Mães de crianças com autismo protestam por falta de terapias, em Matinhos


Por Flávia Barros Publicado 19/11/2022 às 12h10 Atualizado 17/02/2024 às 21h58

A assistente de vendas Leila Gouvea, 41 anos, tem quatro filhos – três deles com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Marcelo, de 21 anos, fruto do primeiro casamento, foi diagnosticado aos 20. Lucas, 9 anos, teve o transtorno identificado pelos médicos quando estava com 5; Arthur, 11 anos, também com TEA, descoberto há três meses. Com um salário de R$ 1.700, a moradora do bairro Sertãozinho, em Matinhos, conversou com o JB Litoral e relatou as dificuldades pelas quais vem passando devido à falta de terapias recomendadas para que os filhos tenham o desenvolvimento necessário.

No meu caso, estou desde 2020 sem terapias, mesmo com um pedido médico onde o profissional pede urgência e até o momento nada! Meu filho tem 9 anos, o outro foi diagnosticado há três meses. Enquanto isso, minha filha de 12 anos está com depressão porque não aguenta mais ver as crises dos irmãos”, disse.

ESFORÇO SEM AMPARO

Segundo ela: “Assim como eu, tem várias mães precisando de cuidados e não conseguem. Tem mães ali no grupo que estão sofrendo. Nenhum dos meus filhos está fazendo as terapias; o mais velho mora com o pai dele, aqui em Matinhos, e também está sem. O Lucas faz consultas em Curitiba, no Craid; Arthur e Marcelo também estão sem. Lucas tem uma PAE (professora de apoio), ela é maravilhosa. Já o Arthur ainda precisa de uma avaliação com a psicopedagoga. Marcelo terminou o ensino médio e prestou vestibular agora. As terapias necessárias são a ocupacional, psicóloga e psiquiatra com o método ABA. Não são todas as crianças que têm o apoio da educação, e graças a Deus eu tenho os avós deles, que me dão suporte; minha sogra cuida deles para eu trabalhar e o meu marido, depois de um tempo sem conseguir trabalho, agora está empregado. Mesmo assim não temos condições de pagar um plano de saúde. E para piorar a situação, não temos mais pediatra nas UBS, eles eram nosso socorro em relação as receitas controladas”, explicou Leila.

PROTESTO

Depois de registrarem as reivindicações na ouvidoria de Saúde, pais e responsáveis saíram em caminhada até o fórum de Matinhos. Foto: Arquivo pessoal

Leila era uma das mães do grupo que protestou no último dia 7.  Elas se dirigiram com faixas e cartazes até a Prefeitura, onde foram recebidas na ouvidoria da saúde. No protocolo registrado, ao qual o JB Litoral teve acesso, o grupo pede providências urgentes. “Em um movimento de 30 pais e mães de autistas da cidade de Matinhos, compareceram nesta ouvidoria para reclamar da falta de psicólogo, pediatra, psiquiatra, neurologista, terapeuta ocupacional e todo o suporte garantido pelo Art. 98 da Lei Federal 8112/1990 que não está sendo cumprido, bem como amparo às mães. Salientam a importância e urgência desta agenda de conversa com o responsável da Saúde de Matinhos. Pedem providências urgentes”, diz o documento assinado pelo ouvidor da Saúde, Adriano Tomczak.

RESPOSTAS

A resposta veio no dia seguinte ao protesto, em 8 de novembro, por meio do ofício nº 248/2022, assinado pelo então secretário de Saúde, Paulo Henrique de Oliveira Ferreira, destituído do cargo na mesma semana. No documento, a pasta nega a falta de atendimento psicológico e diz que os atendimentos pediátricos estão concentrados na Unidade de Pronto Atendimento – UPA; já para o questionamento sobre a falta de médicos psiquiatras, o então secretário afirmou que o atendimento está ocorrendo no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. E com relação ao neurologista e terapeuta ocupacional, “cabe salientar que, em razão da grande demanda no país inteiro para busca de tais profissionais, o município tem encontrado dificuldades em suas contratações, entretanto, não tem medido esforços para que o município seja contemplado com eles. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Saúde, enviou oficio ao Consórcio Intermunicipal de Saúde do Litoral do Paraná – CISLIPA, solicitando o credenciamento de terapeutas ocupacionais”, diz trecho da resposta.

