Programa PRAIA muda a vida de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade em Pontal do Paraná


Por Amanda Batista Publicado 19/09/2023 às 14h44 Atualizado 18/02/2024 às 23h56

Toda quarta-feira, Dona Neuza Nunes Ferreira, de 64 anos, tem um compromisso marcado: cuidar da horta do Programa de Abordagem e Inclusão Assistencial (PRAIA), em Pontal do Paraná. Atualmente, ela é uma das participantes que conseguiram mudar de vida com ajuda da iniciativa da Secretaria de Assistência Social.

A senhora pequenininha, de pouco mais de um metro e quarenta, carrega no rosto as marcas de uma história de luta e, nas mãos, os calos da vida na roça. Ela nasceu na cidade de Inácio Martins, Centro-Oeste do Paraná. Ainda jovem, aos 14 anos de idade, se casou com o ex-marido, com quem viveu até chegar aos 54. Ela relembra que dedicou toda sua trajetória à criação dos cinco filhos e a um casamento sofrido, que prefere não recordar.

Quando o filho mais novo alcançou a independência, Dona Neuza decidiu largar tudo e finalmente viver o sonho de uma vida tranquila, sem um relacionamento tóxico, em um local que ela realmente sentisse ser um lar. “Ao ver meu último filho sair de casa, pensei ‘agora não tenho responsabilidade nenhuma com essa casa’. Eu nunca senti que ela fosse minha, não tinha paz, era um relacionamento conturbado. Então pedi para Deus, que se fosse da vontade dele, que ele me ajudasse a seguir em frente”, conta.

Em busca de uma vida nova


No dia 5 de abril de 2013, ela saiu de casa com “meia dúzia de roupas” e o desejo de finalmente viver em paz. Para isso, ela contou com a ajuda de uma das filhas, que mandou dinheiro para que a mãe viesse morar com ela, na praia, no Balneário Gaivotas, em Matinhos. A tentativa do convívio em família não deu certo, mas aquele foi o primeiro passo para Dona Neuza conquistar sua independência.

Sou muito grata a minha filha. Ela me apoiou muito, não posso reclamar. Quando era casada, já tinha mandado fazerem um túmulo para mim, porque achei que ia morrer de tanto sofrer, mas Deus não queria que fosse assim”, diz com os olhos marejados.

Após se mudar de Matinhos, ela morou por um tempo em Paranaguá e no Jardim Canadá, em Pontal do Paraná, fazendo “bico” para se manter, até finalmente conseguir juntar dinheiro e comprar um terreno na Chácara São Pedro, também em Pontal, há cerca de um ano. “Agora, nesse mês de setembro, pago a última parcela”, comemora.

Construção de um sonho


Ela foi construindo a casa aos poucos, com o que dava. Apesar de viver sem água e sem luz por nove meses, tinha finalmente encontrado o sossego que tanto procurava. “Minha casa é muito simplesinha, mas é lá que está o paraíso. Hoje eu tenho uma cachorra, ganhei cinco galinhas e fiz um galinheiro com ajuda da minha filha. É muito humilde, mas é bem aconchegante e me traz paz”, diz.

Foi morando na Chácara São Pedro que ela conheceu o PRAIA, por meio de uma amiga. Na época, em dezembro de 2022, Dona Neuza passava por uma situação financeira precária e precisava urgentemente de ajuda. Foi graças ao projeto que ela fez novos amigos, recebeu apoio financeiro e conseguiu dar entrada no processo de aposentadoria.

Quando entrei aqui, eles perguntaram no que me encaixava melhor, então eu disse que era no quintal, porque sei plantar, capinar, roçar, sei fazer tudo de uma horta”, conta. “Agora que estou para sair, porque vou me aposentar, quero deixar tudo arrumadinho para quem vier depois”, conta.

Das ruas para casa


Rafael Lionidas de Souza Neves, de 33 anos, também viu sua vida ser transformada com o apoio do programa. Natural de Santos, São Paulo, ele se mudou para Pontal em 2020. Desempregado e sem ter onde viver, Rafael viveu nas ruas por dois anos, fazendo reciclagem de materiais, até ser abordado pela equipe e entrar no projeto em julho de 2022.

Empenhado em mudar de vida, ele participou de diversos cursos ofertados por meio da Agência do Trabalhador. Também foi no programa que começou a fazer pequenos serviços para a Prefeitura, entre pintura, limpeza e roçada. Com a capacitação em dia e o dinheiro no bolso, ele alugou uma casa e deixou as ruas.

