Na denúncia encaminhada à Justiça, o Ministério Público diz que os funcionários do Fórum enterravam petições, procurações e documentos para prejudicar o andamento correto do processo.

Em resposta à reportagem do JB Litoral, a sociedade de Advogados se limitou a responder que “referido processo não se encontra mais sob os nossos cuidados, estando sob responsabilidade de outros advogados. Os dados de processos de clientes nossos são revestidos de sigilo profissional. Na forma da lei, somente fornecemos informações a respeito deles por solicitação do próprio cliente”.

Ao JB Litoral, o atual advogado de Silvio Simões, Levi de Andrade, afirmou que “inclusive entrei com várias ações contra eles, que foram presos e respondem processo criminal em Antonina. O Fabiano eu entrei com uma dezena de processos contra ele por apropriação indébita. Pelos problemas que aconteceram com esses advogados, foi quando os pescadores procuraram meu escritório e pediram para que eu cuidasse dos processos deles”.

Sobre a demora na resolução da causa e no recebimento da indenização, o advogado contextualizou que “tenho ainda em torno de 500 pescadores. A justiça é muito demorada, você imagina uma indenização por não ter podido trabalhar naquela época. É algo muito lamentável, 20 anos atrás aconteceu esse fato e tem muita gente ainda que não recebeu. Não estou preocupado comigo, sou policial federal, dono de uma empresa de engenharia, sou abençoado, mas é muito triste, é um descaso da justiça, infelizmente”.

O que diz o Ministério Público

Sobre o processo específico de Silvio, o Ministério Público afirma não ter jurisdição, já que é uma causa individual. No entanto, informou que acompanha os processos de ação civil pública relacionadas ao acidente de 2001 no litoral paranaense. Já o Ministério Público Federal preferiu não se manifestar sobre o caso e disse apenas que “não haverá manifestação do MPF sobre o assunto, somente a que já vem acontecendo por meio dos processos já judicializados e ora informados”.

No procedimento movido pelo MPF, há somente a cobrança do acordo de recuperação dos danos coletivos e ambientais, causados pelo acidente ocorrido em função do oleoduto da Petrobras, sendo à parte as indenizações.