APPA alega invasão e quer retirar cantinas e comércios da Rua Manoel Bonifácio


Por Redação JB Litoral Publicado 21/01/2015 às 06h00 Atualizado 14/02/2024 às 05h26

Dia 13 de abril de 2005. Data que deflagrou o início do pesadelo para os cantineiros que, por 30 anos, atuaram no interior do pátio de triagem da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA) e a justiça determinou que fossem retirados. 

Na época foi o fim de uma batalha judicial, que iniciou com o porto pedindo na justiça a reintegração de posse do local onde estavam os cantineiros, alegando a necessidade de fazer a remodelagem das instalações. Em Paranaguá, o juiz Hélio Arabori negou a reintegração e o porto entrou com agravo de instrumento no Tribunal de Alçada, que também negou o recurso. O porto não desistiu e assunto foi para a Câmara Cível do Tribunal de Alçada, que é formada por três juízes. Dois deles deram a reintegração de posse ao porto e os cantineiros foram obrigados a sair no dia 13 de abril, quando as instalações foram totalmente demolidas.

Passados nove anos deste drama que gerou tumultos, protestos e até paralisação do escoamento da safra no porto, mais uma vez, a APPA investe na retomada de uma área que alega lhe pertencer e, mais ainda, diz estar dentro da área do porto organizado.

A área em questão localiza-se após a calçada da Rua Manoel Bonifácio e conta com cerca de 18 cantinas, imóveis sindicais e outros comércios, entre eles, um posto de atendimento telefônico. Durante muito tempo no passado, até mesmo um posto bancário estava instalado no local, tradicionalmente conhecido pelas opções de lanches, refeições e bebidas para trabalhadores da região, principalmente os trabalhadores portuários avulsos (tpas).

Na última terça-feira, 6, o chefe da Guarda Portuária da APPA, Coronel Antonio Kasczeszen Jr., pessoalmente esteve no local levando uma notificação extrajudicial, assinada pelo diretor presidente da Appa, Luiz Henrique Tessuti Dividino, pedindo a desocupação da área no prazo de 30 dias, para que seja integrada a logística própria da operação portuária.
A ação surpreendeu os permissionários das cantinas e de outros comércios e, alguns se negaram assinar o recebimento da notificação extrajudicial, como o proprietário do tele posto Almir Oliveira, que tirou uma cópia da notificação para usá-la em sua defesa na justiça.

Ressarcimento e danos morais

A reportagem do JB conversou com alguns permissionários para saber o que pretendem fazer em razão desta situação e um dois cantineiros, Fernando, que trabalha há oito anos no local, disse que não foi notificado, mas se tiver que desocupar a área, sairá sem maiores problemas. Por sua vez, a cantineira Magali que recebeu a notificação, ressaltou que está há 20 anos trabalhando na área e que, recentemente, terminou de pagar a reforma da cantina no valor de R$ 35 mil. Ela contestou a afirmação do Coronel Kasczeszen de que não pagava água e luz e que eles eram invasores na área portuária. “Pago só de água R$ 300 e mais R$ 150,00 de luz. E tem mais, aqui não é porto, aqui passa ônibus, táxi e turismo. Não somos invasores, somos permissionários, alguém permitiu que estivéssemos aqui”, desabafou a permissionária. Ela disse ainda que os comerciantes locais se uniram e contrataram um advogado para defendê-los e que não irão sair sem lutar pelos seus direitos. “Não me nego a sair, mas quero recuperar tudo o que gastei”, garantiu Magali. Por sua vez, a evangélica da Igreja Assembleia de Deus, Juliana Colaço de Oliveira, disse que está com sua cantina desde 2001, mas que antes dela a sua família já estava trabalhando lá há 30 anos. Ela informa que não apenas trabalha na cantina, como mora com seu filho e que não tem para onde ir. “Tenho filho para criar”, diz preocupada a permissionária. Ela também rebateu o coronel Kasczeszen, garantindo que paga água, esgoto e luz. Envergonhada pela alegação da APPA que na área existe prostituição e venda de droga, a evangélica garante que ela e os demais cantineiros pretendem cobrar na justiça a veracidade desta informação e que pretende pedir indenização à APPA por danos morais. Juliana recorda-se da época de 2005, quando foram retirados os cantineiros do pátio de triagem e disse que a APPA foi até o local e fez o recadastramento de todos os permissionários no porto. Sua revolta maior, porém, foi com a atitude do coronel Kasczeszen ao informar sobre a desocupação da área. “Ele chegou e disse: “eu vim avisá-la que amanhã cedo vai vir um caminhão e a senhora vai pegar sua mudança e sair, pois a tarde estaremos desmanchando tudo. Eu disse não, cadê a ordem judicial para fazer isso?” relatou Juliana.

TAC com MPPR

De acordo com a notificação extrajudicial recebida pelos cantineiros, a APPA alega o desejo de promover a conservação e ressalvas de seus direitos. Além disso, informa a existência de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público do Paraná (MPPR) no inquérito civil número 0103.11.000082-7 e da ocupação ilegal e irregular de imóvel localizado supostamente dentro da área do porto organizado sob sua jurisdição para cobrar a desocupação da área.

O que diz a APPA

A reportagem do JB procurou a APPA, através do setor de “Atendimento à Imprensa”, na pessoa de Pedro Brodbeck que respondeu aos questionamentos. De acordo com a Appa, o ato de retomada da área se deve a uma orientação do MPPR direcionada, especificamente para as cantinas localizadas no Pátio de Triagem da Appa. Porém, a orientação é estendida para os demais espaços onde existam situações similares, ainda que situada em outras áreas da cidade. Broddeck disse ainda que esta medida é respaldada por decreto da presidência da República, que estabelece as áreas do porto organizado. No que diz respeito a denúncia sobre a venda de drogas e prática de prostituição no local, a Appa disse que elas são anônimas e postas verbalmente junto a funcionários da APPA, seja por conta de venda de drogas, prostituição, falta de condições sanitárias de cantinas, etc. a Nota ressalta que os denunciantes permanecem no anonimato pois caso contrário fariam denúncias e registros de ocorrência nos órgãos competentes. Estas informações foram levadas também ao MP.

A Appa disse ainda que o Chefe da Guarda foi designado para entregar as notificações extrajudiciais e que poderia ser qualquer outro funcionário da empresa. A nota encerra afirmando que os imóveis são de propriedade do Estado e que não cabe nenhuma indenização. Quanto aos bens móveis estes devem ser removidos pelos interessados. O JB recebeu da Appa cópia do TAC firmando com o MPPR e observou que a orientação não se limita a retirada dos cantineiros do local, o que pode ser feito até o dia 30 de abril, através de reintegração de posse. O TAC sugere ainda, em sua clausula quinta que a Appa, caso opte por prosseguir concedendo o espaço aos cantineiros, que assuma a obrigação de fazê-lo mediante ato de concessão remunerada de uso, precedido de procedimento licitatório, a ser iniciado a partir do dia 1º de julho deste ano. O que significa que a retirada dos cantineiros não é a única orientação do Ministério Público do Paraná.