“Eu danço pela alma”, diz Gabriel, jovem autista de 25 anos que tem o sonho de conhecer o Justin Bieber


Por Luiza Rampelotti Publicado 26/05/2023 às 10h35 Atualizado 18/02/2024 às 12h21

Um jovem de 25 anos, com desejos e vontades como qualquer outro, mas com algumas diferenças limitantes: diagnóstico de Epilepsia, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esse é Gabriel Marinho Konart que, apesar das limitações, não desiste do sonho da dança e… de conhecer o Justin Bieber.

Na verdade, segundo sua mãe, Eloísa Marinho, é a dança que o salva todas as vezes que as dificuldades aparecem, e é a vontade de conhecer o Justin Bieber que o mantém firme. Gabriel estava internado após uma crise convulsiva quando decidiu sair do internamento direto para uma apresentação na 2ª Mostra de Dança de Pontal do Paraná, no final de abril. Ainda meio sonolento e cheio de remédios, ele disse para Eloísa a seguinte frase: “Deixa comigo, mãe!”. E foi.

No espetáculo apresentado junto ao grupo o qual faz parte, o Conexão Hits, Gabriel deu um show a parte em sua performance solo. Ele arrasou ao som de Eenie Meenie, de seu ídolo Justin Bieber, e foi super aplaudido pelo público.

Danço pela alma”, diz Gabriel


Em uma conversa com o JB Litoral, durante um ensaio do grupo, na Casa da Cultura, em Pontal do Paraná, Gabriel contou sobre o início do seu amor pela dança. “Eu era criança e gostava de imitar o Michael Jackson, mas um dia minha mãe me apresentou o Justin Bieber e virei fã”, diz.

Gabriel é natural de Florianópolis (SC) e sua mãe, Eloísa, de Paranaguá, mas ela morava na cidade catarinense há 25 anos. Atualmente, vivem em Pontal do Paraná. Há cerca de um ano, o jovem conheceu o grupo Conexão Hits e encontrou o local perfeito para fazer o que mais ama, além de socializar e fazer amizades. Tudo isso virou sua terapia.

De lá para cá, ele já se apresentou cerca de 10 vezes em eventos de várias cidades do Litoral, tanto com o grupo quanto em performances solo, sempre representando o Município. Nervoso? Que nada! Gabriel diz que fica super tranquilo durante seus shows.

Não fico nervoso quando me apresento, eu adoro dançar, o que não gosto é de desenhar. Quando estou dançando, danço pela alma e pelo coração; quando meu olho ficava torto [por conta das medicações, que deixam a visão turva], era a alma que me guiava”, revela.

Mas Gabriel também lembra dos momentos em que não sentiu tanta alegria; época em que enfrentou muito preconceito e bullying devido às diferenças. “Já sofri bullying na vida, já me jogaram no latão do lixo do colégio. Mas não vou falar mais sobre isso, é passado. Hoje encontrei o futuro”, crava.

Eloísa Pinheiro, mãe do jovem, luta pelo sonho do filho em conhecer Justin Bieber. A hashtag #GabrielquerconheceroJustinBieber tem sido divulgada e o objetivo é que chegue a alguém que possa ajudar. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral

Mãe e especialista em autismo


Psicóloga, especialista em neuropsicologia, proprietária de uma clínica que oferece serviços de psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia, fisioterapia, nutrição e musicoterapia, em Paranaguá, e que já se tornou referência em autismo, a DesenvolveSER. Eloísa Marinho conta que não foram tanto as especializações que a tornaram uma especialista em autismo, mas, sim, ser mãe de um.

A história dos dois começa desde antes do nascimento do filho, que ela chama de seu desde que ele tinha três dias de vida. “Eu queria muito adotar uma criança, sempre foi meu sonho, e uma amiga minha, ainda em Florianópolis, contou que tinha uma pessoa que estava grávida e não teria condições de cuidar, e eu já falei: é meu! Passou a gestação e, quando ela teve o bebê, com três dias de vida, fiquei com ele. Legalizamos tudo mediante o juiz, mas a verdade é que o Gabriel sempre foi meu”, conta.

Eloísa não sabia dos problemas de saúde da criança, que logo começaram a aparecer. Aos três meses de vida, o menino passou a ter crises convulsivas de difícil controle e foi diagnosticado com epilepsia. Aos sete anos veio o diagnóstico de TDAH. Mas, apesar da confirmação, ela sentia que o quadro ainda não estava completamente fechado.

