Após críticas ao Conselho Tutelar de Paranaguá, conselheiros revelam os desafios enfrentados na função


Por Luiza Rampelotti Publicado 13/09/2023 às 16h33 Atualizado 18/02/2024 às 23h20

O Conselho Tutelar de Paranaguá, responsável por zelar pelos direitos das crianças e adolescentes no município, está passando por um período eleitoral para escolher cinco conselheiros e seus respectivos suplentes para o mandato de 2024 a 2027. A eleição, que será realizada em 1º de outubro, conta com 18 candidatos, sendo que três buscam ser reeleitos.

No entanto, no último dia 31, o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Marciney Santos de Oliveira, criticou publicamente o atendimento feito pelos atuais conselheiros. A crítica foi vista pelos candidatos à reeleição como uma interferência no processo eleitoral.

Durante entrevista à uma rádio local, Marciney responde ao questionamento do apresentador, que perguntou se ninguém fica sem atendimento quando aciona o Conselho Tutelar em Paranaguá. Ele declara que “infelizmente, não ocorre dessa forma”.

Segundo ele, o CMDCA recebe relatos e queixas da população informando que liga para o Conselho Tutelar e não é atendido. “É pontuado que, às vezes, o canal de plantão não é respondido. Isso é algo que o CMDCA, no seu comprometimento de acompanhar e fiscalizar os trabalhos, com essas eleições, quer mudar essa realidade (…)”, disse.

Somente em 2023, o Conselho já realizou 1.454 atendimentos; números já superaram os do ano passado. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral


Ideal seria 10 conselheiros devido ao número de habitantes


O atual conselheiro tutelar Arione Lopes Faria, que não é candidato à reeleição neste pleito, procurou o JB Litoral para denunciar a conduta de Marciney e para informar à população sobre as condições do Conselho Tutelar. Segundo ele, um aspecto que gerou perplexidade foi o fato de o presidente do CMDCA ter exposto publicamente as alegações de falta de atendimento sem ter formalizado qualquer denúncia ou questionamento por meio de ofício ao Conselho Tutelar ou ao Ministério Público.

Além disso, a crítica foi feita em pleno período eleitoral para novos conselheiros, o que levantou dúvidas sobre as motivações por trás das declarações. Por isso, levaremos a situação ao Ministério Público do Paraná para analisar o caso”, contestou Arione.

O conselheiro tutelar Arione afirmou que os profissionais enfrentam desafios significativos, incluindo a defasagem no número de pessoal e o baixo salário. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

De acordo com ele, os profissionais enfrentam desafios significativos, incluindo a defasagem no número de pessoal e o baixo salário. “Com apenas cinco conselheiros para atender uma população de 157 mil habitantes, Paranaguá está muito abaixo do recomendado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). De acordo com a Resolução nº 231/2022 do CONANDA, deve ser criado e mantido, no mínimo, um Conselho Tutelar para cada grupo de 100 mil habitantes. Desta forma, o ideal seria que Paranaguá tivesse dois conselhos, totalizando 10 conselheiros tutelares, desde 2010. Sendo assim, com certeza toda a população poderia ser atendida mais satisfatoriamente”, destacou.

Ele ainda explicou que a falta de profissionais impacta negativamente na capacidade do órgão de garantir os direitos das crianças e adolescentes, especialmente considerando a necessidade de atender áreas remotas, como ilhas e colônias, além do rápido crescimento desordenado da cidade devido a invasões.

Problemas de comunicação e baixos salários


Outro ponto destacado por Arione foi a falta de atualização do número de telefone de plantão do Conselho Tutelar. Embora o número tenha sido alterado há cerca de um ano e meio, a fachada do prédio e a página da Prefeitura ainda exibem o número antigo, apesar das solicitações feitas para a alteração, o que resulta em ligações perdidas e reclamações da população.

