Perfeitamente imperfeitas: conheça histórias de mães diferentonas e que quebraram tabus sobre a maternidade


Por Luiza Rampelotti Publicado 08/05/2022 às 12h27 Atualizado 17/02/2024 às 07h57

A realidade é que, ao se tornarem mães, as mulheres não recebem um manual de instruções; não é como seguir uma receita de bolo com todos os ingredientes adequados para que a maternidade seja perfeita. Na verdade, é totalmente o contrário: nos primeiros meses, não há sequer conhecimento sobre o que deve ser feito, de que forma e com que frequência, por exemplo.

Além da nova vida, que fica sob responsabilidade integral da mãe, há também a nova vida da própria mulher, que muitas vezes não se reconhece mais. A existência anterior é quebrada e, com a maternidade, surge uma nova realidade. Não adianta esperar que o tempo passe para que a vida “volte ao normal”, depois disso, tudo é transformado e a normalidade é ressignificada.

Todas passam pelo mesmo processo de autoconhecimento, umas mais, outras menos. Algumas sentem o impacto de forma mais árdua, outras conseguem enfrentar com mais leveza. Mas é impossível dizer que todas elas não sentem as mudanças promovidas no corpo, mente e alma com a chegada da maternidade.

Dentro da sociedade, a mãe é vista como uma espécie de figura sagrada: santa e pura. Mas, é importante quebrar esse estereótipo e naturalizá-las como um ser humano normal; que erra, que tem seus próprios desejos, sonhos e que, antes de tudo, é mulher.

Por isso, o JB Litoral traz histórias de mães reais e comuns, mas que não passam despercebidas devido às personalidades “diferentonas”.

Silvia Almeida


A sexualidade feminina ainda é um tabu na sociedade. Muitas vezes, aquelas que ousam ser sensuais e se expressar livremente são reprimidas, julgadas e, até mesmo, descredibilizadas.

Silvia é mãe de 2 filhos e empreende no ramo erótico há 8 anos. Foto: Arquivo pessoal/Silvia Almeida

Para lutar contra isso, Silvia Almeida, de 29 anos, mãe de Maria Eduarda, de 7 anos, e de Luís Gustavo, de 12, começou a empreender no ramo erótico há 8 anos. “Quando a Maria nasceu, decidi empreender para não trabalhar fora. Aí surgiu Aabusada”, conta.

Aabusada começou como uma loja de produtos sensuais e sex shop, mas, hoje, também comercializa lingeries, moda praia e fitness. O sucesso foi tanto, que Silvia já abriu três estabelecimentos: dois em Paranaguá e um em Pontal do Paraná.

O diferencial é que Silvia não tenta esconder ou camuflar o segmento em que trabalha, na verdade, ela quer é dar visibilidade ao tema da sexualidade feminina. Por isso, ela é conhecida por publicar vídeos nas redes sociais dando dicas sobre os produtos e mostrando as lingeries à venda.

Foge do tradicional uma mãe que trabalha com produtos sensuais e, principalmente, que fale sobre isso abertamente na internet. Colegas do meu esposo perguntam como ele me deixa trabalhar com isso, como se meu trabalho fosse imoral”, lamenta.

Silvia posta diariamente nos grupos de venda nas redes, e afirma que esse é um ótimo canal para fechar negócios. Porém, ela já foi denunciada no Facebook pelo conteúdo das postagens, ficando bloqueada por 30 dias. “As pessoas comentavam nos posts que eu não tenho vergonha na cara, não tenho filhos. Isso acontecia no início das vendas, quando ainda não tinha loja física. Era apenas eu, uma mala e meia dúzia de produtos”, recorda.

Foi com persistência e força de vontade que ela continuou firme em seu propósito, buscando quebrar tabus e garantir o sustento de sua família. Isso fez com que ela se tornasse reconhecida e admirada. “Hoje em dia as pessoas me param na rua para pedir informações de produtos, querem falar sobre os vídeos. Recebo carinho de quem nem conheço e que quer passar a exercer sua sensualidade de forma livre. Ando na rua e sou reconhecida pelo meu trabalho, me olham com respeito e admiração, pois sabem da minha história”, se emociona.

Thallíz Chryscia


O nome de Thallíz Chryscia Armstrong, por si só, já é diferentão. Seu estilo e cabelos coloridos a tornam ainda mais fora dos padrões. Mas ela não se preocupa com isso!

