“Só queremos utilizar nossos quiosques”, dizem quiosqueiros que podem não trabalhar na temporada 2022/2023, em Matinhos


Por Luiza Rampelotti Publicado 26/10/2022 às 11h00 Atualizado 17/02/2024 às 20h06

As faixas litorâneas, praias, ilhas, entre outros, são bens da União, e quem zela por essas áreas é a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão diretamente ligado ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Com a Lei 13.240, de 2015, foi autorizada a transferência aos municípios da gestão a manutenção desses espaços.  

Em 2019, o poder municipal de Matinhos aderiu à Gestão das Praias ao assinar o Termo de Adesão que, na prática, transfere à gestão as responsabilidades por autorizar e firmar contratos de permissão e cessão de uso das áreas, inclusive, para exploração econômica. Assim, pelo período de 20 anos, caberá ao Município autorizar, por exemplo, a instalação de quiosques, realização de eventos culturais e esportivos na orla etc.

Entretanto, a alteração no formato de administração das praias está causando muita preocupação aos quiosqueiros que atuam, há décadas, na orla durante a temporada de verão, comercializando produtos alimentícios. Isso porque muitos deles, até o momento, não sabem se conseguirão trabalhar na temporada de 2022/2023.

Vários quiosqueiros procuraram o JB Litoral para denunciar a situação que estão vivendo atualmente. Eles não serão identificados na reportagem por temerem represálias.

Quiosqueiros dizem que prazo foi perdido


De acordo com um deles, tudo começou após o atual gestor municipal das praias, Ari Antônio Alves Sobrinho, o Ari Nomax, ter perdido o prazo para solicitar a liberação à SPU para atuação dos quiosqueiros e ambulantes durante o período. Eles afirmam que o gestor pediu apenas a autorização para os ambulantes.

Ele não fez a solicitação de quiosqueiro, só ambulante, e foi aí que começou a dar problemas para nós. A SPU respondeu que, como ele havia perdido o prazo, apenas ambulantes estavam autorizados a atuar na praia. Para tentar não nos prejudicar tanto, a solução encontrada foi colocar no lugar dos quiosques algo que se caracterizasse como um carrinho ambulante, como trailer, food truck, algo assim”, conta um trabalhador.

Ari Nomax é o secretário municipal de Meio Ambiente e, em agosto de 2021, assumiu a Gestão das Praias. Em setembro, ele recebeu treinamento da SPU sobre como gerir melhor as praias.

Após a negativa da liberação para os quiosqueiros, ele realizou reuniões com os trabalhadores para determinar qual seria a melhor opção para que eles não perdessem o período de trabalho. Ficou definido, então, que os trailers seriam a alternativa.

Quiosqueiros pedem a utilização de seus quiosques próprios, pois não possuem recursos para alugar ou comprar o trailer. Foto: Reprodução/Facebook


Suposta indicação de empresa para fabricação de trailers


Aí, outro problema. Os quiosqueiros contam que Ari Nomax indicou uma empresa para a fabricação dos trailers e venda, ou aluguel, conforme a opção desejada. “Ele indicou uma empresa para a fabricação dos trailers e falou que a Gráfica Roma, aqui de Matinhos e que tem contrato com a Prefeitura de mais de R$ 1 milhão, que representava essa empresa, mas não falou nem o nome ou passou contato do proprietário. Mas ela não tem como atender a todos. São cerca de 50 quiosqueiros. Se a gente pudesse fazer o trailer com quem a gente quisesse, cada um fazia por si, como foi quando fizemos nossos quiosques”, afirmam.

Atualmente, cerca de 50 quiosqueiros trabalham anualmente na orla das praias de Matinhos, além dos contratados por eles – os quiosques começam na Praia Mansa, em Caiobá, e terminam no Pico de Matinhos. Sem nenhum critério para utilização do espaço público, aqueles que continuam na atividade já atuam há muitos anos, ou são filhos ou parentes de quem já trabalhava.

Por isso, eles já possuem seus próprios quiosques, que montam no período autorizado para atuação, e desmontam fora da temporada. O pedido deles é para que possam utilizar seus quiosques durante o verão de 2022/23.

Trailer sem roda não é ambulante


Trailer não é ambulante, não está em locomoção, esses trailers não têm nem rodas. A pior coisa nessa questão é que eles só serão utilizados nesta temporada e é um valor muito alto para aluguel, R$ 12 mil que só pode ser pago em até 7 vezes no cartão de crédito, ou R$ 39 mil para quem quiser comprar. Mas o mais interessante é que o mesmo trailer é vendido a R$ 23 mil direto nas fábricas, sem intermediador, mas aí eles não aceitam. Só que já temos nossa estrutura, nós projetamos, está perfeito, e poderíamos trabalhar com ele, já que é apenas uma questão temporária. Não temos como gastar mais se já possuímos nossa estrutura, se for a questão, colocamos rodas nos nossos quiosques”, diz outro trabalhador.

Eles contam que a situação já foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF). O JB Litoral questionou o órgão a respeito da situação. “O MPF instaurou uma notícia de fato, em 14 de outubro, a fim de apurar denúncia de restrição do exercício das atividades dos quiosques na orla de Matinhos. O procedimento está em fase inicial de apuração”, informa.

