Projeto oferece exames de DNA gratuitos para enfrentar (e diminuir) a ausência paterna no Litoral


Por Luiza Rampelotti Publicado 07/06/2023 às 13h00 Atualizado 18/02/2024 às 13h30
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O Litoral do Paraná enfrenta uma realidade alarmante: a ausência paterna nas vidas das crianças. Mesmo em uma época em que a igualdade de gênero e a participação ativa dos pais na criação dos filhos são cada vez mais valorizadas, os números revelam um cenário grave.

De acordo com dados divulgados no Portal da Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), quase 170 mil crianças foram registradas sem o nome do pai, no país, entre 30 de maio de 2022 e 30 de maio de 2023. No Paraná, durante o período, nasceram cerca de 146 mil crianças e, delas, 6.700 foram registradas apenas pela mãe, revelando uma média de 5% de pais ausentes.

No Litoral, essa estatística preocupante é ainda mais elevada, com cidades como Pontal do Paraná, por exemplo, chegando a 11% de pais ausentes durante esse período. A cidade com a menor média foi Morretes (6%), seguida por Paranaguá (7%), Guaratuba (8%), Matinhos (8%), Antonina (9%) e Guaraqueçaba (10%).

Os números revelam a preocupante realidade da falta da figura paterna na formação de muitas pessoas. Essa ausência, que pode deixar um vazio difícil de ser preenchido, tem consequências significativas, afetando o desenvolvimento emocional, a construção da identidade e as relações familiares.

(Re)Conhecendo Direitos


Nesse contexto, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) lançou o projeto (Re)Conhecendo Direitos, no final de maio, com o intuito de reduzir esses índices no estado e, especialmente, no Litoral. A partir de então, a instituição passa a oferecer gratuitamente o serviço de exame de DNA para comprovação da paternidade aos homens que querem fazer o reconhecimento voluntário de seus filhos e filhas.

O coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública, Fernando Redede, conversou com o JB Litoral sobre o projeto. Segundo ele, tão importante quanto colocar o nome do pai na certidão é o comprometimento do genitor com as responsabilidades da paternidade.

O coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública, Fernando Redede, lamentou a falta de reprovação moral por parte da sociedade aos homens que não assumem a responsabilidade paterna. Foto: DPE-PR

Não basta apenas reconhecer a paternidade, é preciso estar presente na vida da criança, participar da educação e dar todo o suporte necessário que uma família exige. O reconhecimento ultrapassa a questão de pagamento de pensão ou a inclusão de dados no documento; descobrir a origem, a família à qual se pertence, é um direito humano, uma construção da memória dela. A não inclusão da criança na família paterna cria um vazio em sua história”, diz.

Em sua visão, uma das causas para que o número de pais ausentes seja tão alto no Brasil é a ausência de uma reprovação moral por parte da sociedade com a conduta do pai que não reconhece seu filho. “Essa falta de reprovação social acaba até sendo um incentivo para que ele realmente não assuma suas responsabilidades, já que isso não lhe traz grandes consequências na vida social e familiar”, analisa.

Machismo estrutural


O defensor público Vinicius Godeiro, coordenador das sedes da DPE no Litoral, também fala sobre as possíveis causas da elevada média de ausência paterna na região. Para ele, a questão envolve o machismo estrutural presente na sociedade e, também, a pobreza na localidade.

O defensor público Vinicius Godeiro é o coordenador das sedes da Defensoria no Litoral. Ele avalia que uma das causas do alto índice na região está conectada ao machismo estrutural. Foto: Arquivo pessoal

O Litoral, em que pese ter uma riqueza muito grande tanto com relação à economia, por exemplo, com o Porto, ou mesmo as riquezas naturais, é uma região extremamente empobrecida. E a consequência desse empobrecimento da população é a própria ausência do Estado e uma falha na estrutura de formação das pessoas, que leva a não compreenderem a responsabilidade da paternidade socialmente responsável”, avalia.

Ele ainda destaca que no Litoral também existe um alto índice de violência doméstica decorrente da cultura machista, que coloca a mulher em uma situação de maior vulnerabilidade. “Diante dessa prevalência do homem nas relações domésticas, ele se sente muito à vontade para dizer que não é pai”, diz.

Exames de DNA


Para transformar essa realidade, o (Re)Conhecendo Direitos vai além do simples reconhecimento de paternidade. Mais do que exames de DNA gratuitos, ele também oferece oficinas de parentalidade, com o objetivo de conscientizar sobre a importância do envolvimento paterno e da harmonia familiar no desenvolvimento saudável das crianças.

