Mulheres que trabalham na pesca: empreendedoras do setor se reúnem para reivindicarem por reconhecimento e valorização


Por Luiza Rampelotti Publicado 20/12/2022 às 12h21 Atualizado 18/02/2024 às 00h24

À primeira vista, o trabalho da pesca é associado aos homens, já que, em geral, é compreendido como o ato da captura do peixe no mar, atividade com grande presença masculina. Contudo, o setor pesqueiro envolve uma cadeia de funções e, embora as mulheres também atuem na captura, elas frequentemente ocupam postos essenciais, mas vistos apenas como “complementares”, como é o caso das filetadoras, descascadoras, separadoras, catadoras, limpadoras, vendedoras e beneficiadoras.

As mulheres desenvolvem diversas atividades na cadeia produtiva da pesca artesanal. No entanto, sofrem com o baixo reconhecimento de seu protagonismo na ocupação, seja pela sociedade como um todo, pelos poderes públicos ou por elas mesmas.

A dupla jornada de trabalho, comum a grande parte da população feminina no Brasil, também é rotina para aquelas que trabalham no setor pesqueiro e acumulam, ao dia a dia de labuta, os serviços domésticos e a criação dos filhos.

Em Pontal do Paraná, cansadas de sofrerem com a invisibilização de seu trabalho, mulheres que trabalham na pesca decidiram criar a Associação das Mulheres Empreendedoras da Pesca de Pontal do Paraná (AMEP). A formalização da entidade aconteceu em agosto de 2021 e hoje, pouco mais de um ano depois, ela já foi declarada como utilidade pública pelo Município.

O JB Litoral foi até a cidade conhecer a AMEP, conversar com suas associadas e compreender seus objetivos. Formada por cerca de 30 mulheres, a ideia de reuni-las numa associação surgiu em 2020.

A gente resolveu montar o grupo em 2020, mas logo veio a Covid-19 e todos os processos precisaram ser paralisados. Em junho de 2021, com o incentivo da nossa madrinha Cida Gimenes, conseguimos reunir todas as mulheres que fazem parte da associação para aclamarmos a diretoria e, em agosto daquele ano, a entidade foi formalizada com CNPJ e toda a documentação necessária”, diz a presidente da AMEP, Joselaine Goes dos Santos Favorito, a Laine.

Elas não querem mais ser coadjuvantes

Todas as mulheres que fazem parte da associação têm ligação com a pesca. “O homem é quem traz o pescado, mas são elas que cuidam, limpam, vendem, organizam, cuidam das bancas. Quando eles vêm do mar, depois que pesam o peixe, não querem mais saber, aí são as mulheres que colocam para gelar, limpam, revendem. Nosso trabalho também é pesado, porque estamos cuidando do espaço de trabalho que é, muitas vezes, nossa própria casa”, conta Laine.

Enquanto elas fazem os serviços necessários no pescado, também se viram nos trinta cuidando das crianças, fazendo almoço, lavando roupa, etc. A verdade é que, para elas, não há separação da vida pessoal e profissional. “Tem que agregar os trabalhos, fazer tudo ao mesmo tempo”, comentam.

Cansadas de serem apenas coadjuvantes na atividade pesqueira, sem nenhum tipo de reconhecimento, as mulheres de Pontal do Paraná decidiram ir em busca de direitos e, unidas, pensarem em novas formas de evoluir financeiramente através do setor. Por isso, a AMEP nasceu para chamar a atenção da sociedade e do poder público de que a população feminina também atua na pesca e precisa de apoio.

O nosso trabalho faz a diferença na vida do pescador; sem a gente, ele chega e faz o quê com o peixe? Então merecemos ser valorizadas, porque ninguém tem consideração, ninguém valoriza o que fazemos”, diz a presidente.

O trabalho da associação tem gerado frutos e a primeira conquista já chegou: a declaração de utilidade pública pelo Município, através da Lei nº 2.379, de 7 de dezembro de 2022. Agora, dizem as associadas, elas acreditam que as pessoas “começaram a ver” todo o serviço desempenhado por elas. “A gente queria ser protagonista, e com a utilidade pública, agora temos esse sentimento de que estão nos vendo”, se orgulham.

