Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, na Ilha do Mel, começa obras de conservação


Por Flávia Barros Publicado 20/10/2023 às 13h35 Atualizado 19/02/2024 às 02h45

Em junho deste ano, o JB Litoral trouxe uma matéria especial detalhando que uma das “joias” do patrimônio histórico e cultural do Litoral iria passar por obras de conservação. Agora, as obras são uma realidade e, nesta nova matéria, iremos contar o que já está sendo feito na Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres (FNSP), na Ilha do Mel. A imponente edificação, com suas muralhas de 10 metros de altura, tão rica em passado e beleza, presenciou quase 260 anos de história e precisava, urgentemente, de obras de conservação, segundo a equipe Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que administra a FNSP desde a década de 1980. “A edificação precisava de muitas outras obras, mas, a partir do plano de conservação, feito em 2021, estabelecemos as prioridades de intervenção e de estudos para subsidiar as etapas que devem levar à restauração completa do bem, que depende de recursos e também de equipe, já que o IPHAN-PR conta atualmente com poucos servidores”, disse ao JB Litoral a arquiteta do Iphan, Sandra Correa.

O que está sendo feito

Entre os serviços prioritários estão as intervenções na Casa de Guarnição, que é o local de apoio para visitantes e funcionários e as prisões. O “barracão de obras”, que são tendas e áreas isoladas no interior da fortaleza, começaram a ser montados no mês de agosto.

Foram feitas as primeiras lavagens nas muralhas internas, sendo também iniciadas as reparações de reboco. Na Casa de Guarnição foram realizadas as demolições previstas, tratamento do forro e iniciadas as correções das instalações sanitárias. Fizemos uma série de prospecções para verificar o estado de conservação da estrutura de cobertura, e da estrutura das paredes de estuque e, infelizmente, o estado está bem pior do que imaginávamos”, explica Sandra.

A arquiteta do Iphan relata que o estado crítico das paredes da Casa de Guarnição exigiu mais orçamento e tempo no cronograma de obras, anteriormente previstos para encerrarem em dezembro deste ano.

Isso nos obrigou a incluir um serviço que não estava previsto; a restauração das paredes de estuque. Estamos avaliando ainda as necessidades relativas à estrutura da cobertura. Considerando essas questões, vamos celebrar um aditivo ao contrato de cerca de R$ 200 mil, mas realmente ainda tratamos apenas de questões mais emergenciais e a previsão é que os trabalhos se estendam até o fim de janeiro de 2024”, detalha Sandra Correa.

Próximos passos


Ainda de acordo com a arquiteta, estão no cronograma para os meses de outubro e novembro a restauração das paredes de estuque, finalização das instalações elétricas e hidrossanitárias e restauração das esquadrias. Também serão iniciados os trabalhos de manutenção no telhado e lavagem das alvenarias do paiol. As obras de conservação estavam orçadas, inicialmente, em R$ 463 mil. Paralelamente a elas, o projeto inclui escavações arqueológicas, executadas com o orçamento de R$ 245 mil, e um ciclo de palestras e oficinas em escolas da Ilha do Mel. Essa parte pedagógica seria executada por uma empresa, mas ela desistiu da licitação e a missão foi abraçada pela equipe do Iphan, que se desdobra entre os trabalhos de restauro, escavações e as ações educativas.

A pedido da comunidade, a Fortaleza permanece aberta ao público, mas com acesso controlado e limitado às áreas onde não estão sendo feitas as intervenções, com entrada proibida nos trechos isolados com tela na cor laranja e nas tendas usadas como apoio às obras.

Pertencimento: a comunidade inserida na riqueza histórica


De agosto até a primeira semana de outubro, foram realizadas duas palestras on-line, uma palestra presencial para professores e turma do ensino médio, e quatro oficinas. As atividades foram acompanhadas da exposição itinerante com acervo arqueológico do CEPA – Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFPR, instituição parceira do Iphan.

Inclusive, esta parte foi coordenada pelo professor Laércio Brochier, arqueólogo e chefe do Departamento de Arqueologia e Antropologia da UFPR, e por mim. Temos mais dois encontros on-line, um com informes do andamento da obra e outro sobre o resultado das pesquisas Arqueológicas, e mais quatro oficinas de arqueologia em Encantadas”, conta Lia Mity Ono, técnica de Educação Patrimonial do Iphan, em conversa com o JB Litoral.

