Psicóloga parnanguara leva protocolo inovador a Moçambique para proteger crianças surdas vítimas de violência
Entre 9 e 15 de março, a psicóloga parnanguara Ana Rebeca Domingues Benevides embarcou em uma missão transformadora com destino a Moçambique, na África. O objetivo foi implementar um protocolo de entrevista forense especialmente adaptado para crianças surdas que são vítimas de violência.
Tudo começou em 2021, quando Ana Rebeca dedicou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná à tradução do protocolo NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Este protocolo, amplamente reconhecido como padrão ouro em entrevistas com crianças vítimas de violência, destaca-se por sua capacidade de coletar relatos com detalhes precisos.
“A tradução para LIBRAS teve como objetivo garantir o acesso à justiça para crianças surdas. Anteriormente, essas entrevistas eram conduzidas por meio de relatos informais ou com a assistência de intérpretes de LIBRAS“, explica Ana Rebeca ao JB Litoral.
Após a conclusão bem-sucedida do TCC, o trabalho inédito foi publicado como artigo científico em uma revista internacional em 2023. A partir desse ponto, a Organização Não Governamental (ONG) World Vision, com sede no Canadá, demonstrou interesse em financiar o projeto para sua implementação em Moçambique, um país confrontado com um alarmante número de casos de violência contra crianças, tanto surdas quanto ouvintes.
“Moçambique enfrenta um desafio significativo com a violência contra crianças. A World Vision, ciente disso, decidiu financiar o projeto, e me proporcionou uma bolsa de estudos para um mestrado. Em colaboração com meu orientador, Dr. Sidnei Priolo Filho, e uma equipe local, conseguimos traduzir o protocolo NICHD para três idiomas: português moçambicano, língua de sinais moçambicana e Changana, uma língua nativa local“, acrescenta Ana Rebeca.
O trabalho em Moçambique
Com a tradução concluída, Ana Rebeca, Dr. Sidnei Priolo e o aluno Renan Hoinski viajaram para Moçambique. Lá, eles conduziram treinamentos para profissionais da área de saúde, justiça e educação, assim como para alunos da Universidade Eduardo Modlane, capacitando-os a aplicar o protocolo na prática. Além disso, um grupo do judiciário local expressou interesse em adotar o NICHD em suas interações com crianças.
Ana Rebeca destaca que, quando o trabalho teve início em 2023, não havia dados concretos sobre o impacto da violência ou o número de crianças afetadas, tampouco sobre o contingente de pessoas com deficiência no país. Como parte do mestrado, foi realizado um censo para mapear as pessoas com deficiência, abrangendo três distritos. “Este processo foi desafiador, dado o isolamento de algumas áreas, onde a comunicação foi feita por correio ou SMS devido à falta de sinal”, revela.
Experiência marcante
Para a psicóloga, a viagem foi uma experiência verdadeiramente marcante. “Poder mergulhar na riqueza cultural de um novo lugar e testemunhar a concretização de um trabalho árduo que vem sendo desenvolvido ao longo de aproximadamente um ano e meio é gratificante”, conta.
Segundo ela, inicialmente, sem dados concretos, era difícil mensurar a extensão dos casos de abuso e violência. Contudo, ao chegar lá e ouvir os relatos dos alunos e profissionais locais, a equipe foi confrontada com a proporção do problema e a importância do projeto para aquela comunidade.
Quanto ao impacto do protocolo NICHD em Paranaguá, ela destaca que profissionais da assistência social local já estão sendo treinados para aplicá-lo. “No entanto, é essencial ressaltar que, apesar dos avanços, ainda carecemos de políticas que garantam o uso sistemático do protocolo em todos os casos de violência infantil. Infelizmente, muitas vezes as crianças são submetidas a procedimentos judiciais sem que sejam adotadas técnicas adequadas para minimizar o trauma que vivenciaram. O caminho à frente exige um compromisso ainda maior com a implementação de medidas que protejam e amparem essas crianças em situações tão delicadas”, conclui Ana Rebeca Benevides.