Cultivo do palmito pupunha não é favorável à preservação do juçara no litoral, diz Ademadan


Por Cleverson Teixeira Publicado 02/02/2021 às 17h23 Atualizado 15/02/2024 às 19h11

Considerado uma das espécies mais importantes da Mata Atlântica, o palmito juçara, popularmente conhecido como içara ou jiçara, perdeu o seu espaço nas prateleiras dos supermercados, principalmente no litoral do Paraná. Segundo ambientalistas, a explicação não está relacionada ao tempo de colheita e à lei do cultivo, mas, sim, à extração ilegal do fruto, a qual acarreta uma demora maior no crescimento da árvore.

Sendo assim, o fator principal para a falta do produto no comércio está ligada diretamente ao processo de extinção da palmeira, que desenvolve o alimento. O gerente de um supermercado de Antonina, Heron Marcelo, confirmou a falta de vidros de conservas do palmito juçara para venda.  “O corte e a comercialização são ilegais, não são liberados, somente para o pupunha. O juçara é um palmito nativo. Ele demora muito para se formar”, disse.

Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu, em todo o país, a fabricação, distribuição e venda de três marcas que utilizavam o juçara para a produção de conservas. O corte só é autorizado caso o Instituto Água e Terra do Paraná (IAT) aprove o projeto de manejo.

Diante disso, esse tipo de palmito foi substituído pelo pupunha, que, diferente do juçara, floresce mais rápido depois do corte. Apesar de ser considerada uma alternativa sustentável, a plantação das pupunheiras, segundo a coordenadora de projetos da Ong Ademadan de Antonina, Eliane Beê Boldrini, está longe de ser uma das opções de preservação do juçara.

“No litoral, principalmente em Antonina, foi estimulado o plantio do palmito pupunha para pararem de tirar o palmito juçara. Só que para plantar o pupunha, é preciso desmatar. Então não muda muito, porque você deixa de pegar o juçara, mas faz o desmatamento para plantar o palmito pupunha. Ele não é cultivado em meio à floresta, mas feito em monocultura. Então, isso se torna uma ilusão de que se está preservando o juçara”, disse a responsável pela criação da instituição que atua no bioma da Floresta Atlântica há 23 anos.

Ainda sobre o processo de plantação do pupunha, Beê relatou que o uso de veneno é uma realidade durante a preparação da área. E isso, conforme ela, acaba causando sérios danos ao meio ambiente. “Eles usam muito agrotóxico, principalmente no manejo para matar a vegetação. E os agricultores fazem isso sem proteção, com aqueles tubos nas costas. Isso contamina o ambiente e o ar. Além de comprometer o solo, esse veneno é conduzido para os recursos hídricos por meio das chuvas. Não foi uma boa opção, porque trocou um problema por outro”, pontuou.

Manejo do pupunha

A pupunheira deve ser plantada em regiões quentes e úmidas.

Diferente do juçara, que pode atingir de 5 a 10 metros com 15 cm de diâmetro, a palmeira do pupunha chega a cerca de 20 metros de altura, com 25 cm de largura. Para se desenvolver de maneira efetiva, a pupunheira deve ser plantada em regiões onde o clima seja quente e úmido. A colheita, segundo especialistas, deve ser feita três anos depois de plantada, mas isso vai depender do solo e da quantidade de chuvas. “O palmito pupunha precisa de área aberta e de sol. Eu tenho no meu sítio mudas de pupunha em uma trilha. Eu herdei, não fui eu que plantei. Mas ele está há cinco anos sem crescer um centímetro. Enquanto que o juçara, em cinco anos, já está uma árvore bonita. A pupunheira não é uma espécie nativa da floresta atlântica”, afirmou.

Importância do juçara

Com relação a importância do palmito juçara para a ecologia, Eliane Boldrini destaca o processo natural desenvolvido dentro da floresta. A espécie é considerada uma joia da mata atlântica. Segundo ela, as aves tem um papel fundamental no crescimento da palmeira.