Para participar, os interessados, apenas pessoas em situação de vulnerabilidade e que ganhem até três salários mínimos, têm duas opções: a primeira é comparecer pessoalmente a uma das sedes da Defensoria Pública, no Litoral, localizadas em Paranaguá, Morretes e Pontal do Paraná. Basta informar o desejo de realizar o reconhecimento voluntário de paternidade e dar início ao processo. A segunda opção é acessar o Portal Luna, plataforma on-line disponibilizada pela Defensoria, onde é possível preencher o cadastro e receber todo o suporte necessário.

No momento do cadastro, é preciso fornecer informações essenciais, tais como nome completo, nome social (se houver), CPF, RG, data de nascimento, endereço, telefone fixo, telefone celular e e-mail. Após o cadastro, seja ele presencial ou virtual, a Defensoria Pública entrará em contato para agendar o momento da coleta do material necessário para o teste de DNA. É importante ressaltar que todas as pessoas envolvidas devem estar presentes no mesmo horário, data e local para fazer o exame.

A realização dos exames é feita em parceria com um laboratório selecionado por meio de licitação. Os resultados são entregues à Defensoria Pública em até 20 dias. Após essa etapa, os envolvidos serão convidados a participar de oficinas de parentalidade, que podem ser presenciais ou virtuais.

Nesses encontros, os pais que fizeram o reconhecimento voluntário são orientados sobre a importância de não apenas reconhecer o filho no cartório, mas também de se envolver ativamente em sua vida. As oficinas proporcionam um espaço seguro e acolhedor para discutir os desafios e as responsabilidades da paternidade.

Marcas da ausência paterna


A parnanguara Luísa Lopes, de 27 anos, carrega em seu coração a dolorosa marca da ausência paterna. Sua história reflete a complexidade e as consequências emocionais que acompanham a falta que um pai faz na vida de uma criança.

Luísa relata a sinceridade de sua mãe ao contar sobre a ausência do pai e a liberdade que lhe foi concedida para buscá-lo; mas o medo a fez recuar. Embora a curiosidade sempre a tenha acompanhado, a jovem relembra dos momentos em que procurou nas redes sociais indícios de parentes desconhecidos, buscando semelhanças físicas e um possível elo com sua família paterna.

O misto de curiosidade e medo a fez ponderar sobre os possíveis desfechos: “Vai que são pessoas ruins que vou trazer para minha vida, ou o contrário; vai que são pessoas muito legais que só vão agregar”, pensava. E a vida foi passando e nenhum movimento nessa direção foi feito.

Luísa Lopes, de 27 anos, carrega em seu coração a dolorosa marca da ausência paterna. Ela nunca conheceu o pai. Foto: Arquivo pessoal


Contudo, ao celebrar marcos significativos em sua jornada, Luísa sempre se deparou com a triste realidade de que sua família paterna estaria perdendo momentos importantes de sua vida. “Eles perderam meus 15 anos, minha formatura, minhas conquistas e perderam de me ver crescer, e isso, de certa forma, me deixa triste e saudosa, porque eu provavelmente perdi muito com eles também”, reflete.

As barreiras enfrentadas pela jovem, tanto financeiras quanto psicológicas, estão intrinsecamente conectadas com a ausência paterna. Sua mãe assumiu sozinha a responsabilidade de prover tudo o que era necessário, desde escola, alimentação, vestuário, até cuidados médicos. Essa percepção não passou despercebida por Luísa, que, consciente da sobrecarga da mãe, assumiu responsabilidades precoces e buscou oportunidades para “aliviar o peso” em sua criação, como a busca por bolsas de estudo.

Como psicóloga, Luísa compreende profundamente o quanto isso pode impactar de várias maneiras o desenvolvimento de uma criança. Ela reconhece que as reações diante dessa falta podem variar, desde sentir-se abandonado até buscar substituir a figura paterna por outros familiares e/ou pessoas. “A ausência paterna também pode resultar em um amadurecimento precoce ou até mesmo em comportamentos rebeldes, na busca inconsciente por atenção e compensação pela falta vivenciada”, diz.

Para ela, a busca por compreensão e superação dessas marcas profundas é uma jornada pessoal e única que cada filho de pai ausente necessita atravessar.