Mulheres trans também são protegidas pela Lei Maria da Penha, decide STJ; ativista parnanguara comenta


Por Publicado 08/04/2022 às 04h24 Atualizado 17/02/2024 às 05h50
delegacia cidadã
Maria da Penha levou um tiro do marido e ficou paraplégica. Sua história inspirou a criação da lei que inibe violência doméstica. Foto: Reprodução/ Redes Sociais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu por unanimidade, na última terça-feira (5), que mulheres trans e travestis também são protegidas em todo o território nacional pela Lei Maria da Penha.

O ponto analisado pela corte foi o artigo 5 da legislação de 2006 que, para os ministros, caracteriza a violência doméstica contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero, mas que isso não envolve aspectos biológicos.

A discussão surgiu após o Ministério Público de São Paulo recorrer de uma ação, em que a justiça local negou medidas protetivas a uma mulher trans.

Com a temática decidida pelo tribunal colegiado, o entendimento abre precedente para que outros processos, aqueles que envolvem os gêneros homem ou mulher, sejam adequados não somente para a questão biológica, mas também para a compreensão de identidade de gênero.

Ou seja, os ministros entenderam que é mulher as pessoas que se consideram mulheres, independente do gênero designado no nascimento. A regra vale especificamente para a Lei Maria da Penha, mas deve abrir jurisprudência para casos parecidos.

A mulher trans e ativista parnanguara, Maria Fernanda Bravo, acredita que essa mudança é um grande passo no reconhecimento de que pessoas transsexuais devem receber as mesmas obrigações, deveres e benefícios das pessoas cisgêneros (aquelas que se identificam com o gênero que nasceram). “Como parte de uma comunidade em que direitos básicos nos são retirados desde o começo da nossa transição, posso dizer que essas vitórias só ocorrem com muita persistência e luta. Em 2022, em pleno século XXI, o estado brasileiro nos reconhece pelo gênero ao qual nos identificamos. Somos incluídas em conjunto com a população cisgênera, de igual para igual”, celebra, apesar de ressaltar que esse reconhecimento deveria ter ocorrido antes.

Maria Fernanda também reforça que a compreensão do tribunal superior deveria partir de toda a sociedade, sem exceção. “Precisamos falar de mulheres no sentido plural, assim como eu, e também aquelas que foram agredidas, espancadas e mortas para que uma lei enfim fosse sancionada. Isso é triste, de uma forma que inúmeras mulheres trans e cis, sofrem com a violência doméstica, e fora de casa, seja por seus parceiros, familiares ou por transfobia. Mas o que me alegra, é que essa nova geração de mulheres trans que estão por vir serão amparadas pela Constituição. Isso me traz conforto de certa forma, e a garantia de que estamos no caminho certo, lento, porém na direção certa”, diz.

Apesar dos avanços, ainda há portas que não estão abertas de forma igualitária, como o fato de que o Brasil é, desde 2013, o país que mais mata transsexuais no mundo. “Sair na rua sem sentir medo não é um luxo. Isso faz parte da existência humana, é o básico. Convivemos com o medo da violência, da agressão física e moral, do tiro, da facada, da porrada, de ser morta. É completamente sobre isso: direito a vida e a dignidade de existir”, conclui a ativista.