Rafael mora em Pontal há três anos e, com ajuda do projeto, conseguiu alcançar o sonho da carteira assinada. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral

Após completar um ano no projeto, ele alcançou o sonho da carteira assinada e hoje trabalha com limpeza na empresa HP Multiservice. “Se hoje estou num serviço registrado, é por causa do auxílio deles. Faz pouco mais de um mês que estou nesse emprego, é uma mudança recente, mas, aos pouquinhos, estou conseguindo me reerguer e recuperar minha dignidade”, reconhece.

Samuel Teixeira da Silva, de 56 anos, também saiu das ruas para retornar para seu lar e família. Morador de Pontal há 10 anos, ele era um pedreiro de mão cheia e vivia com sua esposa no Balneário Pontal do Sul. O dia a dia com a família era tranquilo, porém, ele acabou se tornando alcoólatra e perdeu tudo o que havia construído.

Ao perder a casa, a família e o trabalho para o vício, ele se viu na rua, conseguindo uns trocados com reciclagem, mas sem dinheiro suficiente para pagar aluguel e viver de forma digna. Também foi em 2020 que ele conheceu o Programa PRAIA, ao ser abordado enquanto separava materiais para reciclagem.

Com apoio psicossocial, Samuel largou o álcool e retomou os laços com a família. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.

Após 20 dias no programa, participando das capacitações e ajudando em tarefas para a Prefeitura, ele conseguiu alugar uma kitnet e largar o vício. “O projeto me deu força, conhecimento, e está me ajudando a conseguir trabalho. Seja na construção, limpeza, serviços gerais, estou me mantendo com ajuda dele e novas oportunidades estão aparecendo aos poucos”, afirma.

Retomada da dignidade


De acordo com a assistente social Eliete Verner, o projeto funciona como um “braço” do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e concentra esforços em auxiliar pessoas em situação de rua ou em vulnerabilidade a alcançarem uma mudança de vida através do fortalecimento de laços sociais, qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho.

As pessoas que participam chegam aqui a partir da abordagem na rua ou são encaminhadas pelo CREAS ou CRAS. Nosso objetivo principal é reestruturar a vida delas em todas as áreas, por isso, trabalhamos com turmas de 15 participantes para conseguirmos dar a devida atenção a cada um deles”, afirma.

A abordagem é multidisciplinar, envolvendo profissionais como assistentes sociais, psicólogos e educadores sociais. Para cada participante, a equipe cria um plano individual de atendimento, levando em consideração suas necessidades e aspirações específicas.

Eliete Verner, assistente social, fala sobre os resultados do programa ao longo de três anos. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.


Rotina do programa


Diariamente, eles realizam atividades de socialização e oferecem treinamentos e capacitações com certificado em áreas como hotelaria, pintura, jardinagem e outras habilidades que podem ajudar na reintegração dos participantes ao mercado de trabalho.

A interação constante e o apoio emocional são fundamentais para criar laços e reconstruir o senso de comunidade que muitos deles perderam ao longo dos anos”, ressalta Eliete.

A iniciativa também se propõe a ouvir as histórias e auxiliar na redescoberta da identidade e do potencial de cada indivíduo. Para isso, não é preciso ficar durante todo o ano no projeto, conta a assistente social.

Nós identificamos as metas e aspirações de cada um, seja para retornar ao mercado de trabalho, retomar laços familiares ou encontrar uma nova especialidade. Às vezes, eles chegam aqui com uma demanda e basta uma conversa que já conseguimos resolver a questão”, destaca.

Este foi o caso de um açougueiro que estava em situação de rua. Ele foi encaminhado para o programa pelo CRAS e bastou um telefonema para a equipe conseguir integrá-lo novamente ao mercado de trabalho.

É um trabalho conjunto. Quando ele apareceu aqui, fizemos o questionário do plano e imediatamente entramos em contato com a Agência, porque sabíamos que tinha uma vaga disponível”, relata Eliete. “Mas, também há casos que a pessoa quer um novo rumo, mudar de área, daí oferecemos capacitação e fazemos a ponte para que ela consiga um emprego”, acrescenta.

Balanço dos três anos de programa


Em três anos desde a criação, o Programa PRAIA atingiu cerca de 90 pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade, entre participantes que frequentaram as atividades ao longo de um ano e aqueles que tiveram atendimentos pontuais. Segundo Eliete, a maioria dos assistidos não são naturais de Pontal, mas este fator não interfere no acolhimento do projeto.

Quando lidamos com pessoas em situação de rua, muitas vezes nos perguntamos como elas chegaram a essa condição. Mas, para nós, não importa de onde ela veio ou o motivo que a levou a essa situação. Nosso trabalho é acolher essas pessoas e fazer com que elas tenham acesso ao que deveria ser garantido a todos, como saúde, lazer e a chance de uma vida digna”, conclui a assistente social.