Metas da AMEP

Desde sua fundação, a AMEP já promoveu algumas atividades com o objetivo de profissionalizar cada vez mais as empreendedoras. Um curso realizado pela associação, em parceria com a Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus Paranaguá, foi o de transformação da pele do peixe em couro, que pode ser utilizado para atividades de artesanato.

Temos bastante sonhos, um deles de ter um espaço físico para filetar esses peixes, pegar o que sobra para fazer adubo, com a pele fazer o artesanato, e não vai sobrar nada, fica zero lixo”, conta Laine.

Outro curso realizado foi o de defumação de peixe, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), com o intuito de ensinar as mulheres a fazerem o prato típico da cidade – a Cambira.

A próxima meta da associação é buscar o título estadual de utilidade pública. “Não queremos ser somente uma associação abandonada, então temos planos, projetos e estamos aproveitando tudo o que a atual gestão municipal tem oferecido, porque o prefeito Rudão Gimenes tem um olhar muito especial para a pesca. Com a utilidade pública estadual, por exemplo, conseguimos pleitear recursos para uma futura sede”, afirma Laine.

A presidente revela que o maior sonho das meninas ligadas à AMEP é adquirir uma sede, onde poderão desempenhar diversas atividades ligadas ao peixe. “A gente pode fazer a defumação, a conserva do peixe, artesanato com o couro do peixe, adubo. Nós conseguimos utilizar o peixe até não sobrar nada e enviar ele para vários lugares”, conta.

Mulheres que trabalham na pesca

Laine é natural de Curitiba, mas desde criança frequenta Pontal do Paraná. Quando vinha para a casa da vó, sempre buscava formas de ganhar dinheiro e desde os 10 anos começou a fazer serviços nas peixarias.

 “Eu ia nas bancas e perguntava o que tinha para fazer, então sempre estive nesse meio, tirando cabeça de camarão, limpando. Até que um dia conheci meu marido, que é pescador raiz, um olhou para o outro e não voltei mais para casa, em Curitiba. Já faz 18 anos que moro aqui, hoje sou concursada na Prefeitura, mas se estou em casa, estou limpando camarão e peixe”, conta.

Outra mulher que faz parte da associação é Liliane Cristina Amorim. Ela também é natural de Curitiba, onde conheceu seu esposo, pescador em Pontal do Paraná. Depois que começaram a namorar, há 20 anos, ela veio para o Litoral com ele.

De início meu marido não tinha canoa, trabalhava para os outros, então a gente pegava o peixe, limpava e saía para vender de porta em porta; até hoje a gente ainda vende de porta em porta. Foi ele quem me ensinou a limpar o peixe, e depois de um tempo compramos uma canoa. Ele pesca, eu limpo e vendemos, agora também temos uma banca, mas no inverno e dia de semana vendemos na rua, em Paranaguá, Curitiba”, diz.

Uma vida inteira trabalhando com peixe

Dona Vera Lúcia Teixeira dos Santos também mexe com peixe há décadas. Ela conta que faz mais de 35 anos que começou a trabalhar com peixe, mas que vive em Pontal do Paraná há 13 anos.

Meu marido já mexia com peixe, vendia peixe, e eu entrei no barco junto. Já tivemos banca em Curitiba, em Paranaguá, fazíamos feira. Aí viemos para Pontal e abrimos uma banca. Toda vida eu trabalho limpando camarão, limpando peixe, vendendo. Hoje meu marido não pesca mais, mas temos canoa e quem pesque para nós”, comenta.

Michele Amorim também faz parte da AMEP. Natural de Curitiba, ela veio para Pontal aos sete anos de idade. Desde então, sua família passou a trabalhar com a pesca.  

Desde criança eu comecei a ajudar na limpeza do peixe, porque quando o pai e a mãe estavam ali trabalhando, a gente sempre estava junto, e assim aprendi a trabalhar com o peixe e camarão. Nós comprávamos e revendíamos na rua. Na minha adolescência eu lembro que tinha um pouco de vergonha de sair na rua vendendo, mas depois comecei a ter orgulho da pesca, porque o peixe era uma coisa muito importante em nossas vidas. Hoje meus irmãos têm suas canoas, suas bancas, e eu trabalho na peixaria e vendo na rua quando o movimento está fraco”, conclui.