“Vazada” é crime popular em Paranaguá e sistema portuário luta para diminuir incidências


Por Redação JB Litoral Publicado 25/05/2021 às 14h17 Atualizado 16/02/2024 às 03h13

Por Marinna Protasiewytch

Paranaguá é considerada uma das principais cidades na rota de escoamento de produtos do Brasil. As projeções feitas pela Companhia Nacional de Abastecimento indicam que este ano o país poderá ter uma safra recorde, colhendo 134 milhões e 953 mil toneladas de soja. Toda essa produção é levada, principalmente, via transporte terrestre de cargas, pelos caminhões e, com isso, o problema das vazadas também passa a ter um aumento exponencial.

O JB litoral foi até as ruas e, de forma unânime, os caminhoneiros disseram: as vazadas são uma situação corriqueira na cidade de Paranaguá. Esse tipo de crime consiste na abertura de bicas e tombadores dos caminhões que trafegam em baixa velocidade pelo perímetro urbano. Com isso, a carga que cai na pista é varrida, ensacada e roubada por indivíduos.

Luciano Santos, caminhoneiro há 4 anos, transporta cargas pelo estado e vem à cidade portuária, pelo menos, duas vezes por semana, ele destaca que “tá feia a questão da segurança. Bem devagar, a área do pátio de triagem é complicada. Tem muita lombada, então tinha que ter menos quebra-molas e mais reforço da polícia pra não ter esse problema”.

Já Wagner Luiz Santana, que também é caminhoneiro diz que “é complicado, porque qualquer lugar que você vai, o povo rouba suas coisas, para no sinaleiro já mete arma na nossa cara. Do pátio de triagem em diante. No sinaleiro perto do centro, é o que mais dá problema”.

Segundo o delegado Nilson Diniz, da Civil, “houve um aumento no número das vazadas. A gente vai entrar no período de safra, normalmente o fluxo de caminhões aumenta e, consequentemente, as vazadas. Esses furtos qualificados têm um aumento em relação a eles. Mas a Polícia Civil já está atenta para isso. Não só a PC, como a Polícia Militar, a Guarda Civil Municipal, já estamos buscando em conjunto soluções pra isso”.

O secretário Municipal de Segurança de Paranaguá, João Carlos Silva, contou que “essas vazadas têm atrapalhado muito o fluxo dos caminhões, principalmente no horário noturno e no fluxo pela manhã. Tenho conversado muito com o delegado Diniz sobre esses furtos, até porque há droga e toda a parte ilícita envolvida”.

“Muitos caminhoneiros já vêm para a cidade com medo de serem roubados. Mas estamos fazendo o possível para tentar coibir essa modalidade dentro do município. Eu acredito que tem solução, porque são locais pontuais, na entrada do pátio e próximo da praça do Samambaia. Acredito que, com investigação e afinco, vamos chegar nos autores e, definitivamente, acabar com essa prática”, pontuou o secretário.

Situação ultrapassa o simples roubo da carga

Por conta das ações de criminosos, a carga cai no asfalto e o peso registrado em nota fiscal muda. Com isso, há um grande problema na logística de transporte e descarga. Segundo a Associação Nacional Pró Caminhoneiros e Transportadores (PRO-CAM), o prejuízo quase sempre é cobrado do motorista.

“Apesar do seguro das cargas existir, há uma cobrança em cima do caminhoneiro, e o desconto é feito no ato, quando ele vai receber o pagamento pelo frete carregado. Nós prestamos assistência a muitos desses motoristas, que relatam descontos parciais ou totais no pagamento, o que não é permitido por Lei”, afirmou por meio de nota à PRO-CAM.

Wagner Luiz Santana revela que chegou a perder tudo por conta de uma grande vazada em uma de suas viagens. “A transportadora cobra bastante da gente. Se caiu a carga no chão, estamos pagando. Já tive carga aberta, não lembro quanto tive que pagar, mas descontou do frete e ainda tive que fazer mais uma viagem”, lamentou o caminhoneiro.

João Carlos Martins, supervisor operacional na JRF Transportes e Containers, responsável pela parte de seguro das cargas, diz que “a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reitera a obrigatoriedade do RCTR C [um tipo de seguro de carga]. Na cobertura por parte da seguradora, é incluído a “avaria”, ou seja, não por ação humana, apenas por deslocamento da carga e etc.”.

Com isso, o segurador afirma que a prática mais comum é a de oferecer orientações aos motoristas, com folders e termos de responsabilidade para que eles façam o fechamento das bicas e tombadores com cadeados, já que a trava original é frágil. “Esse tipo de crime e volume só tem em Paranaguá. Trabalho com o Porto de Santos, o volume de carga é monstruoso, mas há zero vazamento devido à ação dos marginais”, pontua.

O delegado da Polícia Civil indica que a orientação é que os “caminhoneiros não deixem de lacrar os tombadores, para que realmente dificulte a ação dessas pessoas envolvidas nos crimes de vazada”. Ele ainda complementa destacando a importância de se registrar o Boletim de Ocorrência (B.O.), quando há esse tipo de caso.

“É de extrema necessidade que o caminhoneiro, que for vítima desse furto qualificado, registre a ocorrência. Porque é com base nessas ocorrências que as polícias confeccionam seus planejamentos estratégicos e operacionais. Se nós não tivermos conhecimento da prática da vazada, se ela não for noticiada [oficialmente], nós não temos como realizar ações com base nesses indicadores pra coibir essa espécie de crime”, expõe Diniz.

Principal ponto de vazadas

Todos os anos, as Polícias Civil e Militar realizam a operação “Carga Segura”, durante o período de safra e aumento do número de caminhões na cidade. Normalmente, as ações são deflagradas em abril, mas até agora não houve a comunicação de que ela tenha sido iniciada em Paranaguá.

Delegado da Polícia ivil de Paranaguá Nilson Diniz. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral

No entanto, algumas ações realizadas na cidade pela PC acabam resultando na apreensão de envolvidos com esse tipo de esquema. “A operação que foi feita na vila São Jorge, um importante ponto de vazadas, embora seja focada na repressão a homicídios, ela também acaba capturando possíveis envolvidos com vazada. Então a PC vai intensificar as ações na vila São Jorge, já que ela é, estrategicamente, uma região que é muito importante e possui uma parcela grande na realização dessas vazadas no nosso município”, declarou o delegado Nilson Diniz.

Ele conclui informando quais são os tipos de punição para quem for pego no envolvimento desse esquema que assola a cidade. “A pessoa que for pega ensacando pode responder pelo furto qualificado e também por associação criminosa. Aquele que adquire o produto da vazada, pode responder por receptação de produto de furto, essas são as consequências”, ressaltou.

Guarda Portuária

Em nota, a Portos do Paraná, por meio do Major Kamakawa, chefe da Unidade Administrativa de Segurança Portuária (UASP), afirmou que “a Guarda Portuária possui atuação restrita dentro da área da poligonal, mas busca colaborar com as demais Forças de Segurança, por meio da troca de informações e operações conjuntas dentro da área atendida. Vale destacar que os casos mais comuns de “vazadas” são registrados na entrada do município de Paranaguá, fora da área de competência da Guarda Portuária e onde também há conflito de atuação entre Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, já que se trata de rodovia federal”.

Sendo assim, o porto de Paranaguá, que deve receber, pelo Corredor de Exportação, produtos dos estados do Paraná, com cerca de 70% do volume movimentado, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, assim como todos os envolvidos no transporte de carga, acabam sendo vítimas das ações de marginais.