CONCURSO

A Saúde afirmou, ainda, que foi realizado, no último dia 6, um concurso público para preencher vagas de neuropediatra e terapeuta ocupacional, “portanto, após todos os tramites legais e os demais previstos pela organizadora do concurso (Fundação FAFIPA), será realizado o chamamento de tais profissionais para suprir a eventual carência do âmbito do Município de Matinhos. Por fim, cabe destacar que todo atendimento de caráter secundário, é de obrigação do Governo Estadual, como preconiza a Lei do SUS, em que os atendimentos de alta  complexidade são de responsabilidade do Governo Federal, os de média complexidade dos Governos Estaduais, e cabendo aos Municípios, os atendimentos de baixa complexidade, a saber, atenção primárias (unidades básicas de saúde), e Pronto Atendimento, que no caso de Matinhos é prestado de forma ininterrupta, através da UPA Praia Grande. Neste sentido, a Secretaria da Saúde permanece à disposição para atender quaisquer representantes de entidades ou pacientes, para providenciar os encaminhamentos necessários aos respectivos órgãos competentes, quer junto à Secretaria de Estado da Saúde, quer diretamente com o Ministério da Saúde e suas portas de entrada”, finalizou a resposta.

Procurada pela reportagem, a direção do CISLIPA se prontificou a responder assim que possível.

Pais e mães foram recebidos na Ouvidoria de Saúde da Prefeitura. Foto: Arquivo pessoal

NOVA MANIFESTAÇÃO

Sem melhorias concretas no atendimento aos autistas, os pais e mães de crianças e adolescentes com o transtorno realizam um novo protesto neste sábado (19), a partir das 16h, no calçadão central de Matinhos. Eles continuam pedindo melhores condições e atendimento especializado em saúde e educação no município.

De acordo com Luana Sampaio, uma das organizadoras da manifestação, a mobilização reúne famílias de cerca de 60 crianças e adolescentes com TEA, que moram em Matinhos e não conseguem acessar serviços especializados na rede pública de saúde. “Hoje nós temos apenas uma fonoaudióloga que atende as crianças e a demanda é muito grande porque o atendimento não é somente para quem tem autismo. Para desenvolver as habilidades e a autonomia das crianças com TEA, precisaríamos do acompanhamento constante de profissionais como psicólogos, fisioterapeutas, psiquiatras, neurologistas e terapeutas ocupacionais”, afirma.

Além da falta de profissionais específicos na área da saúde, as mães pedem também melhorias na rede municipal de educação, com materiais didáticos adaptados e profissionais especializados. “A Prefeitura chegou a abrir um PSS para contratação de professores auxiliares, mas o processo foi suspenso. Muitos profissionais da rede municipal de educação estão sobrecarregados e não conseguem atender as crianças e adolescentes autistas de forma adequada”, explica Luana Sampaio.

Entre as demandas apresentadas pelo grupo estão:

– retorno da Terapia Ocupacional

– acompanhamento com psicólogo, psiquiatra e neurologista

– acompanhamento com psicopedagogos

– contratação de professores auxiliares para apoio em sala de aula

– profissionais de educação com formação em educação especial

– materiais didáticos adaptados para alunos com TEA

O grupo também denunciou a situação ao Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEDE/PR), em ofício enviado no último dia 08. Nesta semana, a 2ª Promotoria de Justiça de Matinhos, do Ministério Público do Paraná, ajuizou uma ação civil pública para que o município garanta o atendimento integral às crianças com TEA. A ação pede que a Prefeitura seja obrigada a providenciar, em um prazo de 15 dias, assistência ininterrupta aos pacientes, principalmente nas especialidades de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional.