Mãe de Pontal do Paraná ganha processo de R$ 7,8 mil para tratamento do filho autista


Por Redação Publicado 14/09/2023 às 11h15 Atualizado 18/02/2024 às 23h24

A maternidade é um grande desafio. Ter a responsabilidade de cuidar, educar, prover todas as necessidades materiais e, ainda, equilibrar isso com os afazeres domésticos ou uma carreira é de fazer qualquer um tirar o chapéu para a determinação das mulheres. Mas, a função de mãe pode ser ainda mais árdua quando se tem um filho com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Este é o caso da moradora de Pontal do Paraná Milena de Souza Pereira, que, aos 24 anos, possui um filho diagnosticado com TEA e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Heitor de Souza Novak, de 3 anos, é um menino alegre e enérgico. Desde pequenininho, a mãe percebeu que ele era diferente. Com meses de vida, Heitor passava minutos a fio girando, andava na ponta dos pés, mexia as mãozinhas de um jeito único quando ficava feliz e, às vezes, ria sozinho enquanto mirava o “nada”.

À medida que o tempo passava, a família começou a notar os sinais e percebeu que o comportamento do filho não era comum para a idade. “A gente notava que ele não falava, que tinha esses sinais, mas para quem é mãe, é difícil aceitar que o nosso filho é diferente”, confessa Milena.

Diagnóstico


Quando o filho tinha um ano e oito meses, a família o levou ao pediatra da Unidade Básica de Saúde, no Balneário Shangri-lá, em Pontal. O médico recomendou a busca por um neurologista, pois o pequeno apresentava sinais claros de autismo. No entanto, o município não dispunha desse tipo de profissional, o único capaz de fornecer o diagnóstico definitivo.

A partir do encaminhamento, a família entrou na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS), já que diversas famílias não só de Pontal, mas de todo o Litoral, aguardavam por um atendimento com o médico especialista. Após a primeira consulta, o neurologista confirmou o diagnóstico de TDAH e TEA em grau II.

A partir dali, Milena e seu esposo enfrentaram inúmeros obstáculos para cuidar e prover o tratamento adequado ao filho. Um deles foi a alergia que Heitor desenvolveu ao medicamento para TDAH fornecido pelo SUS.

O médico do posto de saúde aumentou a dose do medicamento, o que causou intoxicação. Nós tivemos que levá-lo ao Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, devido a essa situação crítica. Se não fosse pelo atendimento particular, Heitor poderia ter enfrentado sérias complicações“, relata Milena.

Heitor foi diagnosticado com autismo de grau II, mas a falta de tratamento adequado fez com que o quadro se agravasse para autismo de grau III. Foto: Rafael Pinheiro/ JB Litoral.

Busca pelo tratamento


Outro desafio, que mais parecia uma odisseia, foi a busca por um tratamento intensivo. Após o diagnóstico, a família levou a criança ao Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Pontal do Paraná, onde Heitor participava de sessões de terapia ocupacional uma vez por semana.

Na prática, essas sessões envolviam apenas brincadeiras com blocos de lego, com duração de cerca de 30 minutos a cada sexta-feira. A atividade era insuficiente para atender às necessidades do menino, que exigia uma terapia intensiva com otorrinolaringologistas e terapeutas ocupacionais.

Houve dias em que Heitor teve apenas dez minutos de terapia, enquanto as sessões particulares duram 40 minutos. Em algumas ocasiões, ele nem sequer teve terapia devido à ausência dos profissionais”, lembra a mãe. “Eu me sentia profundamente frustrada, levando meu filho para brincar com lego durante as sessões, quando, na verdade, ele necessitava de um tratamento muito mais completo“, desabafa.

Família é composta pelo marido, a mãe e os dois filhos; Heitor, de 3 anos, e Pedro, de apenas 1 ano e seis meses. Foto: Arquivo pessoal.

Apesar da inconsistência, durante quatro longos meses Milena levou Heitor ao AME no contraturno escolar, uma vez que o reduzido número de sessões mensais era o melhor que a família conseguia oferecer. Contudo, a falta de estímulos adequados para seu desenvolvimento teve um custo elevado para a criança, cujo grau de autismo evoluiu de II para III. Foi então que o casal tomou a decisão de pagar por terapias na APAE de Paranaguá, onde ele começou a frequentar três vezes por semana.

