“A gente fica com a dor para sempre, é um sentimento que não cura”, diz filha que perdeu o pai para a Covid-19


Por Amanda Batista Publicado 15/05/2023 às 10h42 Atualizado 18/02/2024 às 11h24

A dor da perda de um ente querido é indescritível, mas quando é causada pela Covid-19, essa dor se transforma em uma ferida que não cicatriza, já que não há a possibilidade de um funeral adequado. Kelyn Malheiros, uma pontalense que perdeu seu pai, Valter Dill Malheiros, o “Faiado”, em meio à segunda onda da pandemia, lembra que ninguém imaginava a gravidade da situação.

No começo da pandemia, disse que não haveria uma família no Brasil que não tivesse uma perda próxima, mas jamais imaginei que a minha estaria incluída nisso diretamente”, diz Kelyn.

A bancária conta que, na época, as pessoas achavam que estavam blindadas contra a doença por não ter comorbidade ou levar uma vida saudável, até que em meio ao aumento de casos, jovens, crianças e praticantes de esporte começaram a perder a vida para o vírus.

Quando chegou a segunda onda, vimos que se tornou algo aleatório, pessoas que não tinham comorbidade faleceram, pessoas que tinham comorbidades se curaram sem sequelas”, recorda.

Naquele período, em 2021, ela acabara de ter uma filha, e seu pai – com 54 anos, sem comorbidades, não bebia e nem fumava, se alimentava bem, era ativo e conhecido em sua região, tendo ajudado muitos comerciantes locais e sido atuante em uma entidade de preservação da cultura gaúcha – testou positivo para a Covid-19.

Meu pai morou no Litoral por cerca de 28 anos. Quando se instalou em Pontal do Paraná, foi um dos primeiros comerciantes da região, com uma oficina mecânica no Balneário Santa Terezinha. Também era muito atuante no CTG Desgarrados do Pago e contribuiu ativamente na mobilização que emancipou Pontal do Paraná”, conta a filha sobre os feitos do pai.

Diagnóstico

Ao receber o resultado do teste, a família acreditava que tudo ficaria bem. Porém, no sexto dia de sintomas, Valter sentiu falta de ar ao subir um lance de escadas. Ainda assim, eles não imaginavam à proporção que a doença tomaria.

A minha irmã, para dar apoio a ele, conseguiu um oxímetro com uma amiga e levou para casa. Mesmo assim, a falta de ar foi piorando e ele não queria ir ao médico por medo de ficar entubado e de tudo que poderia acontecer”, destaca.

Apesar da relutância, a família o levou para uma clínica particular, onde descobriram que pelo menos 80% do pulmão do pai já estava comprometido. “O médico da clínica nos aconselhou a levá-lo para o Hospital de Campanha João Paulo, então, fomos para lá e ele foi internado assim que chegamos”, lembra Kelyn.

No dia seguinte, Valter foi transferido para uma enfermaria em Campo Largo. Quando a família recebeu a notícia de que haviam conseguido uma vaga para ele, a enfermeira orientou que fossem se despedir, porque não sabiam se ele voltaria. Foi então que entenderam a gravidade da situação e Kelyn foi com sua filha, de apenas alguns meses de vida, se despedir de seu pai.

Ali parece que virou uma chavinha, finalmente entendemos a gravidade do que estava acontecendo. Peguei minha filha, fui até o hospital conversar e me despedir dele e lá vi cenas terríveis”, afirma Kelyn.

Seu Valter passou três dias na enfermaria e, em seguida, passou por uma traqueostomia e ficou 28 dias entubado na UTI. Na sua última semana de vida, ele foi contaminado com uma bactéria hospitalar e faleceu numa quinta-feira de junho de 2021.

A dor da perda do pai se misturou com o período do puerpério, e Kelyn teve que lidar com a solidão e o confinamento, sem poder sair de casa por conta das restrições da pandemia.

O confinamento piorou tudo. Me sentia nervosa o tempo inteiro e tive que aprender a controlar minhas emoções porque precisava me manter saudável para cuidar do meu bebê. Tive que viver meu luto aos poucos para não perder o controle”, confessa.

Sonhos interrompidos

Para Kelyn, a dor da saudade e os planos que sonhava concretizar ao lado do pai vão ficar marcados para sempre na história da família. “Nós éramos muito parceiros, tínhamos planos para os próximos anos, eu sonhava com ele participando do crescimento da minha filha, mas isso nos foi tirado. A gente fica com a dor da perda para sempre, é um sentimento que não cura. O tempo ameniza e nos acostumamos com a saudade”, lamenta.

Para a banqueira, a pior parte em ver seu pai internado, sem perspectiva de melhora, foi constatar que, após duas semanas no hospital, a vacina contra o Covid-19 estava disponível para a faixa etária dele.

O que mais me doía é que, quando fazia duas semanas que ele estava no hospital, as pessoas da idade dele estavam se vacinando. Então, talvez, se a vacina tivesse chegado um pouquinho mais rápido, teria dado tempo dele se imunizar, e talvez, a doença não tivesse se agravado”, pondera.

O avô só conseguiu tirar uma única foto com a neta antes de perder a vida para a covid-19. Foto: Arquivo pessoal.

Câmara aprova PL que estabelece Dia Municipal em Memória às Vítimas do Covid-19

A história da morte do Seu Valter representa a dor de muitas famílias que perderam seus entes queridos para a Covid-19. Para homenagear as vítimas da maior crise sanitária do século XXI, a Câmara Municipal de Paranaguá aprovou, na terça-feira (9), o Projeto de Lei nº 5897/2021, do vereador Oziel Marques (PTC), que institui o dia 8 de abril como Dia Municipal em Memória às Vítimas do Covid-19. O projeto ainda aguarda sanção do prefeito Marcelo Roque (Podemos).

 “A Covid-19, infelizmente, assolou muitas famílias e levou ao óbito de diversos entes queridos. Por este motivo, realizei esta proposição, para termos uma data para lembrarmos daquele momento, para homenagear e recordar as grandes histórias das vítimas que tiveram suas vidas ceifadas”, afirma o vereador Oziel Marques.

Se for sancionada, a lei fará Paranaguá se juntar a outros municípios que também criaram datas para homenagear as vítimas, reforçando a importância de manter a memória dos mortos pela Covid-19.