“Estão matando mãe e filhote”, diz pescador artesanal sobre período de defeso do camarão


Por Luiza Rampelotti Publicado 20/04/2022 às 10h25 Atualizado 17/02/2024 às 06h42

Visando proteger os camarões durante o período de reprodução e crescimento das espécies, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) institui, anualmente, o período de defeso do dia 1º de março até 31 de maio (Lei nº 11959/2009). Durante estes três meses, a pesca com tração motorizada de camarão rosa, sete-barbas, branco, barba russa e vermelho fica proibida em todo o território nacional (em mar aberto), com o objetivo de garantir a manutenção ou recuperação dos estoques pesqueiros.

No defeso, quem for flagrado desrespeitando a Instrução Normativa nº 189/2008, do Ibama, pode ser processado pela prática de crime ambiental e estará sujeito à multa, cujo valor varia de acordo com a quantidade de camarão apreendida. Os itens utilizados na pesca também são apreendidos.

Não respeitar os períodos de defeso implica em colocar em risco não só a biodiversidade marinha, mas também a sustentabilidade da pesca como atividade econômica. Para evitar o descumprimento da regra, o Governo Federal garante o seguro-desemprego durante esse tempo.

Para o pescador artesanal Álvaro Cunha, de Guaratuba, ao seguir as regras estabelecidas em respeito aos ciclos da natureza, o maior beneficiado é o próprio pescador, que poderá continuar exercendo a atividade ao longo dos anos sem a preocupação da extinção das espécies. No entanto, ele não concorda com o atual período de defeso do Camarão-sete-barbas.

Defeso na data errada?


“O defeso era para acontecer de outubro a dezembro, que é quando a maioria dos camarões desova: o rosa, branco, perereca e sete-barbas. Com o defeso agora, estão matando mãe e filhote, e tem que mudar isso para quando ele está desovando, porque o sete-barbas é um camarão que sustenta toda a costa do Brasil”, comenta.

Segundo ele, que é presidente da Colônia de Pescadores Z7, e que reúne mais de 900 pescadores artesanais, é necessário ouvir aqueles que praticam a pesca artesanal e conhecem a realidade do mar. Ele afirma que, da forma que está, o atual defeso acabará prejudicando ainda mais a pesca de camarão, que já está “com os dias contados”.

É permitido pescar de outubro a dezembro e isso vai acabar com o camarão no Brasil. Na verdade, já não existe licença nova para pescar camarão porque estamos ultrapassando a cota, isto é, estamos pescando mais do que repondo. Já existe parecer técnico de que em alguns anos não terá mais camarão no país. Enxergo o defeso de março a maio como uma política que não está pensando no dia a dia do pescador artesanal”, opina.

Álvaro é pescador desde que se lembra. Filho de pescadores, começou a acompanhar o pai em mar aberto aos 5 anos. De lá para cá, nunca se desviou da atividade, que segue exercendo aos 57 anos de idade. Porém, de seus 8 filhos, poucos decidiram continuar a tradição.

A pesca foi me passada de pai para filho, desde pequeninho. A maioria da nossa família é de pescador, isso já vem no sangue. Tanto que minha mãe, com 78 anos, ainda trabalha com peixes, por meio da peixaria que é onde nós vendemos nossa produção”, conta.

A pesca artesanal está esquecida”, diz pescador

À frente da Colônia Z7 desde os anos 2000, ele avalia que a atual gestão federal, que rege a pesca no Brasil, tem sido uma das piores de todos os tempos. “Acho que estão puxando a sardinha só para os grandes empresários da pesca e acabando com a pesca artesanal, que está esquecida no Brasil. Muito pescador vai receber o seguro só depois que a pesca já está aberta, porque o sistema é muito ruim”, diz.

Ele também afirma que o governo do Estado e a administração municipal não apoiam a pesca artesanal. “O Paraná não ajuda, só faz lei, mas ajudar, não. O Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, do governo Federal, foi um empréstimo para os pescadores e muitos compraram rede, mas a Polícia Florestal, do Estado, tomou 80%. Não se coloca quem tem treinamento para prender bandido para, também, apreender mulheres e filhos de pescadores, pois são sem educação, nos tratam mal, inclusive, batem”, denuncia.

Álvaro diz que os pescadores se acostumaram a lidar sozinhos com a questão da pesca. “Hoje a pesca artesanal sobrevive de pai para filho, então nós, pescadores, temos que cuidar e não acabar com tudo, porque não é só a minha família que vive da pesca, a atividade movimenta uma cadeia inteira. Tem o pescador, mas tem quem vende o combustível para o pescador, o dono da salga, onde trabalha a descascadeira, dali o atravessador e o comprador. Assim caminha uma geração que sobrevive da pesca e precisa de apoio”, comenta.

O JB Litoral entrou em contato com a assessoria de imprensa do Estado, que informou que é o Instituto Água e Terra (IAT) que lida com a pesca artesanal. Já o IAT afirma que o órgão trabalha somente na fiscalização de pesca, licenciamento e comércio irregulares. “Nós atuamos na fiscalização, mas desconhecemos autuações apenas pela atividade da pesca artesanal”, diz.

O departamento de jornalismo também enviou questionamentos ao Município, por meio de sua assessoria de imprensa, a respeito das atividades de valorização da pesca artesanal na cidade. Além de perguntas à secretaria de Aquicultura e Pesca, do Governo Federal. No entanto, até a conclusão desta reportagem, não houve retorno.

Dia a dia de uma descascadeira

Com o defeso do camarão, as descascadeiras (quem limpa o camarão para a comercialização) acabam tendo menos serviço durante os três meses. Em Guaratuba, elas ainda conseguem se manter porque existe a possibilidade da pesca e comercialização dos camarões de cativeiro e da baía.

Luíza Viana é descascadeira desde 2005, trabalha na salga, e conta que a atividade não é tão simples como parece. “Muita gente pensa que é fácil limpar o camarão, mas a gente começa de madrugada, praticamente às 2h, e fica até às 7h da manhã descascando. Eu volto às 13h e continuo até às 17h. Fico descascando camarão o dia inteiro. São cerca de 50 kg por dia”, conta.

Ela explica que, com o defeso do mar aberto, em Guaratuba os pescadores pescam o camarão branquinho, que é a espécie presente em cativeiro e na baía. “A gente ainda consegue ter trabalho umas duas vezes na semana por causa disso, se não, não sei o que seria”, comenta.

A descascadeira revela que, quanto menor o camarão, mais difícil para descascar. “Ninguém sabe o trabalho que dá, só compram e comem limpinho. Quanto menor, como o sete-barbas, mais difícil é”, diz.

Mas se engana quem pensa que, por trabalhar o dia todo descascando camarão, eles podem aproveitar o sabor do fruto do mar com frequência. “É muito bom, mas com o preço que tá, não dá para comer sempre, não”, brinca Luíza.