Fandango: cultura proibida que virou Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil


Por Redação JB Litoral Publicado 29/07/2017 às 00h17 Atualizado 14/02/2024 às 20h41

Animada tradição cultural musical, que aportou no país por volta do século XVII e foi proibida na época do Brasil Império pela elite monárquica, desde 2014, o Fandango de Paranaguá se tornou Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil. O título foi concedido pelo Ministério da Cultura, ainda na gestão do Prefeito Edison de Oliveira Kersten (PMDB), e foi prestigiado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), quando ainda existiam as fundações municipais de Cultura e Turismo na cidade.

Mas, para chegar neste apogeu, segundo o mais jovem Mestre de Fandango, Aorelio Domingues, da Associação de Cultura Popular Mandicuera, esta rica tradição folclórica passou por muitas fases.

 

Principais instrumentos musicais do Fandango, Rabeca, Machete, Adulfo e Viola Beiroa. Foto/Ivan Ivanovick

De origem espanhola e portuguesa, o Fandango reúne diversas etnias em seu cordão umbilical. Esta tradição tem ramificação na Península Ibérica e lembra que instrumentos como o Adufo, que vem do Ardanf, é árabe da mesma forma que a rabeca. Que vem do Rababe, herança Moura enraizada no Brasil desde então.

“Acredito muito que o Fandango que temos aqui é um Fandango nosso, brasileiro, mas que tem origens em outras regiões da Espanha e Portugal” argumenta o mestre.

Ele conta, ainda, que a dança foi proibida no litoral no começo do século XVII, por volta de 1600 com registro escrito, inclusive. “Era proibido porque era tido como indecente e barulhento”, explica.

Aorelio ressalta que o Fandango não se resume a uma dança típica caiçara e que existe todo um contexto cultural, que envolve o canto e a confecção dos instrumentos usados nas apresentações e bailes.

O mestre explica que o Machete vem da região de Braga, a viola Beroa, que dá origem à viola caiçara, vem da Beira Baixa e os Adufos, de origem árabe, vem do Norte de Portugal. Os instrumentos utilizados no Fandango, em Portugal, são de regiões diferentes e, quando os portugueses chegaram à região, também eram de regiões diferentes e, cada um, tocou na sua vertente, e deram a origem ao Fandango, o qual hoje é tocado no litoral.

 

Foto/Marcio TibillettiMestres recebem o Título de Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil concedido ao Fandango de Paranaguá. Foto/PMP

Influência das colônias pesqueiras

O período de proibição do Fandango, nas cidades, foi o que o fez se alastrar e ganhar residência nas comunidades pesqueiras do litoral, tornando a Ilha dos Valadares, seu maior celeiro cultural no Paraná. Porém, apesar da característica familiar com que sempre foi conduzido, o Fandango cresceu e começou a ganhar a elite, os prostíbulos e até distantes cidades como Castro, Ponta Grossa e Foz do Iguaçu passaram a bater o som das tamancas.

O fato do Paraná, historicamente querendo ter característica ‘europeia’, proibia tudo o que representava cultura popular, razão pela qual, até hoje, não se vê na capital, Curitiba, grandes festivais de etnias e da cultura popular.

“O Paraná sempre teve esta característica de querer ser europeu e se desfazer da cultura popular. Não tem nenhum festival da cultura negra, nada da cultura do Fandango, o fandango não era só caiçara, depois ele tomou todo um pedaço do Brasil. Desceu até o Rio Grande do Sul, que toca o Fandango com o acordeon e gaita, mas se verificar as letras e as danças é o mesmo tipo. Chama a Rita, o Anu, Queromana. Só que o nosso tem mais swing, mais popularidade, tem um cunho popular, mais acentuado, da para ver que é mais do povo, barulhento, bagunçado, este tipo de coisa”, informa o Mestre.

 

Casa do Fandango na Ilha dos Valadares. Foto: Ivan Ivanovick