Outra denúncia realizada pelos quiosqueiros à reportagem foi a respeito de uma possível perseguição política contra eles. Eles dizem que no dia 29 de setembro, dois dias antes do primeiro turno das eleições, Ari Nomax realizou uma reunião com todos.

Foi uma reunião política, para pedir voto ao Márcio Nunes, e quem não participasse não poderia ganhar a licença para trabalhar. Mais ou menos 16 quiosqueiros participaram e o restante eram ambulantes, tinha umas 100 pessoas mais ou menos. Ele disse que nós tínhamos que votar no Márcio e quem não tivesse na reunião não teria o direito de trabalhar”, contam.

O que diz o gestor das praias


Procurado pelo JB Litoral para esclarecer a situação, Ari Nomax afirma que os quiosqueiros não receberam autorização para atuar durante o verão 22/23 devido a ofício expedido pela SPU (Ofício 188/2022), que determina que não pode haver nenhuma instalação fixa na orla. “Para que os comerciantes ambulantes não ficassem sem sua fonte de renda, foram expedidos alvarás para o comércio ambulante”, diz.

Ele também comenta que nos dias 17, 19 e 22 de agosto, foram promovidas reuniões junto aos quiosqueiros e que, nos encontros, foram elaboradas atas. Ari afirma que, em comum acordo, visto à determinação da SPU, ficou decidido que seriam usados os trailers e que todos teriam a mesma licença, uma vez que a Secretaria do Patrimônio da União não autoriza pontos fixos sem licitação.

A respeito da indicação de empresa para a fabricação e aluguel/venda dos trailers, ele diz que existem de duas a três empresas que hoje fornecem o serviço de locação e que atendem ao padrão estipulado pela Gestão das Praias. “Sendo assim, a Prefeitura não indica e não faz o direcionamento para o fornecimento desse serviço”, afirma.

Ari também informa que a Prefeitura ainda não realizou licitação para quiosques na orla das praias por conta das obras de engorda que estão sendo feitas. Ele garante que após a conclusão das obras, será aberto um processo licitatório.

Questionado sobre os critérios que determinam, atualmente, a autorização para a atividade dos quiosqueiros, ele afirma que “a Prefeitura entende que a proximidade com a gestão não é um critério a ser adotado, mas optou por manter aqueles que já contavam com essa atividade como principal fonte de renda”.

SPU ‘não sabe de nada’


O JB Litoral também procurou a Secretaria do Patrimônio da União, que tem como superintendente, no Paraná, Jean Paulo Dolinski. Segundo ele, é de responsabilidade do Município estabelecer cessões de uso observando-se os procedimentos licitatórios previstos em lei para execução de atividades com fins lucrativos, como é o caso dos quiosques. A fala contradiz Ari, que imputou à SPU a falta de liberação para a atividade.

Além disso, Dolinski afirma que a SPU não tem informação a respeito da tentativa de transformar os trailers fixos (pois sequer possuem rodas) em carrinhos ambulantes. Ele também diz que não está ciente sobre possível direcionamento de empresa para a fabricação, aluguel e venda dos trailers.

O Município já foi citado oficialmente sobre a obrigação [de promover licitação para os quiosques]. No Ofício 64797/22 e notificações que exigiriam a remoção dos antigos quiosques, o Município foi notificado que a ausência de autorização e o devido processo legal não permitiria a permanência de quiosques. Aguardamos por parte do Município o devido processo de regularização”, conclui.

Quem é Ari Nomax?


Ari é um empresário e ex-vereador de Matinhos. Ele responde a mais de 60 processos, principalmente referentes à execução fiscal – de imposto estadual ou municipal não pago. Além disso, foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em julho deste ano, pelo crime de concussão, que, de acordo com o artigo 316 do Código Penal, é o ato de um servidor público exigir vantagem indevida para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em razão da função. No entanto, houve a prescrição penal e o Estado perdeu o direito de aplicar a pena.

O gestor municipal das praias, Ari Nomax, garante que uma licitação para os quiosques será realizada após a conclusão das obras na orla de Matinhos. Foto: Reprodução/Facebook

A condenação se deu porque Ari, enquanto vereador, em 2015, valendo-se da função e agindo com consciência e vontade, exigiu, de forma direta, de seu assessor parlamentar, o pagamento de R$ 20.928,00 em espécie, para que seu cargo fosse mantido. De outro assessor, ele exigiu R$ 15.695,00 em espécie.

Além disso, para mascarar a acusação, ele exigiu de seus assessores comissionados contratados que realizassem empréstimo no Banco Caixa Econômica Federal, sendo as prestações descontadas diretamente em seus holerites, entregando o valor total do empréstimo a ele.

As denúncias foram realizadas em 2017, mas como a sentença só saiu em 2022 e o prazo prescricional para o crime de concussão é de quatro anos, ocorreu a extinção da pena de Ari Nomax. Contudo, ele foi declarado culpado e sofreu a condenação, embora não tenha cumprido a pena.

Sentença de Ari Nomax, expedida pelo Tribunal de Justiça do Paraná.