Ele tinha comportamentos diferentes, mas a confirmação de autismo veio apenas depois que consegui documentar tudo. Eu mesma tive que fazer a avaliação nele, provar para os médicos, e só em 2020 ele teve o diagnóstico”, diz.

A batalha para fechar a diagnose foi por conta da falta do principal sintoma do TEA, que é a dificuldade de comunicação e interação, já que Gabriel sempre foi muito verbal e sociável. “Mas ele tem todos os outros sintomas, como a hipersensibilidade aos sons, desorganização sensorial, seletividade alimentar etc.”, comenta.

A dança é o remédio de Gabriel


A mãe conta que, apesar das dificuldades, Gabriel concluiu o Ensino Médio no ensino regular, em Paranaguá. Depois, até pensou em fazer faculdade, mas preferiu se dedicar à dança.

Devido às crises convulsivas, ano após ano ele sofre perdas nas funções cognitivas e, embora faça as terapias necessárias, isso não é recuperado. Por isso, para manter uma boa qualidade de vida, hoje ele conta com a psicoterapia semanalmente e com as aulas de dança e sensoriais.

O Gabriel já fez aula de violão, de bateria, de teclado, mas ele não se adaptou a nada, somente à dança. Então a dança é a profissão dele e a terapia também”, diz Eloísa.  

Ela conta que percebeu que a dança era o “remédio” do filho há cerca de dois anos, quando ele conheceu as oficinas da Casa da Cultura e, posteriormente, passou a integrar o grupo Conexão Hits. “Ele podia estar com gripe, doente; podia estar frio, chovendo e mesmo assim queria vir e, por ele, vem todo dia. Então me conscientizei e, felizmente, conseguimos achar o lugar certo, pois não é todo mundo que tem esse olhar de inclusão e acolhimento que esse grupo tem”, afirma.


Sobre o Justin Bieber, a mãe, que já está cansada de tanto ouvir as mesmas músicas, conta que só a “Alexa” tem aguentado a paixão de Gabriel. “O Justin é o hiper foco dele; ele amanhece cantando, passa o dia todo ouvindo, é fixação. Só a Alexa aguenta”, se diverte.

Mãe também tem perrengue


Eloísa reconhece que, na maioria das vezes, as mães ou cuidadoras de autistas não são adequadamente visibilizadas: ora são vistas como guerreiras com uma missão ora sequer são enxergadas. Nos dois casos, os impactos não são positivos.

Ser mãe de autista nunca é leve e não dá para romantizar. Pode ser visto como uma missão, mas não é fácil. Eles se desorganizam, têm crises, às vezes não dormem, e você tem que trabalhar, tem uma vida, pois tem que manter a família. Às vezes, afeta os casamentos, relacionamentos; então é um caminho árduo. É uma jornada de terapias, médicos especialistas, etc. O Gabriel, por exemplo, não pode ficar sozinho por causa do perigo das crises. Mas o que nos fortalece é o desenvolvimento deles, a superação, as conquistas”, desabafa.

Ela também destaca a importância de uma rede de apoio e, especialmente, que a mãe do autista tenha alguém para lhe dar suporte. “Sempre tive alguns anjos que me ajudaram a cuidar dele. Mas a mãe também precisa ser cuidada e de terapia de apoio. Eu, como psicóloga, acredito que já tinha um preparo para enfrentar essa situação, mas também tenho meus perrengues e, por isso, também tenho minhas terapeutas”, conclui Eloísa.

Conexão Hits


O Grupo Conexão Hits surgiu em abril de 2022, através da oficina de dança que a Casa da Cultura oferece por meio da Secretaria de Esporte, Cultura, Lazer e Juventude de Pontal do Paraná. Os integrantes são alunos da oficina, que ensina dança comercial, mais voltada para apresentações.

A gente trabalha a questão coreográfica, improviso, fundamentos básicos da dança. Qualquer pessoa a partir dos 10 anos, com algumas exceções, pode participar”, convida a oficineira e coordenadora Walderia Mirelle.

As inscrições para fazer parte da oficina de dança, que é gratuita, estão abertas. As aulas acontecem duas vezes por semana, no período da tarde ou da noite, dependendo da preferência do aluno.

Para se inscrever, a pessoa vem e faz uma aula experimental e, se gostar da oficina, faz a inscrição. A Casa da Cultura fica localizada no Balneário Primavera, na Avenida Tom Jobim, e funciona de segunda à sexta das 8h às 12h e das 13h30 às 19h”, diz Walderia.