Psicóloga parnanguara leva protocolo inovador a Moçambique para proteger crianças surdas vítimas de violência


Por Luiza Rampelotti Publicado 22/03/2024 às 11h26

Entre 9 e 15 de março, a psicóloga parnanguara Ana Rebeca Domingues Benevides embarcou em uma missão transformadora com destino a Moçambique, na África. O objetivo foi implementar um protocolo de entrevista forense especialmente adaptado para crianças surdas que são vítimas de violência.

Psicóloga Rebeca Paranaguá (1)
O objetivo foi implementar um protocolo de entrevista forense especialmente adaptado para crianças surdas que são vítimas de violência. Foto: Arquivo pessoal

Tudo começou em 2021, quando Ana Rebeca dedicou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná à tradução do protocolo NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Este protocolo, amplamente reconhecido como padrão ouro em entrevistas com crianças vítimas de violência, destaca-se por sua capacidade de coletar relatos com detalhes precisos.

A tradução para LIBRAS teve como objetivo garantir o acesso à justiça para crianças surdas. Anteriormente, essas entrevistas eram conduzidas por meio de relatos informais ou com a assistência de intérpretes de LIBRAS“, explica Ana Rebeca ao JB Litoral.

Após a conclusão bem-sucedida do TCC, o trabalho inédito foi publicado como artigo científico em uma revista internacional em 2023. A partir desse ponto, a Organização Não Governamental (ONG) World Vision, com sede no Canadá, demonstrou interesse em financiar o projeto para sua implementação em Moçambique, um país confrontado com um alarmante número de casos de violência contra crianças, tanto surdas quanto ouvintes.

Moçambique enfrenta um desafio significativo com a violência contra crianças. A World Vision, ciente disso, decidiu financiar o projeto, e me proporcionou uma bolsa de estudos para um mestrado. Em colaboração com meu orientador, Dr. Sidnei Priolo Filho, e uma equipe local, conseguimos traduzir o protocolo NICHD para três idiomas: português moçambicano, língua de sinais moçambicana e Changana, uma língua nativa local“, acrescenta Ana Rebeca.

O trabalho em Moçambique

Com a tradução concluída, Ana Rebeca, Dr. Sidnei Priolo e o aluno Renan Hoinski viajaram para Moçambique. Lá, eles conduziram treinamentos para profissionais da área de saúde, justiça e educação, assim como para alunos da Universidade Eduardo Modlane, capacitando-os a aplicar o protocolo na prática. Além disso, um grupo do judiciário local expressou interesse em adotar o NICHD em suas interações com crianças.

Ana Rebeca destaca que, quando o trabalho teve início em 2023, não havia dados concretos sobre o impacto da violência ou o número de crianças afetadas, tampouco sobre o contingente de pessoas com deficiência no país. Como parte do mestrado, foi realizado um censo para mapear as pessoas com deficiência, abrangendo três distritos. “Este processo foi desafiador, dado o isolamento de algumas áreas, onde a comunicação foi feita por correio ou SMS devido à falta de sinal”, revela.

Experiência marcante

Para a psicóloga, a viagem foi uma experiência verdadeiramente marcante. “Poder mergulhar na riqueza cultural de um novo lugar e testemunhar a concretização de um trabalho árduo que vem sendo desenvolvido ao longo de aproximadamente um ano e meio é gratificante”, conta.

Segundo ela, inicialmente, sem dados concretos, era difícil mensurar a extensão dos casos de abuso e violência. Contudo, ao chegar lá e ouvir os relatos dos alunos e profissionais locais, a equipe foi confrontada com a proporção do problema e a importância do projeto para aquela comunidade.

Quanto ao impacto do protocolo NICHD em Paranaguá, ela destaca que profissionais da assistência social local já estão sendo treinados para aplicá-lo. “No entanto, é essencial ressaltar que, apesar dos avanços, ainda carecemos de políticas que garantam o uso sistemático do protocolo em todos os casos de violência infantil. Infelizmente, muitas vezes as crianças são submetidas a procedimentos judiciais sem que sejam adotadas técnicas adequadas para minimizar o trauma que vivenciaram. O caminho à frente exige um compromisso ainda maior com a implementação de medidas que protejam e amparem essas crianças em situações tão delicadas”, conclui Ana Rebeca Benevides.

Comentar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *