Autoridades policiais de Paranaguá avaliam impacto da decisão do STF sobre descriminalização da maconha
Em uma decisão histórica tomada no final de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal. O julgamento, que estava em andamento há nove anos, define a quantidade máxima para diferenciar usuários de traficantes e estipula que quem adquirir, guardar, transportar ou portar até 40 gramas da substância não estará cometendo infração penal.
Apesar da descriminalização, o porte de maconha para uso pessoal ainda é considerado um comportamento ilícito e proibido em locais públicos. No entanto, agora as consequências são administrativas e não mais criminais. A nova norma prevê apenas advertências sobre os efeitos das drogas e cursos educativos obrigatórios, eliminando a pena de prestação de serviços comunitários que antes era aplicada. Vale lembrar que, desde 2006, com a Lei de Drogas (11.343/2006), o usuário de maconha já não poderia ser preso.
Usuários continuam sendo encaminhados à delegacia
Para entender o impacto da decisão na rotina das autoridades policiais, o JB Litoral conversou com o delegado de Polícia Civil Wesley Moreira de Melo, que atua no combate ao tráfico de drogas em Paranaguá. Segundo ele, a decisão não deve gerar grandes mudanças no dia a dia das operações policiais, já que a decisão prevê o encaminhamento dos usuários para a delegacia, tal qual anteriormente.
“Em tese, não vai mudar muita coisa, porque a regra de transição proposta pelo STF na decisão foi de que esses usuários continuassem sendo encaminhados para a delegacia“, afirma o delegado.
Contudo, ele acredita que, em breve, a decisão poderá otimizar o uso dos recursos policiais no combate ao tráfico. “Com a regulamentação esperada, uma autoridade administrativa poderá assumir o acolhimento dos usuários, que é o que a decisão prevê, aliviando os delegados dessa responsabilidade. Se os usuários não mais forem encaminhados aos delegados, devido ao alto número de casos, isso poderá resultar em uma mudança significativa a longo prazo, reduzindo o volume de conduções e impactando positivamente tanto a Polícia Civil quanto o nosso judiciário“, explica.
O que muda com a descriminalização
Anteriormente à decisão do STF, os usuários eram encaminhados à delegacia, onde assinavam um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), que indicava uma infração penal de menor potencial ofensivo, e o caso era encaminhado ao Juizado Especial. Com esse documento, a pessoa que cometeu a infração, no caso o usuário de maconha, assumia o compromisso de comparecer ao fórum e seguir todo o rito processual.
“Com a descriminalização proposta, o Termo Circunstanciado deixará de ser aplicado, mas os casos serão encaminhados ao Juizado Especial da mesma maneira. O porte deixará de ser considerado uma infração penal para se tornar uma infração administrativa, eliminando a possibilidade de prestação de serviços comunitários. No entanto, a advertência e a participação obrigatória em curso educativo continuarão sendo aplicadas pela Justiça em procedimentos administrativos, sem implicações penais. Além disso, os usuários não terão registro de antecedentes criminais, conforme entendimento do STF de que o uso não configura reincidência“, explica o delegado.
Uso pessoal X Tráfico
Wesley Moreira de Melo informa que, na delegacia, o delegado é responsável por avaliar a quantidade de maconha e determinar se a situação configura uso pessoal ou tráfico. Segundo ele, mesmo em casos envolvendo menos de 40 gramas, pode ser considerado tráfico. “Por exemplo, se a pessoa estiver com 20 gramas, dinheiro trocado, buchas embaladas para consumo imediato, e estiver em um local conhecido pela polícia como ponto de venda de drogas, há indícios de tráfico“, esclarece.
Descriminalização pode facilitar o tráfico de drogas
Para o delegado, a decisão do STF é uma porta de entrada para que a discussão sobre a legalização da maconha no Brasil seja fomentada e, então, regulamentada. Contudo, ele acredita que é necessário um trabalho conjunto entre Judiciário e Legislativo para que uma possível mudança possa ser realmente significativa e gere um impacto positivo na sociedade.
“Não tem sentido fazer uma normativa sem outras políticas. A normativa do STF foi uma decisão inicial, tal como havia tido anteriormente, em 2006, com a Lei de Drogas, que trouxe primeiro a despenalização, agora a descriminalização. A decisão é uma porta de entrada para que a discussão seja aberta e regulamentada de uma maneira melhor”, diz.
No entanto, da forma como está, o delegado avalia que a decisão pode facilitar o tráfico de drogas. “Já temos notícias de que, quando saiu a decisão, pessoas envolvidas no tráfico de drogas passaram a arrumar maneiras de tentar maquiar o tráfico como uso. Se a pessoa em tese está com 40 gramas, o pensamento popular é que o uso está liberado, mas isso não é verdade”, conta.
Para finalizar, o delegado alerta que a população deve se informar sobre a decisão e não acreditar que o uso de maconha está liberado. “Todas as circunstâncias serão analisadas, serão avaliadas, e havendo indícios de tráfico de drogas, a pessoa será conduzida e presa como traficante. Não haverá mudança nesse sentido“, conclui o delegado.
Dia a dia nas cadeias
Para João Gonçalves, policial penal em Paranaguá, a decisão do STF, embora positiva em alguns aspectos, ainda é tímida e problemática. “O Congresso, que deveria legislar sobre o tema, é extremamente conservador e coloca os dogmas religiosos e a desinformação à frente da ciência, dos fatos e do conhecimento. A ignorância predomina“, avalia.
Ele critica a falta de abrangência da decisão. “É uma medida tímida, pois passa longe de uma regulamentação que enxergue as drogas sob a perspectiva da saúde e não do direito penal“, diz.
Para o policial penal, um dos pontos positivos da decisão é a definição mais clara de usuário e traficante, o que, segundo ele, pode ter um impacto positivo na realidade carcerária. “Pelo menos para os pobres, essa distinção ainda não era regra. Espero que, mesmo que timidamente, diminua o número de pessoas presas por posse de pequenas quantidades de maconha, como 10 ou 20 gramas. Esses casos são um peso para o contribuinte, demandam tempo, recursos, vagas na cadeia e não melhoram a percepção de segurança pública“, comenta.
Ele faz um retrato crítico do sistema prisional brasileiro. “A chamada justiça criminal tem um filtro que prende basicamente gente pobre, pessoas semianalfabetas, com nível de escolaridade baixo. No sistema prisional, a pobreza crônica, as famílias desestruturadas, o abuso de álcool e drogas, a violência doméstica, a falta de referência positiva nos pais, entre outros problemas, são realidade“, conclui.
O JB Litoral também procurou a Polícia Militar do Paraná (PMPR), que informou que a corporação não está se manifestando sobre o assunto e a orientação foi buscar o Poder Judiciário.