Responsável pelo prédio e pelos serviços do Conselho Tutelar, a Prefeitura de Paranaguá é a entidade responsável pela atualização dessas informações, mas, até o momento, nenhuma ação foi tomada. O JB Litoral questionou o Poder Municipal a respeito da mudança no número na fachada e no site, porém, até a conclusão desta reportagem, não houve retorno.

Além disso, ele enfatizou que o salário dos conselheiros tutelares em Paranaguá está entre os mais baixos da região. Apesar das condições de trabalho razoáveis, incluindo carro e barco para atendimento 24 horas, o baixo salário e o não pagamento por horas extras durante emergências tem sido motivos de reivindicação por parte dos profissionais.

Enquanto Paranaguá é o maior município do Litoral, com 157 mil habitantes, e paga aos conselheiros tutelares o valor de R$ 1,8 mil para 40 horas de trabalho, Matinhos, que tem cerca de 39 mil moradores, paga R$ 3,3 mil. Pontal do Paraná, com 30 mil habitantes, oferta o salário de R$ 3 mil, e Morretes, com 18 mil moradores, oferece R$ 2,5 mil.

Impacto da pandemia nos atendimentos


Arione também discutiu o impacto da pandemia nos atendimentos do Conselho Tutelar. Durante o período de isolamento social, houve uma redução no número de casos de atendimento do Conselho Tutelar, não porque os episódios não ocorreram, mas porque o fechamento das escolas, que geralmente detectam problemas nas crianças, limitou a capacidade do Conselho de intervir preventivamente.

Na escola, os professores detectam os problemas das crianças e alertam ao Conselho Tutelar. Então, na época de pandemia, as crianças ficaram em casa e, na verdade, ficaram na mão de muitos casos de abusadores que eram para ser os garantidores de direito e, no fim, acabaram violando os direitos das crianças. Então veio a acarretar bastante caso de abusos nessa época, mas subnotificados”, disse Arione.

Em 2022, por exemplo, ocorreram um total de 2.874 atendimentos, distribuídos da seguinte forma: 718 envolveram crianças com idades entre 0 e 6 anos, 653 entre 7 e 12 anos, e 524 adolescentes de 13 a 17 anos. As violações atendidas diziam respeito à violência sexual, física e psicológica, trabalho infantil, conflito familiar, evasão escolar, ato infracional, acolhimento institucional, Hospital Regional do Litoral, Unidade de Pronto Atendimento, Unidades de Saúde, delegacia, Guarda Civil Municipal, exploração sexual, Disque 100/181, negligência, maus tratos e abandono de incapaz. A maioria dos casos, 953, envolveram meninos.

Casos aumentaram em 2023


Com a retomada da vida normal, os casos de abuso, negligência, maus-tratos e violência sexual começaram a surgir, o que ressalta a importância de um órgão bem estruturado e com um número adequado de conselheiros. Nesse sentido, somente durante o primeiro semestre de 2023, já foram efetuados um total de 1.454 atendimentos, com uma predominância significativa de situações relacionadas ao sexo feminino, totalizando 739 casos. Especificamente, foram 447 ocorrências envolvendo crianças de 0 a 6 anos, 353 entre 7 e 12 anos, e 341 com adolescentes de 13 a 17 anos.

No ano passado, a média de atendimento foi de 239 casos por mês, já neste ano, o número passou para 242, o que leva o conselheiro Arione a crer que os casos totais de violações aos direitos das crianças e adolescentes de Paranaguá, até o final de 2023, irá superar o número de 2022.

Para dar conta do aumento da demanda, ele defendeu que, o ideal, seria que o Município seguisse a Resolução nº 231, que estabelece a necessidade de mais conselheiros a cada 100 mil habitantes. “Com um maior número de conselheiros, a capacidade de atendimento e proteção das crianças e adolescentes da cidade pode ser ampliada, melhorando significativamente o cenário atual e garantindo a eficácia do trabalho do Conselho Tutelar em Paranaguá”, conclui.

Procurada pelo JB Litoral para esclarecer as críticas apontadas, a Prefeitura de Paranaguá não retornou o contato.