Prefeitura contraria Constituição e garante acesso privilegiado ao Observatório Social


Por Redação JB Litoral Publicado 09/06/2015 às 02h00 Atualizado 14/02/2024 às 08h08

A Constituição Federal, carta magna que rege o país, garante em seu artigo 5° que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e, reforça no parágrafo 14°, a garantia de acesso à informação para todos os brasileiros. Em 2011, a presidenta Dilma Rousseff (PT) melhorou este parágrafo, criando a Lei de Acesso à Informação, 12.425/2011, que criou procedimentos obrigando a União, Estados, Distrito Federal e Municípios a garantir o acesso a informações das administrações públicas no país.

Com o objetivo de reforçar a Lei Federal 12.527/2011, em vigor há quase quatro anos, a Prefeitura de Paranaguá, no dia 28 de abril deste ano, baixou o Decreto 2.550/2015 regulamentando a Lei de Acesso, porém, ignorando o princípio contido no artigo 5° da Constituição, garantiu acesso privilegiado à informação a Organização Não Governamental (ONG) Observatório Social de Paranaguá (OSP), através do Decreto Municipal.

Sem levar em conta o princípio constitucional que “todos são iguais perante a lei”, o Decreto 2.550/2.015, em seu artigo 16°, excepcionalmente, garante tratamento diferenciado a acesso de informações e documentos, para todos os integrantes do OSP, especificamente na área de atuação da ONG.

O Decreto abriu um precedente para que o Observatório Social tenha acesso imediato a documentos relativos a procedimentos licitatórios em curso, assim como a disponibilidade de servidores para atendimento. Também assegurou acesso pleno “aos integrantes da entidade a quaisquer atos que envolvam a seleção de proposta e julgamentos de procedimentos licitatórios, inclusive filmagens das respectivas sessões públicas”.

O Decreto chega ao ponto de incluir como livre acesso a OSP uma obrigação que o município deve cumprir em seus processos licitatórios, através da Lei Federal 8666/93, que é a observância no disposto no artigo 41 da Lei de Licitações.
Chama atenção o fato do Decreto não abrir precedente semelhante para outras ONGs em diferentes áreas de atuação, como a Associação de Defesa do Consumidor e Meio Ambiente (Adecom) do advogado Adalberto Cordeiro Rocha ou ainda a Associação Ambientalista Amigos do Canal do Anhaia – ACA, que desenvolve o Projeto Anhaia Vive da ambientalista Elizete Abigail dos Santos. Da mesma forma, não se abriu precedentes para importantes e conceituadas entidades de classe como a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paranaguá ou Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Diretor da OSP assume secretaria

Nascida em outubro do ano passado por iniciativa de lideranças empresariais locais, o Observatório Social de Paranaguá tem como missão ficar de olho na trajetória dos recursos arrecadados no município destinado a cobrir despesas com licitações. Uma estimativa do Observatório Social do Brasil (OSB) informa que mais de R$ 300 milhões foram economizados nos últimos dois anos no país através dos 89 Observatórios Sociais instalados em 15 estados brasileiros, segundo o presidente da OSP, Everaldo Bonsenhor, empresário que atua no ramo de contabilidade. Ele conta que a ideia surgiu há dois anos, após conhecer outros observatórios sociais pelo Paraná e apresentar a iniciativa para um pequeno grupo de empresários na cidade.

Contudo, o Decreto Municipal garantiu acesso privilegiado a OSP de informações de empresas que possuem relação de contribuintes e com interesse comercial com a prefeitura, em razão das licitações. Empresas essas que, fora da alçada da ONG, podem ser clientes ou não dos integrantes da OSP, como por exemplo, do escritório de contabilidade do presidente. Assim sendo, não só a entidade, mas também os empresários terão acesso pleno e imediato à informação privilegiada, o que pode resultar em conflitos com outras empresas que não integram a OSP.
Vale destacar que, em menos de seis meses da criação do Observatório Social, a ONG foi incluída no Decreto Municipal baixado pelo prefeito Edison de Oliveira Kersten (PMDB) e 15 dias após, o vice-presidente para assuntos de produtos e metodologia, Maike dos Santos, solicitou o seu desligamento da entidade para assumir a Secretaria de Tecnologia da Informação da Prefeitura de Paranaguá. Ou seja, uma secretaria por onde passa toda a informação contábil e fiscal da prefeitura, através do sistema de informatização.

Descumprimento da Lei de Acesso

A decisão de fortalecer a Lei de Acesso à Informação e dar tratamento diferenciado para o Observatório Social contrariou a finalidade de sua criação, onde a prefeitura descumpriu a legislação não atendendo aos pedidos de informações protocoladas pelo JB por quatro vezes de 2013 a 2015, além de dar cumprimento fora dos prazos estabelecidos no artigo 11 da Lei Federal 12.527/2011.
Em 2013 não foi respondido o pedido de informação de todos os nomeados da atual gestão. Em 2014, um protocolo que pedia cópia dos ofícios do Ministério Público do Paraná (MPPR) enviado a prefeitura sobre a ampliação da área de tancagem da empresa Cattalini e outro pedindo a confirmação de comissionados do grupo político do vereador Jozias de Oliveira Ramos (PDT) e, neste ano, da relação da compra de cimento, feitas pela prefeitura de fevereiro a setembro de 2014 também não foram respondidos.
Vale destacar que o descumprimento da Lei de Acesso pelos agentes políticos, de acordo com o parágrafo 2º do artigo 32, constitui em conduta ilícita, podendo responder por improbidade administrativa.

O que diz a prefeitura

A reportagem do JB procurou a prefeitura e questionou porque o prefeito Kersten baixou o Decreto 2.550/2015. A prefeitura, através da Superintendência de Comunicação, disse que o decreto foi baixado para garantir a ferramenta social que se constitui a Lei de Acesso à Informação dentro do município de Paranaguá. O JB questionou ainda quais os avanços da regulamentação municipal da Lei Federal e, segundo a prefeitura, a Lei é recente e, em breve, haverá melhores condições de análise quanto aos avanços. Levando em conta a isonomia de toda e qualquer legislação considerando o artigo 5° da Constituição Federal, o JB questionou o porquê do tratamento diferenciado ao acesso de informações e documentos ao Observatório Social de Paranaguá sendo que a imprensa não recebeu o mesmo tratamento. A prefeitura informou que, excepcionalmente, o Observatório poderá acompanhar os processos. O que não está em acordo com a redação do artigo 16, que não faz menção ao acompanhamento dos processos e sim garante acesso pleno e imediato aos documentos, ou seja, informação privilegiada para apenas um segmento. O JB lembrou ainda que antes do Decreto 2550, a prefeitura já deixou de atender quatro pedidos de informação protocolados pela Lei Federal 12.527/2011 pelo Jornal dos Bairros e questionou a razão do descumprimento, levando em conta que isso resulta da aplicação do artigo 32 desta lei. A prefeitura encerrou dizendo que quanto aos processos apresentados, será levado ao conhecimento das secretarias para que as mesmas possam responder aos questionamentos e o motivo da demora. Assim que houver retorno das mesmas, a Superintendência de Comunicação encaminha o retorno ao jornal.