“O palmito juçara é uma árvore importante para a biodiversidade e um símbolo. Ele vale ouro. Então é muito necessário ter o palmito juçara para ver a qualidade do meio ambiente. Os pássaros que se alimentam do fruto da juçara, ao soltarem a semente no ambiente, deixam-nas mais propícias para a germinação. Isso tudo porque o frutinho passar por um processo dentro do estômago”, salientou.

Ela reforça, ainda, a relevância da permanência dessa árvore na natureza, já que com a falta dela nas grandes florestas, os animais poderão sofrer sérias consequências. “Quando você tira o juçara da cadeia alimentar, vai ter uma queda de várias espécies que dependiam dele. Isso empobrece a biodiversidade, que é sinônimo de fertilidade. O solo, por exemplo, só é fértil quando tem biodiversidade”, complementou.

Conforme produtores rurais, a palmeira juçara começa a produzir os seus frutos entres os seis e 10 anos de existência. Elas surgem em áreas do Bioma da Mata Atlântica que vão de Pernambuco até o sul do país. Os ambientes preferenciais para a espécie são locais úmidos e sua germinação varia conforme a temperatura e a umidade, podendo acontecer em três meses.

Atuação da SPVS na preservação do juçara

Fundada em 1984, a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) trabalha na criação de alternativas na área de conservação da natureza.  A Instituição do terceiro setor é considerada uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Dentre seus trabalhos de preservação do Bioma Mata Atlântica, a SPVS desenvolve atividades de conscientização sobre a manutenção da biodiversidade.

O Órgão possui hectares situados no litoral norte paranaense. De acordo com o técnico de Conservação do SPVS, Ricardo Aguiar Borges, por mais que o número de exploração criminosa do palmito juçara tenha baixado, por conta das ações de fiscalização e monitoramento, ainda há registros dessa prática em áreas que não são de domínio da SPVS. “Tem um problema muito grande de extração ilegal do palmito, por mais que tenha diminuído no decorrer dos anos. Hoje em dia, em nossas reservas naturais, nos 19 mil hectares que temos em Antonina e Guaraqueçaba, monitoramos os palmitos, tanto nos plantios que a gente fez para restauração quanto nas áreas mais antigas” , contou.

Borges salientou que os trabalhos desempenhados pelos profissionais da Sociedade de Pesquisa são realizados em parceira com o Batalhão de Polícia Ambiental – Força Verde (BPAmb-FV). “Temos funcionários que estão o tempo inteiro averiguando se não tem roubo. E temos uma parceria muito forte com BpAmb, que é quem faz as operações para pegar palmiteiro, coibindo esse tipo de ação ilegal” , complementou.

Ainda conforme o técnico, a instituição já realizou diversas ações para tentar diminuir o corte ilegal do fruto. Ele reforçou a atuação incessante do órgão. “A SPVS, principalmente no fim dos anos 90, começo dos anos 2000, fez diversas campanhas sobre o palmito juçara na questão de preservação. O pessoal, de forma continua, trabalha nas reservas para essa fiscalização, para proteger e cuidar da natureza, dessas espécies tão importantes para todo o ecossistema. O palmito juçara ele é visado para o corte, mas ele tem uma importância dentro do ambiente. Ele é alimento para uma grande diversidade de espécies de pássaros e de outros animais”, concluiu.

Palmeira-real

A árvore pode chegar a 20 metros de altura.

Outro tipo de palmito bastante comercializado, assim como o pupunha, é o Palmeira-real. Considerada uma espécie australiana, a árvore pode chegar a 20 metros de altura e até 20 centímetros de diâmetro. Ela deve ser cultivada em áreas onde possuam meia-sombra. Antes de plantar palmeira, é necessário fertilizar o solo, drenar, jogar matéria orgânica e irrigar. Segundo pesquisadores, os climas quentes e úmidos são ideias para o desenvolvimento desse palmito e a colheita deve ser feita a partir de três anos de vida.

Extração da polpa do açaí como forma de preservação

O sabor do juçaí é melhor do que o tradicional, diz produtora rural.

