“A rua não é um lugar bom. Apesar dos auxílios, nosso objetivo é fazer com que a pessoa perceba que ali não é seu lugar”, diz Ana Paula Falanga


Por Luiza Rampelotti Publicado 18/02/2022 às 15h17 Atualizado 17/02/2024 às 02h14

Pessoas em situação de rua estão em todas as partes do país, tanto nas grandes quanto nas pequenas cidades. O problema não é exclusivamente brasileiro e está presente no mundo todo. O que pode fazer com que a situação seja menos alarmante, é a ação do Poder Público por meio das políticas de assistência social implantadas onde elas existem.

Pensando em mudar a realidade dessa população, em Paranaguá, a prefeitura começou a investir em políticas de assistência social, voltadas a devolver a dignidade de cada um.

“Nós os enxergamos como indivíduos, como cidadãos, os tratamos com respeito, conhecemos suas histórias de vida e, para aqueles que aceitarem, damos um direcionamento. Isso faz a diferença para eles serem vistos, e portanto, tratados com atenção e educação”, diz a secretária municipal de Assistência Social, Ana Paula Leal Loiola Falanga.

“Esse trabalho só é realizado porque temos o apoio da gestão”, diz a secretária de Assistência Social. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral


175 abordagens em 40 dias


À frente da pasta desde janeiro de 2022, ela já fez reformulações importantes no formato de trabalho das equipes, que passaram a abordar essas pessoas diariamente. Isso garantiu que, em menos de dois meses, 175 abordagens fossem realizadas.

“Dessas 175 abordagens; 77 resultaram em novos cadastros, 21 em recâmbios (ou seja, essas pessoas retornaram para as suas cidades de origem), 17 foram acompanhadas e receberam consulta médica, 8 estão tendo seus casos monitorados, 12 foram acolhidas em casas de recuperação, 5 foram atendidas pela nossa equipe, 4 estão em tratamento e tendo o nosso acompanhamento. E somente 2 pessoas renunciaram ao tratamento”, diz Ana Paula.

Este tipo de serviço da Ação Social acontece desde o ano passado, porém, não era diário, conforme explica a assistente social Roseli dos Santos, que é coordenadora da seção. Atualmente, todos os dias, inclusive aos finais de semana, as equipes saem às ruas, às 7h20, buscando essas pessoas e oferecendo auxílio.

“Temos todo cuidado em, primeiramente, estabelecer um vínculo com as pessoas, e, à medida em que ele se estabelece, vamos conseguindo ter uma noção das histórias e das necessidades. Dessa forma, podemos fazer um bom encaminhamento, que atenda às suas carências”, conta.

Com a abordagem, que acontece de manhã e à tarde, nos principais locais em que essas pessoas ficam, as equipes passam a acompanhar cada caso. A partir daí, são realizados os encaminhamentos para a Unidade de Acolhimento do município – Centro Pop, ou para outras do Estado; o recâmbio para a cidade de origem; o processo de retirada de documentação; serviços técnicos, entre outros.

Parte da equipe da secretaria municipal de Assistência Social. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral

150 pessoas em situação de rua

“Durante a abordagem, algumas pessoas querem tratamento, então passam por uma avaliação clínica, pela psicóloga, assistente social e então são encaminhadas para as casas de dependência química (Betel, em Paranaguá, a qual temos parceria, e outras no Estado que tenham vaga social). Essas, acompanhamos. outras, que querem voltar para suas cidades, nós entramos em contato com a família pelo sistema de assistência do município. Elas assinam um documento e fazemos o recâmbio. Aquelas que não querem sair da rua, nós assistimos”, explica Ana Paula.

De acordo com ela, a população em situação de rua no município é muito flutuante, aumentando significativamente esse número nos meses de verão. No momento, com a temporada de calor na região, existem cerca de 150 pessoas vivendo nas ruas.