Com o tratamento adequado, observamos uma melhora significativa. Porém, os custos são altos e a APAE enfrenta uma alta demanda, o que levou a uma redução para duas sessões por semana“, lamenta a mãe. “Para nosso filho, isso é insuficiente”, destaca.

O custo, sem dúvida, é uma preocupação constante para a família. Mensalmente, eles desembolsam quase R$ 2 mil entre sessões de terapia e medicamentos para TDAH. As despesas, a irregularidade no tratamento e a constante apreensão pelo desenvolvimento do filho perduraram até junho de 2023, quando Milena tomou uma medida drástica e procurou a Defensoria Pública do Litoral.

Intervenção da Defensoria


Desde a implementação da Lei Berenice Piana, nº 12.764 de 2012, a Constituição assegura que pessoas com autismo sejam reconhecidas como pessoas com deficiência para todos os fins legais, garantindo-lhes os mesmos direitos concedidos por lei às Pessoas com Deficiência (PCDs). Portanto, o tratamento pelo SUS é um direito inalienável.

Foi somente após buscar auxílio da Defensoria Pública que Milena viu seus direitos se concretizarem. Através de uma notificação extrajudicial, o defensor do caso, Cássio Antônio Caldart, pressionou o município de Pontal do Paraná a oferecer um número maior de sessões, seguindo um cronograma de 10 sessões semanais.

A realização da quantidade determinada por laudo médico durou apenas uma semana. Após esse período, o AME solicitou a redução das terapias, alegando falta de estrutura para atender à determinação, mas o pedido foi negado pela Defensoria, o que não impediu o ambulatório de reduzir os dias de tratamento do menino.

Ao constatar a omissão, a Defensoria Pública ajuizou uma Ação Civil contra o Estado do Paraná para que ele custeasse o tratamento integral de Heitor. No dia 25 de agosto, o órgão recebeu a decisão liminar favorável.

Como o município não atendeu às demandas da mãe, entendemos que era necessário judicializar o caso. Essa é uma questão de direito fundamental das crianças com autismo e é um dever do município, do Estado e da União”, destaca o defensor Cassio Antônio Caldart.

Na decisão, a Vara da Infância e da Juventude de Pontal deu 15 dias para que o Estado forneça o serviço. Com a decisão da Justiça, Heitor terá acesso a sessões de psicoterapia comportamental, terapia ocupacional e fonoterapia semanalmente, com um tratamento avaliado em R$ 7.807.

Com a liminar favorável, o defensor acredita que outras mães irão buscar o tratamento por meios legais, o que deve contribuir com o fomento de políticas públicas voltadas ao tratamento de pessoas com TEA em Pontal do Paraná.

Existe todo um debate a respeito do pagamento de tratamentos, mas, por vezes, é a própria judicialização que faz as políticas públicas acontecerem. Este é o caso dos medicamentos para HIV, por exemplo. Tenho certeza de que a partir da vitória judicial da família outras irão buscar seus direitos na justiça”, argumenta.

Milena não está sozinha


Em Pontal do Paraná, há cerca de 379 famílias que possuem crianças com TEA. Além delas, também há casos em investigação que aguardam meses até conseguirem uma consulta com o neurologista.

Infelizmente, muitas mães enfrentam situações semelhantes à minha, com dificuldades para obter atendimento e terapias para seus filhos. E a dificuldade começa na busca pelo laudo, já que apenas o neuro pode fornecer esse documento e não há esse tipo de profissional no município”, diz Milena.

Ela conta que muitas das famílias não conhecem seus direitos, por isso não buscam assistência judicial e se contentam com as terapias semanais que são insuficientes no tratamento do TEA. “Nossos filhos têm direito ao tratamento e uma sessão semanal não é suficiente, mas há mães que não sabem disso ou que acham que buscar a justiça não dá em nada”, afirma.

Por isso, eu queria compartilhar a minha história, para mostrar não só às mães de Pontal, que já estão unidas em uma associação, mas para todas as mães de crianças com TEA de que conseguimos sim resultado lutando pelo que é nosso por direito”, finaliza a jovem mãe.

O JB Litoral procurou a Prefeitura de Pontal do Paraná para esclarecer os problemas apontados por Milena no AME, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.