Thallíz tem 37 anos, é advogada, empreendedora e cabeleireira. Ela tem dois filhos: Clarice, de 7 anos, e Luiz Paulo, de 4. “Sou uma pessoa grande, tenho 1,76m e 108 kg, uso cabelo curto e sempre estou mudando a cor dele, tenho tatuagens e um jeito próprio de me vestir, com roupas com personagens. Acho que é isso que faz as pessoas me acharem diferente”, avalia.

Thallíz trocou a advocacia pelo salão de beleza. Agora, ela tem liberdade para expressar sua identidade colorida livremente. Seus 2 filhos foram fundamentais para a decisão. Foto: Arquivo pessoal/Thallíz Chryscia

Se engana quem pensa que aceitar e viver seu estilo único sempre foi algo fácil para ela. Quando era mais nova, lutou para ser uma “pessoa normal”, isto é, se vestir como a maioria. “Mas nunca me encaixei, a começar pelo meu nome. Aos 12 anos, entendi que a normalidade não era para mim e aceitei, mas não foi fácil manter essa identidade, muitas vezes, ela foi apagada por conta da sociedade”, conta.

Para passar na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Thallíz fez uma promessa: só pintar os cabelos novamente depois de ser aprovada. E assim o fez, quando passou, voltou a descolorir as madeixas. “A primeira vez que pintei meu cabelo de rosa foi nas minhas férias de 2016, e foi uma grande satisfação. Mas quando acabou, raspei o cabelo. Em 2019, operei a coluna e fiquei 6 meses em casa, e foi nesse momento que eu me encontrei com as cores. No mercado de trabalho como advogada não conseguiria exercer essa minha nova identidade colorida, então resolvi mudar de área”, comenta.

Com a pandemia de coronavírus, que transformou a realidade mundial, ela começou a investir nos procedimentos químicos para cabelos e produtos específicos. Hoje, Thallíz revende Kamaleão Color e é referência como cabeleireira colorida.

Infelizmente, muitos pensam que a cor do cabelo influência no resultado que as pessoas apresentam, o que é um terrível engano. Uma pessoa realizada com ela mesma produz muito mais, então, é melhor ter um colaborador com autoestima elevada e produzindo, ao invés de alguém normal, mas que não está feliz consigo e acaba deixando a desejar”, diz.

Ela destaca que seus filhos foram os responsáveis pelas mudanças alcançadas na sua vida nos últimos anos. “A pandemia nos permitiu vivenciar a maternidade em tempo integral. Foi uma loucura e uma entrega que até então eu não tinha vivido. Se não fosse pelas crianças, provavelmente não teria me jogado nessa oportunidade, pois foi da vontade de estar com elas durante mais tempo que veio a decisão de empreender e chegar aonde estou hoje”, conclui.

Stephani Gegembauer


A história de Stephani Gegembauer, de 27 anos, mãe de Beatriz, de 9 anos, e de Helena, que ainda está na barriga, passou por transformações recentes. Estudante de Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná, decidiu abandonar o curso no último período após descobrir que a filha tem intolerância à lactose, dedicando-se à cozinha.

Antes de ser professora de culinária, Stephani cursava engenharia civil. Ao descobrir a alergia alimentar de sua filha, começou a estudar gastronomia e decidiu empreender para auxiliar outras pessoas com a mesma condição. Foto: Arquivo pessoal/Stephani Gegembauer


No início de 2021, levei minha filha ao médico porque notei que ela estava diferente. E mãe sabe das coisas. Depois de vários exames, descobrimos que ela tem intolerância à lactose e que deveria fazer uma dieta onde seriam eliminados o leite e seus derivados. Na época, trabalhava no ramo da engenharia civil, mas, após descobrir a restrição alimentar da minha filha, fui gradualmente mudando para a área da gastronomia”, conta.

A mudança se deu por conta da dificuldade em encontrar estabelecimentos que comercializassem alimentos produzidos sem lactose. Ela não conseguia levar a filha a restaurantes e padarias, por exemplo, porque a criança não podia comer o que era servido.

Se para um adulto já é difícil sair para um passeio e não comer nada, imagine para uma criança! E isso me deixava muito chateada. Como mãe, queria me sentir segura vendo minha filha comer um pedaço de bolo, por exemplo”, explica.

Por isso, ela passou a compartilhar nas redes sociais informações sobre a intolerância à lactose e receitas seguras. Várias pessoas se identificaram e aprovaram a ideia das receitas, o que fez com que Stephani começasse a empreender na área gastronômica.