Cada uma delas possui uma história de vida diferente, embora semelhante em certos aspectos. A maioria encontrou no vício uma fuga de sua realidade. “Na maioria dos casos, identificamos que essa pessoa escolhe ir para a rua por conta de um conflito familiar. Geralmente, porque sofreu algum tipo de abuso, ou vivia em uma família desestruturada, na qual sentia que não conseguia se instalar no círculo da família, ou se separou do cônjuge. Geralmente, mulheres optam pelo álcool e se mantêm alcoolizadas para fugir da realidade; já os homens, encontram nas drogas e álcool a fuga de uma existência triste”, conta a secretária de Assistência Social.

“Se você estender a mão, é possível resgatar o indivíduo”


Um dado que chama a atenção a respeito das pessoas em situação de rua é a faixa etária. A maior parte é jovem, com idade entre 20 e 40 anos, segundo Ana Paula. Os idosos são a minoria. “A população em geral passa por eles e os tratam como invisíveis, ou os enxergam como bandidos, com raiva ou nojo, mas, quando você imerge nessa política, vê que eles têm uma história, uma família, precisam de ajuda e de acompanhamento. Nem sempre são pessoas que cometeram delitos, embora existam aqueles que, de fato, cometeram (e para esses casos, a Guarda Civil Municipal sempre nos acompanha em nossas abordagens, consultando os mandados de prisão em aberto e, se for necessário, faz o encaminhamento da pessoa à delegacia). Porém, a maior parte das situações, são de pessoas que não são criminosas, que se você estender a mão com a política pública já está estabelecida de assistência social, consegue resgatar”, destaca.

Ferramentas da assistência social


Em Paranaguá, as pessoas em situação de rua encontram no Centro Pop um local de amparo. Lá, elas podem tomar banho com os produtos de higiene disponíveis, lavar as roupas com os produtos de limpeza à disposição e dar entrada na retirada dos documentos de identificação, gratuitamente. Aquelas que desejarem tratamento para dependência química, ainda podem usar o local para dormir. No entanto, as regras são rígidas.

“Para utilizar o Centro Pop como acolhimento, a pessoa precisa fazer o tratamento. Uma das condições é não usar drogas, e se sair de lá, é apenas para trabalhar, e ao retornar, no final da tarde, ela é revistada. Lá, eles contam com alimentação, estadia, banho. Então, o usuário de drogas que quer se tratar, tem onde ficar na cidade”, diz Ana Paula.

Ela também destaca que todas essas pessoas têm acesso a 4 refeições gratuitas, todos os dias. “Ao contrário do que as pessoas pensam, o Restaurante Popular só cobra a taxa de R$ 2 para os moradores em geral, mas, para a população em situação de rua, as refeições são gratuitas. Lá eles têm o café da manhã, almoço, café da tarde e jantar”.

“A rua não é para ser confortável”


Além disso, a secretaria de Assistência Social está buscando parcerias para promover qualificação profissional para as pessoas que desejam sair das ruas. “Já fizemos reuniões no porto, TCP, secretaria municipal de Trabalho e Emprego. Estamos tentando fazer com que as pessoas que desejam realizar o tratamento de drogadição também tenham uma oportunidade no mercado de trabalho, assim que estiverem preparadas”, diz.

Ana Paula destaca que o trabalho da secretaria não tem o intuito de fazer a vida nas ruas ser confortável para o cidadão. “A rua não é para ser confortável e nem um lugar bom. Apesar dos auxílios oferecidos, nosso objetivo é fazer com que a pessoa perceba que ali não é o seu lugar. Por isso, já pelo início da manhã, começamos as abordagens acordando-os, fazendo-os se movimentarem, deixando sempre claro que eles podem sair das ruas, que promovemos essa ajuda para que eles consigam sair dali, tirar seus documentos, dar entrada no Auxílio Brasil, que fará com que possam alugar um quarto para viver. Nós os acompanhamos em todo o tempo, até depois que saem da rua, e esse contato posterior é muito importante para que não tenham uma recaída. Mostramos que eles são cidadãos e merecem tudo o que qualquer ser humano tem, de forma digna”, conclui.