Inclusão no mercado de trabalho transforma a vida de pessoas com deficiência em Paranaguá


Por Amanda Batista Publicado 07/06/2023 às 13h17 Atualizado 18/02/2024 às 13h30

A inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) no mercado de trabalho aumenta a diversidade, incentiva a gestão humanizada, amplia a acessibilidade física, tecnológica e, acima de tudo, transforma a vida daqueles que buscam uma oportunidade para provarem que são capazes de prestar serviços como qualquer outra pessoa.

Em Paranaguá, existem 519 pessoas com algum tipo de deficiência, de acordo com o Censo PcDs realizado em 2022, pela Prefeitura. O objetivo do Censo foi identificar, mapear e cadastrar o perfil socioeconômico das pessoas com deficiência, transtornos, síndromes e doenças raras no município.

Esses números revelam não apenas a existência de uma significativa população com deficiência em Paranaguá, mas também evidenciam a importância de enfrentar os desafios e barreiras que dificultam a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, promovendo ações concretas para garantir oportunidades igualitárias e o pleno exercício de seus direitos laborais.

A Lei nº 8.213, de 1991, por exemplo, determina que empresas com mais de 100 empregados devem preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou pessoas com deficiência. A empresa parnanguara Cattalini Terminais Marítimos é uma das instaladas no município que cumpre a legislação; com 550 funcionários, ela possui 23 PcDs em seu quadro de colaboradores, isto é, 4%.

“Nem todos estão preparados para lidar com PcDs”

O funcionário Márcio Oilles do Carmo, de 26 anos, é um dos parnanguaras que fazem parte dessa iniciativa. Diagnosticado com surdez severa na infância, ele estudou em escolas regulares e aprendeu a falar e fazer leitura labial apenas observando e sentindo a vibração dos sons.

Ele conta que o esforço para aprender e se comunicar com os demais era uma tentativa de se sentir “normal” e incluído nas atividades escolares, já que, na época, os colegas desistiam de jogar com ele ou mesmo de interagir por conta da sua deficiência. 

Foi difícil, mas sempre me esforcei para parecer normal. Na adolescência, ficava me olhando no espelho e conversando comigo mesmo, imitava os gestos, a entonação, porque desde criança era notório que eu era diferente; me achavam introvertido porque não respondia”, lembra Márcio.

Durante a busca pela qualificação profissional, ele sempre precisou recorrer à leitura labial, pois as instituições não possuíam profissionais capacitados para atender pessoas com surdez. Apesar do desafio, Márcio conseguiu conquistar seu espaço no mercado de trabalho como auxiliar de comunicação na Cattalini Terminais Marítimos, e como desenvolvedor de sistemas na Faculdade Anhanguera, além de ter aprendido a tocar violão, guitarra e teclado através das vibrações dos instrumentos.

As pessoas acabam excluindo nós, que somos surdos, da área de comunicação. Acredito que nem todos estão preparados para lidar com PcDs”, confessa Márcio.

Márcio entrou no mercado de trabalho em 2015 e, desde então, já trabalhou como auxiliar administrativo, técnico de TI autônomo, desenvolvedor e assistente de comunicação. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral.


Igualdade acima de tudo


Vanessa de Oliveira Souza, de 36 anos, diagnosticada com nanismo, é outro exemplo que demonstra como a inclusão no mercado de trabalho é capaz de promover a igualdade e transformar a vida das pessoas com deficiência. Aos 22 anos, ela foi contratada como agente de segurança em uma empresa local, onde trabalhou por quase 5 anos antes de ser admitida na Cattalini. Hoje, há quase 10 anos na companhia, ela se sente grata por ser tratada como os demais no ambiente de trabalho.

Ser uma pessoa com deficiência é muito complicado, sofremos com o preconceito durante toda a vida. Mas aqui é tranquilo, porque somos todos tratados com igualdade, diferente de outros lugares, como a escola da minha filha, onde me olham de um jeito diferente”, afirma Vanessa.

Ao falar sobre os olhares de julgamento ao buscar a filha Júlia, de 12 anos, na escola, a mãe se emociona. Ser observada pelas crianças e adolescentes desperta memórias traumáticas e a faz reviver momentos de dor e constrangimento que enfrentou ao longo da vida.

Percebemos no olhar o julgamento. Claro que sempre vão nos observar, mas sabemos quando, por trás da observação, há o preconceito”, diz Vanessa. “É mais comum entre crianças e jovens, por isso, acho que é preciso falar mais sobre pessoas com pequenas estaturas, conversar mais, porque nos esquecem mesmo quando falam de outras deficiências”, destaca.

Vanessa trabalha há 14 anos, sendo quase 10 deles na Cattalini Terminais Marítimos como agente de segurança. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral.

Além da importância da conscientização, a agente de segurança chama atenção para a falta de acessibilidade em locais públicos e privados, o que causa diversas limitações no dia a dia. “Aqui, a estrutura é adaptada à minha condição. Porém, tem lojas, postos de saúde, vários lugares de difícil acesso, com balcões enormes, e eu sempre tenho que pedir ajuda para os outros, chamar a atenção, porque eles não têm essa preocupação com acessibilidade”, explica.


Conhecimento transformador


William de Paula Reis, de 30 anos, portador de paralisia cerebral, também entrou na Cattalini há quase 10 anos como agente de segurança. Com o passar do tempo, o jovem foi ascendendo na empresa e passou pelo cargo de auxiliar administrativo até se tornar assistente de ISPS Code.

Ele conta que desde o momento em que entrou na faculdade de Administração, no Instituto Superior do Litoral (Isulpar), até quando arranjou seu primeiro emprego, numa pequena empresa, foi subestimado por aqueles que o rodeavam. Para eles, era extraordinário o fato de o rapaz ter uma vida independente e possuir uma capacidade cognitiva perfeitamente comum, apesar da dificuldade para se comunicar.

Já na Cattalini, além da surpresa no olhar, William enfrentava o preconceito de alguns visitantes que pediam para serem atendidos por outras pessoas por não terem paciência para falar com ele. “Quando eu era agente e me pediam para fazer o credenciamento, achavam isso algo admirável, ficavam impressionados por uma coisa que era minha função. Mas também havia pessoas que não queriam ser atendidas por mim”, lembra.

A dualidade entre o espanto e o preconceito marcaram a trajetória pessoal e profissional do parnanguara. Já na faculdade, tinha professores que o abordavam como se fosse uma criança, comportamento perpetuado até hoje por aqueles que não o conhecem.

William está atualmente na área de Segurança de Navios e Instalações Portuárias, ele atingiu o cargo ao se graduar em administração na Isulpar. Foto: Rafael Pinheiro/JB Litoral.

Quando me comunico, tenho dificuldade para falar, daí a pessoa acha que tenho alguma deficiência cognitiva e passa a conversar comigo como se eu fosse uma criança, ou fica me encarando de um jeito estranho. Acho que isso acontece por causa da ignorância, ela não conhece a minha condição, daí me enche de perguntas e fica surpresa por ver que tenho uma vida independente”, comenta William.

Para o assistente, a conscientização e inclusão é a chave para que as pessoas conheçam melhor as dificuldades e capacidades das pessoas com deficiência e as tratem de forma igualitária. “Antes, as vagas para PcDs eram todas de nível médio para cumprir a lei de cotas, mas agora as coisas estão mudando, tem vagas de nível técnico e superior. Acho que essas oportunidades e a divulgação de conhecimento é muito importante para que as pessoas tenham noção e não julguem a capacidade dos outros só pelo que elas veem”, conclui William.