As datas ainda estão sendo definidas em conjunto com professores e colaboradores.

Vamos organizar também uma exposição na Fortaleza sobre a obra, a pesquisa arqueológica e as oficinas. Foi muito legal a interação que construímos com os estudantes! É muito gratificante envolver a comunidade nesses processos de preservação do patrimônio cultural e ver como é possível fortalecer esses vínculos das pessoas com o lugar onde elas nasceram e foram criadas, com as pessoas da ilha e com as coisas que carregam tanto significado”, revela Lia.

Essa parte pedagógica recebeu o nome de Programa de Educação Patrimonial Espia. O nome é uma alusão ao ofício tradicional do espia, que, na pesca artesanal da tainha, é a pessoa que fica no alto do morro observando os cardumes, sendo responsável por dar o sinal aos demais pescadores que farão o lanço. 

Ao mesmo tempo, é uma brincadeira com o fato de espiarmos um pouco do canteiro de obras e dos trabalhos de pesquisa arqueológica que ocorrem no local”, explica a superintendente do Iphan-PR, Fabiana Martins. Espia também é o nome do boletim mensal que a equipe do Iphan está preparando sobre as obras na FNSP e que está disponível na página do Instituto, na internet.

Achados arqueológicos


Sobre os achados arqueológicos, a equipe técnica do Iphan não divulgou detalhes. “Temos que aguardar o relatório da empresa que realizou as escavações, para que possam ser divulgadas informações mais qualificadas”, informa a arquiteta Sandra Correa. Mas jornalista, que é um ser curioso e questionador por natureza, já adianta algumas observações ao público leitor do JB Litoral, feitas a partir das imagens. É possível notar que as pesquisas arqueológicas já encontraram fragmentos do antigo chafariz, inclusive com parte da cimalha (beiral da estrutura) e também fragmentos de peças em cerâmica utilizada no local, ao longo dos séculos.

Verbas

Pesquisas arqueológicas integram o projeto e são feitas paralelamente às obras de conservação e do programa pedagógico. Foto: Fábio Machado e Lia Mity Ono/Iphan

Sobre o orçamento inicial para as obras mais emergenciais, a arquiteta Sandra Correa fala que foi o possível executar com o que tinham em caixa. “Foi o que tivemos disponível em 2022 para licitar, via emenda parlamentar, já que não houve nenhum orçamento disponibilizado do Iphan naquele ano. Nosso intuito é propor a elaboração de um projeto de restauração em 2024, mas ainda não iniciaram as ações de planejamento para o próximo ano. A situação que encontramos na obra só reforça a necessidade da elaboração de um projeto”, finaliza.

A pesquisa arqueológica e os serviços de manutenção e conservação da Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres serão executados com recursos destinados por meio da Emenda Parlamentar nº 3073005, da então deputada federal Christiane Yared (Progressistas), atual secretária municipal de Gabinete Institucional. A verba foi destinada ao IPHAN-PR na gestão de Rosina Parchen, superintendente do órgão, no Paraná, de maio de 2021 até 31 de maio deste ano. Além das reformas na Fortaleza, os recursos da emenda também contemplam outras obras importantes na região, tais como a pesquisa arqueológica na área da Igreja Matriz de Guaratuba; serviços de manutenção e conservação da Igreja Matriz de Paranaguá; projeto de Restauração do Salão Paroquial de Antonina e; revisão e atualização do Projeto de Restauração da Igreja Matriz de Antonina.

Bem histórico e cultural


Bem tombado nas esferas federal e estadual, a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres (FNSP) também é cadastrada como sítio arqueológico. A fortaleza forma, com o Morro da Baleia e a bateria de canhões instalada em seu topo, um conjunto que se encontra sob a administração do Iphan desde 1980.

Assim como outras fortificações espalhadas pela costa brasileira, a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres é um marco edificado da dominação portuguesa e representa a posse do território e sua proteção. Uma das características da fortificação implantada no Morro da Baleia é sua adaptação ao terreno. A construção aproveita as pedras do lugar e a conformação natural do morro, de modo que as soluções arquitetônicas e ajustamentos tecnológicos realizados ao longo do tempo permitiram o seu uso militar desde o século XVIII até o século XX.