Em abril de 2021 ela abriu sua empresa e começou a fazer bolos, tortas, brigadeiros e chatilly para vender, tudo sem leite. “Passei a estudar muito sobre a alimentação sem ingredientes de origem animal. Fiz cursos, workshops e foram muitas tentativas e erros. Foi quando comecei a ser chamada por confeitarias da cidade para fornecer meus produtos e por escolas de profissões para ensinar o que havia aprendido”, comenta.

Hoje, Stephani é professora de culinária e compartilha tudo o que aprendeu para ajudar quem tem as mesmas condições de sua filha. “Ser mãe não é uma receita de bolo, em que vem todos os ingredientes e sai a mãe perfeita. A minha diferença está na construção diária. Observando, escutando e aprendendo um pouquinho a cada dia, sem medo de mudar completamente minha vida para ver minha filha bem”, finaliza.

Malu Rosnieski


Maria Luiza Rosnieski, mais conhecida como Malu, de 25 anos, tem 4 filhos: os gêmeos Maju e Pietro, de 2 anos, Bernardo, de 4, e Maria Cecília, de 7 anos. “Sou feminista, musicista, plus size e tenho 4 filhos. Diferentona demais”, se diverte.


Malu é cantora e vocal coach e, para dar continuidade à profissão após o nascimento dos filhos mais novos, decidiu dar aulas de canto. Ela sente na pele a discriminação por conta da maternidade.

Quando as pessoas veem que tenho 4 filhos, reagem sempre da mesma forma: me tachando como louca e até irresponsável. Já senti muitas vezes certa falta de credibilidade no meu trabalho por ser vista como ‘aquela que tem um monte de filhos’, e já ouvi perguntas como ‘quem é que fica com as crianças?’”, comenta.

Porém, mesmo com os olhadores julgadores, ela não se intimidou e focou sua atenção em exercer a profissão de forma mais tranquila enquanto os filhos ainda são pequenos. “Ter uma agenda fixa para me apresentar é mais difícil por enquanto, mas decidi focar em administrar aulas de canto, pois posso trabalhar em horários variados que se encaixam na minha rotina. Portanto, me apresento pouco, mas me dedico ao vocal coach, que me possibilita uma entrega maior como profissional”, diz.

Em sua opinião, a sociedade ainda não reage bem ao ver uma mãe se comportando como uma mulher livre. “É até estranho de falar, mas é isso mesmo. É como se a mulher precisasse se anular para poder caber na maternidade, deixando hobbies, sonhos, estilo e até a sensualidade de lado. E é justamente por ser e viver contra esse tipo de pensamento que me considero diferentona”, destaca.

Para as outras mães, Malu deixa uma mensagem de empoderamento. “Gostaria de dizer a todas as mamães: seja você, se divirta, se arrume, se solte, pois, antes de ser mãe, você sempre foi mulher e só uma boa mulher pode se tornar uma boa mãe. Portanto, cuide da sua mente, do seu corpo e o mais importante: seja grata pelo dom da vida, pois você é especial mesmo sendo a mais diferentona das mamães”, finaliza.

Edilaine Priscila

“Esse papo de mãe solteira não existe mais. O diferente é o novo comum”, diz a socorrista Edilaine, mãe da Júlia. Foto: Arquivo pessoal/Edilaine da Silva

Edilaine Priscila Gonçalves da Silva, de 30 anos, é socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), e tem uma filha de 2 anos, a Júlia. Ela é mãe solo e se divide entre a profissão e a maternidade.

Esse papo de mãe solteira não existe mais, o diferente é o novo comum. Amo ser mãe e a minha maternidade, mesmo corrida e dinâmica, me garante um sentimento recompensador e prazeroso”, diz.

Porém, ela reconhece que ser mãe solo, sem poder contar com o apoio do pai da criança para auxiliar nas responsabilidades da criação, significa abdicar de muitas coisas. “Por isso, conto com uma rede de apoio formada pelos meus pais e babá. Mas o privilégio de ser mãe vai muito além de um parceiro, uma barriga, uma fertilização; vem do amor, de amar ao filho como a si mesmo”, comenta.

Edilaine afirma que sempre conseguiu conciliar a profissão de socorrista com a maternidade. “Nunca achei que precisava abrir mão nem de uma coisa nem de outra. Mas precisei adaptar as duas funções para unir minhas duas paixões: minha profissão e minha filha. Voltei a trabalhar me sentindo uma mulher muito mais completa e realizada”, conta.