Profissão perigo: jornalistas relatam momentos tensos no exercício da profissão


Por Redação Publicado 03/05/2021 às 22h21 Atualizado 16/02/2024 às 01h09

Por Cleverson Teixeira

Você, leitor, já imaginou como é a rotina de um jornalista? Se você associou o dia a dia desse profissional com questões que envolvem, principalmente, a correria e o trabalho nos feriados, acertou. Além disso, será que por trás da tela da tevê, das ondas do rádio, das folhas do jornal ou do teclado de um computador existem situações embaraçosas durante a construção de uma reportagem? Segundo os operários da notícia, sim, há muitos imprevistos que acontecem ao longo do percurso da informação. Sem contar os fatos inesperados que, em um determinado momento, mexem com a integridade física, moral e psicológica dos profissionais de imprensa no exercício de sua função.

Diante disso, o JB Litoral conversou com jornalistas do litoral do Paraná, que passaram por algum tipo de intimidação, ataque ou ameaça durante a carreira. Um deles é o repórter Adilson Martins, o qual é bastante conhecido pelos parnanguaras e moradores dos outros seis municípios que integram a região litorânea. Quando começou a atuar, no ano de 1999, em Maringá, disse que teve algumas experiências nada agradáveis ao cobrir crimes. Antes de trabalhar na TV Comunicações Interativas (TVCI), emissora instalada em Paranaguá, ele teve passagens pela TV Record e Rede Massa.

“Durante esse tempo, já fui ameaçado várias vezes. Ameaças que vão desde um recado em sua casa a tiros na frente de sua residência. E algumas a gente não esquece. Em Londrina, no ano de 2003, eu estava no plantão policial e, por volta de 1h, nossa equipe foi comunicada, por telefone, de um possível homicídio no Jardim São Cristóvão. Quando chegamos no local, eu e meu cinegrafista percebemos que era uma tocaia, para nos levar ao bairro por conta de uma reportagem que eu havia feito sobre o tráfico. Fomos diretamente ameaçados e só saímos porque eu conhecia algumas pessoas na região”, relatou.

Tiros em frente à sua casa

E a história do repórter policial não se resume apenas a ataques no norte do Estado. Em Paranaguá também foram registradas ocorrências para intimidar o jornalista. Dessa vez, uma arma de fogo foi utilizada para tentar assustar Martins e sua família. “Já recebi vários recados de pessoas envolvidas com o crime. Em um deles, a pessoa disse que estava de olho em mim, por conta das últimas reportagens. Em outra oportunidade, enquanto acompanhava uma situação de homicídio na cidade, dispararam dois tiros na frente da minha casa e mais dois na frente da casa do repórter cinematográfico que estava comigo”, relembrou.

Por conta dos atos arbitrários à liberdade de expressão e devido à proteção dos seus familiares, ele deixou de lado a cobertura policial, que começou em 2007, quando foi contratado pela antiga TV Serra do Mar, agora, TVCI. Em 2021, ele migrou para a Secretaria Municipal de Comunicação, mas não deixou a comunicação de lado, pois atua como repórter, dessa vez, na área pública.  “Foram inúmeras ameaças e, pensando em minha família, resolvi trabalhar em outra área. Tenho 45 anos e quero me dedicar mais aos meus familiares”, concluiu.

Âncora teve a sua casa apedrejada

O jornalista Rafael Paes, de 38 anos, o qual apresenta o Litoral Urgente – programa veiculado pela TVCI – também já sofreu retaliação por causa de uma reportagem. No jornalismo desde 2001, época em que entrou para a universidade, Paes contou que depois de ter produzido uma matéria sobre tráfico de drogas e desmanche de veículos em Arapoti, região localizada entre os Campos Gerais e Norte Pioneiro, teve a sua casa apedrejada.