Para trabalhar na preservação da palmeira responsável pelo juçara, ambientalistas estimulam a extração da polpa do açaí. A comercialização desse fruto pode ser mais rentável do que a venda do palmito. Conforme a pioneira da Ong Ademadan, essa prática é considerada favorável aos padrões ambientais. “A palmeira juçara como mercado de polpas se torna muito sustentável. Nós estimulávamos recuperar a floresta com espécies nativas, frutíferas e muito palmito juçara. Não para tirar lá na frente, mas para explorar o fruto, porque o açaí é mais saboroso. Ele é melhor que o açaí que vem de outra região e não tem problema com a doença de chagas. Ele tem um potencial econômico. A parte mais legal é que acaba preservando. Não precisa tirar o palmito para comercializar o açaí”, relatou.

Em parceria com o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Associação dos produtores Rurais de Antonina (Aspran) trabalha com os frutos do açaí. A instituição compra os cachos, que são retirados das árvores no outono. De acordo a produtora rural e vice-prefeita de Antonina, Rozane Maristela Benedetti Osaki, a qual é associada da entidade, essa prática tem diminuído a exploração predatória do juçara.

“Ele é sazonal. A nossa colheita é no mês de maio. Com a extração da polpa, o corte ilegal diminui bastante na nossa região. Está tendo um replantio muito grande. A gente conseguiu retardar o corte e o comércio clandestino. Eles começaram a pegar as sementes e plantar, incentivando o cultivo”, contou.

Por ano, a Aspran trabalha com, aproximadamente, 10 toneladas do fruto. Apesar de não estar muito em evidência, a produtora rural também garante que o sabor do juçaí, como também é conhecido, é melhor do que o tradicional. Além disso, conforme Rozane, não há uma determinada lei que impeça o corte dos frutos. “Não tem uma legislação específica para a extração. O açaí de juçara ainda não é muito divulgado, mas as propriedades dele são muito melhores do que as do legítimo. O nosso trabalho, aqui, é acompanhado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, os alunos e os professores fazem as análises biológicas”, finalizou

Custo de produção das espécies comercializadas

De acordo com dados Agência Embrapa de Informação Tecnológica (Ageitec), o custo de plantio do palmito pupunha por hectare gira em torno de R$ 7.500,00, mas isso depende de cada região. Para a manutenção são investidos cerca de R$ 2.500,00 ao ano. Ainda conforme a Ageitec, as maiores despesas estão ligadas à aquisição das mudas. Isso representa 59,9% do custo total. Já os gastos com mão de obra somam 21,8%, e com as compras de fertilizantes, 12,4%. No litoral do Paraná, em média, o valor de implantação chega a quase R$ 12 mil.

Já pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (ID-PR) mostram que o cultivo da Palmeira-real custa, aproximadamente, R$13 mil, incluindo as mudas, custo de operação, implantação e manutenção.

Com relação a compra do açaí extraído da palmeira juçara, a Aspran informou que gasta R$ 2 por quilo do caroço. Um pé de juçara dá três cachos, totalizando, em média, R$ 80 por árvore.

Legislação

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a exploração de palmito nativo, que é o caso do juçara, deve ser feita apenas mediante a adoção de técnicas de condução e manejo ligadas à sustentabilidade das espécies, na fase adulta. Para obterem o registro, os produtores devem se cadastrar no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e apresentar um Plano de Manejo Florestal Sustentável; Autorização de Desmatamento para Uso Alternativo do Solo e Aproveitamento de Matéria-Prima Florestal; Plano de Corte, no caso de projetos vinculados ao IBAMA; ou Informação de Corte para plantios próprios aprovados pelo órgão ambiental competente.

Sobre as penalidades, caso não sejam cumpridas as regras, o responsável pela extração ou o empresário estará sujeito à multa, apreensão; suspensão das atividades; embargo do estabelecimento; proibição de contratar com o Poder Público, pelo prazo de dois anos; perda ou suspensão de linha de crédito ou financiamento; enquadramento na lei de crimes ambientais e seu regulamento.

Para a extração do açaí e palmito pupunha, o produtor rural deve informar o corte ou possuir autorização de exploração florestal e nota fiscal. Já a Palmeira-real, por não pertencer à flora brasileira, não tem supervisão do IBAMA, podendo ser explorada sem a necessidade de projetos e licenças.