Trazendo luz à realidade: Paranaguá anuncia estratégias no combate ao trabalho infantil após diagnóstico preocupante


Por Luiza Rampelotti Publicado 26/02/2024 às 05h50
A secretária de Assistência Social, Ana Paula Falanga, expressa sua satisfação com a construção de um Plano Municipal de Combate ao Trabalho Infantil. Foto: Prefeitura de Paranaguá
A secretária de Assistência Social, Ana Paula Falanga, expressa sua satisfação com a construção de um Plano Municipal de Combate ao Trabalho Infantil. Foto: Prefeitura de Paranaguá

Na última quinta-feira (22), Paranaguá sediou o 1º Seminário do Plano Municipal de Enfrentamento ao Trabalho Infantil. O evento reuniu autoridades, representantes da sociedade civil e especialistas com o objetivo de discutir ações e estratégias efetivas para combater o trabalho infantil no município.

O ponto de partida para essas discussões foram os resultados do “Diagnóstico da Realidade Social da Criança e do Adolescente com Enfoque na Ocorrência de Trabalho Infantil em Paranaguá”. Este diagnóstico foi recentemente realizado pela Painel Pesquisas, Consultoria e Publicidade, contratada pela Prefeitura para esse fim.

O documento visa contribuir com dados que norteiem as políticas públicas e, ainda, propor ações eficazes dos atores do Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e Adolescentes, buscando soluções concretas para promover a inclusão social e igualdade de oportunidades.

Compromisso com a causa


O Brasil começou a empreender esforços significativos contra o trabalho infantil apenas em 1996, com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A iniciativa, que visava combater essa grave violação de direitos, foi estendida para todo o país.

A secretária municipal de Assistência Social de Paranaguá, Ana Paula Falanga, expressa sua satisfação com a construção de um Plano Municipal de Combate ao Trabalho Infantil. “É um privilégio chegar a este momento, reconhecendo os desafios enfrentados até aqui. O lançamento deste planejamento intersetorial para a erradicação e combate ao trabalho infantil é motivo de grande satisfação. Paranaguá iniciou esse esforço tardiamente, mas o compromisso com nossas crianças e adolescentes era imperativo. Desde 2022, implementamos, por decreto, a Comissão que traçou as estratégias e o planejamento para este trabalho no município. Sou imensamente grata por isso“, diz.


Diagnóstico abrangente


A pesquisa que trouxe os dados que serão a base do Plano foi liderada por Ermelinda Maria Uber Januário, economista e pesquisadora, sócia proprietária da Painel. Ela elogia a coragem de Paranaguá em realizar o projeto de diagnóstico, que revelou questões críticas.

O trabalho conduzido pela Painel abrangeu todas as facetas do perfil socioeconômico e dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Ermelinda explica, ao JB Litoral, que o trabalho infantil não pode ser encarado isoladamente, mas sim como uma consequência da realidade enfrentada pelas famílias, muitas vezes obrigando os filhos a trabalharem para que eles contribuam com a renda familiar.

Aqui em Paranaguá, como cidade portuária, enfrentamos algumas situações favorecidas. Os piores indicadores foram na exploração sexual comercial, com um alto envolvimento em pornografia infantil. Além disso, a mendicância, embora não tão significativa, também está presente. O tráfico de drogas, que às vezes tem uma relação direta com a atividade portuária, é outro desafio“, alerta.

Ela ressalta que a pornografia infantil é totalmente proibida, mas apareceu no diagnóstico. Segundo Ermelinda, as crianças mencionaram na pesquisa que estão vendendo suas imagens nas redes sociais.

A pesquisa foi liderada por Ermelinda, que explica que o trabalho infantil não pode ser encarado isoladamente, mas sim como uma consequência da realidade enfrentada pelas famílias. Foto: Luiza Rampelotti/JB Litoral
A pesquisa foi liderada por Ermelinda, que explica que o trabalho infantil não pode ser encarado isoladamente, mas sim como uma consequência da realidade enfrentada pelas famílias. Foto: Luiza Rampelotti/JB Litoral

“Isso é um problema sério que está acontecendo, onde as crianças estão se envolvendo em atividades perigosas para ganhar dinheiro. Esse é um indicador chocante que muitas vezes ocorre dentro de casa sem que os pais estejam cientes. É um aspecto perigoso da exposição das crianças na internet, e é necessário um trabalho importante nessa área“, acrescenta.


Dados reveladores


Outros dados revelados pela pesquisa mostram que 32,3% da população de Paranaguá são crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. Houve um aumento no envelhecimento da população; de 33,6% em 2010 (33 pessoas de 60 anos ou mais a cada 100 crianças de 0 a 14 anos) para 63,8% em 2022.

Na pesquisa, a Região 7 (Jardim Paranaguá, Ouro Fino, Porto Seguro, Jardim Jacarandá, Vila Garcia, Jardim Paraná, Jardim Esperança e Vale do Sol) se destacou por ter mais crianças e adolescentes, enquanto a Região 11 (ilhas de Paranaguá) possui menor renda per capita e mais domicílios em situação de pobreza.

Além disso, a pesquisa revelou que mais de metade dos agravos de notificações em crianças e adolescentes, em 2022, envolviam violência. A Região 7 liderou, com 62 casos, destacando-se a violência sexual (39,1%), violência física (30,8%), negligência/abandono (29,0%) e violência psicológica (21,7%).

A Região 7 também se destacou com taxas piores que a média municipal em 41 dos 47 indicadores pesquisados, isto é, 87,2%, liderando o ranking geral de vulnerabilidade, além de possuir também as piores taxas do município em 20 indicadores, apontando maior demanda por políticas públicas, principalmente voltadas às crianças e adolescentes.

A elaboração desta pesquisa social permitiu uma ressignificação no âmbito dos direitos da criança e do adolescente para a gestão municipal e para os colaboradores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, uma vez que identificou com precisão os territórios com maior incidência de vulnerabilidade social, violações de direitos e situações de trabalho infantil”, explica Ermelinda.

Durante o evento, secretários municipais assinaram Termo de Compromisso assegurando atuação para a prevenção e eliminação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador. Foto: Prefeitura de Paranaguá
Durante o evento, secretários municipais assinaram Termo de Compromisso assegurando atuação para a prevenção e eliminação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador. Foto: Prefeitura de Paranaguá

Engajamento do Poder Judiciário


Patrícia Robes Loureiro, psicóloga judiciária, representou a Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no evento. Ao JB Litoral, ela ressaltou a importância das políticas públicas para criar uma situação mais favorável no município.

Acredito que é crucial entender que somente por meio de políticas públicas conseguiremos criar uma situação mais favorável no município. O estudo apresentado oferece dados concretos para desenvolver políticas públicas que atendam à população infantojuvenil, atualmente desassistida no município“, afirma.

Ela revela que, em Paranaguá, o Tribunal de Justiça tem desafios significativos. De acordo com Patrícia, a questão dos atos infracionais é grave, com adolescentes envolvidos em infrações devido à carência de políticas, como acesso à educação e trabalho protegido. “Essa lacuna afeta diretamente a infância”, destaca.

Além disso, a Justiça também enfrenta problemas sérios nas medidas de proteção, uma vez que, após a pandemia, foi observado um aumento no número de crianças que precisam de acolhimento e outras medidas mais severas. “Quando as famílias funcionam melhor, com acesso à educação, saúde e demais necessidades, há uma redução nas medidas de proteção. Menos crianças e adolescentes sofrem, e espero que esses dados contribuam para essa melhora“, conclui Patrícia.

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