Quando escrevia para o jornal Página Um, de Ponta Grossa, eu vinha acompanhando um caso de tráfico de drogas e desmanche de carros em Arapoti e região. Até que cheguei muito perto da quadrilha. Os envolvidos, claro, se sentiram ameaçados, por mais que eu só contasse a história e, até então, sem citar nomes concretos. Certo dia, saí para trabalhar na prefeitura, onde era assessor de imprensa. E, naquele dia, fui a pé, porque morava muito perto da sede. Quando cheguei em casa, no final do dia, a fachada estava totalmente apedrejada por pedregulhos. Havia marcas das pedras pelas paredes, janelas foram quebradas e meu carro teve a lataria amassada”, disse o apresentador.

Rafael conta que teve a sua casa apedrejada quando morava no interior (Foto/arquivopessoal)

O jornalista, que já estagiou no Jornal do Estado, nas rádios CBN e Capital, além de emissoras como a RICTV e Band de Curitiba, explicou os procedimentos realizados após o ato criminoso. Conforme ele, o caso foi direcionado a diversos órgãos responsáveis pela categoria. “Procurei os órgãos responsáveis que poderiam me ajudar em algo. Primeiro, avisei o jornal, que me deu total abertura de escolha em continuar a escrever sobre isso ou não. Fui à delegacia para registrar um boletim de ocorrência. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também foram acionados e se solidarizaram, mandando cartas e pedindo por providências às forças de segurança da cidade”, complementou.

Sobre o desfecho da intimidação, Rafael relatou que não foi comprovada a ligação dos criminosos com o apedrejamento. Mesmo assim, segundo o jornalista, ele e o jornal preferiram o silêncio. “A polícia investigou, mas nunca ficou comprovado que foi alguém ligado à quadrilha. Mas como não tinha inimizade com ninguém, só consigo pensar que o apedrejamento da minha casa tenha ligação com a história de tráfico e desmanche de carros que estava acompanhando. Pelo sim e pelo não, eu e o jornal preferimos nos calar”, finalizou.

JB Litoral já foi alvo de atentado

Vale destacar que, nos primeiros minutos do dia 26 de março de 2018, o extinto Jornal dos Bairros, atualmente JB Litoral, com sede no bairro Costeira, também em Paranaguá, foi alvo de um atentado a tiros. Por conta da ação, a porta de zinco e a de vidro temperado (Blindex) da recepção e outra interna de Blindex, foram destruídas. Na época, o então editor do periódico, o jornalista Gilberto Fernandes, associou o ato criminoso ao fato de o veículo de comunicação possuir uma linha editorial investigativa, imparcial, responsável e ética, independente do segmento a ser informado.

Na ocasião, diversos veículos e segmentos que atuam na área de comunicação, inclusive internacionais, se manifestaram sobre o atentado. No Paraná, o Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) emitiu uma nota de repúdio aos ataques sofridos, em que destacou o episódio como “mais um atentado contra a liberdade de expressão e o livre exercício profissional de jornalistas”.

FENAJ E ABRAJI

De acordo com o relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), divulgado em janeiro de 2021, os ataques à imprensa atingiram um nível nunca visto no país. Segundo os dados repassados pela Federação, em 2020, 428 profissionais foram agredidos, representando um aumento de 106% em comparação com 2019.

Já em relação aos números deste ano, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) afirma que, de janeiro até março, mais de 50 jornalistas foram vítimas de agressão. O órgão cita o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que também é um dos responsáveis por atacar profissionais de imprensa. “Em janeiro deste ano, esses ataques mais do que dobraram se compararmos ao mesmo período do ano anterior. O presidente proferiu 11 das 22 ofensas contra jornalistas por parte de agentes públicos. Ao todo, foram registrados 54 casos de agressão em 2021”, salientou.

Esses crimes contra o exercício da profissão, segundo a Abraji, têm aumentado com a pandemia da Covid-19. “Durante a pandemia, isso tem ficado mais forte, porque o próprio presidente, muitas vezes, atribuiu os efeitos negativos da crise sanitária e econômica, vivida no país, à cobertura feita pela imprensa, e, em diversas ocasiões, chegou a incentivar que a população hostilizasse jornalistas e meios de comunicação”, destacou.

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