Caso Evandro: grupo de trabalho conclui que família da criança desaparecida merece pedido de desculpas
Encerrou na quarta-feira (22), o grupo de trabalho criado pelo secretário estadual da Justiça, Família e Trabalho, Ney Leprevost (PSD), que buscava criar novas medidas no combate ao desaparecimento de crianças e na postura das forças policiais na ação que envolva acusados de crimes que causem grande repercussão social.
Toda a retomada da discussão do crime, que chocou Guaratuba e o Paraná em 1992, voltou aos holofotes devido à série documental do GloboPlay que relata integralmente a narrativa da época e também traz fatos novos, como áudios de tortura que nunca foram anexados aos processos.
O documento final do grupo de trabalho, formado por especialistas, representantes de instituições públicas e membros da sociedade civil, foi entregue ao próprio secretário, que afirmou que as famílias de Evandro Ramos Caetano, que tinha 6 anos, e Leandro Bossi, com 7 anos, receberão cartas do governo do estado, com pedidos de perdão pela inconclusão dos crimes e por tudo que tais familiares tiveram que passar ao longo desse período todo.
“Entendo que o estado do Paraná tem que pedir desculpas por não ter conseguido um resultado final para saber quem cometeu esse crime. Preocupa muito o fato desse criminoso poder ainda estar solto no Brasil ou no exterior. O grupo de trabalho ouviu os acusados desse crime, os delegados e uma série de pessoas que estavam envolvidas na época. São apontamentos importantes, que podem ajudar na segurança das nossas crianças e que não devem voltar a acontecer no nosso estado”, comentou Ney.
O documento com 600 páginas também ressaltou alguns erros graves na investigação do Caso Evandro e propôs, entre outras medidas, a instauração de um comitê de prevenção à tortura, além de uma rede estadual de aviso de desaparecimento de pessoas. O Paraná também deve disponibilizar, na íntegra, todas as gravações dos áudios de suposta tortura aos acusados pela morte dos meninos e também aos familiares das vítimas, para que, se acharem necessário, entrem com pedido de indenização contra o estado.
Beatriz e Celina Abagge criticam falta de firmeza
Após o relatório e as palavras do secretário virem a público, Beatriz Abagge se pronunciou criticando o corporativismo do relatório. “Em nome da família Abagge, manifesto a decepção relativa ao relatório do Caso Evandro. Efetivamente, mais uma vez, o estado não teve coragem de dizer: ‘Sim, houve tortura’”, reclama.
Em outra parte, a mulher que, ao lado de sua mãe, ficou conhecida pejorativamente e de forma machista como “Bruxas de Guaratuba”, diz que são quase 3 décadas em que os agentes públicos não tiveram a coragem de pedir perdão pelos crimes cometidos pelas próprias autoridades. “Mais uma vez vemos a força do estado se sobrepondo à verdade, em detrimento de política e vaidade”, analisa.
Celina Abagge disse que não teve oportunidade de ler o relatório, mas que já consegue imaginar o resultado. Beatriz então explicou à mãe que tem coisas boas, mas que em relação aos réus, nada foi feito. “O relatório é muito bom do ponto de vista de iniciativas futuras e de reconhecimento de que nada foi investigado do caso Evandro e Leandro, visto o pedido de desculpas dessa secretaria para as famílias. Agora, quanto a nós torturados, nem uma linha dizendo: ‘olha o estado também errou’. Lá tem ótimas recomendações, mas a política e o corporativismo são gritantes”, explica.
Airtor Bardelli, um dos acusados da morte, também se diz insatisfeito com o resultado. “Mais uma vez a justiça do Paraná mostrou-se incompetente e covarde. Eles têm sim que pedir desculpas para os pais do Leandro e do Evandro, tem sim que pedir desculpas pra Guaratuba, e teria sim que admitir que houve tortura e pedir desculpas aos sete acusados, inclusive citando o nome de todos. Mas, infelizmente, acredito ter perdido o meu tempo acompanhando todos os relatos espontâneos. Peço desculpas pela minha indignação, mas é só o que consigo sentir agora”, narrou.
Lucas Steffen Bossi, irmão de Leandro Bossi, também comentou o relatório em tom crítico. “Irei ler com tempo, e a família Bossi se manifestará. Mas, sabemos que não existe justiça no estado, apenas movimentação de recursos”, diz, de forma sintética.
Internet também critica
A postura do relatório de não citar as graves acusações de tortura também foi pauta de discussão nas redes sociais. Usuários, que quando a série foi lançada, colocaram a hashtag #7InocentesdeGuaratuba entre as mais comentadas do mundo, voltaram às redes e opinaram sobre o parecer.
“Infelizmente, mais uma ‘ação pra inglês ver’ de caráter espúrio e eleitoreiro”, disse uma internauta, identificada como Iara Gabriella. Já Vana Costa criticou a própria comissão formada para investigar as irregularidades. “Ridículo isso. Vergonha na cara passou longe de quem fez o relatório”, esbravejou.
Willian Carneiro Bianeck acredita que isso se deve ao passado autoritário e que ainda assombra o país. “Para o nosso sistema criminal, provar tortura, nem mesmo com vídeos e áudios, a gente consegue. Herança maldita de uma cultura autoritária que persiste ainda discursivamente e nas instituições”, publicou.
As críticas também vão à falta de firmeza do governo do Paraná em reconhecer crimes de quase 30 anos atrás. “O estado, que deveria zelar pelos direitos humanos, é o que mais viola esses direitos, o que houve aí no Caso Evandro foi uma grave violação da integridade física, moral e psicológica. Infelizmente temos que conviver com essa lamentável postura do Paraná”, lamenta Samuel Coutinho.
A secretária da Justiça, Família e Trabalho não detalhou quando as cartas de desculpas serão enviadas aos familiares de Evandro Ramos Caetano e Leandro Bossi.