Da escravidão à liberdade: por meio da ajuda mútua, Narcóticos Anônimos garante uma nova maneira de viver aos adictos do Litoral  


Por Luiza Rampelotti Publicado 03/07/2024 às 18h21 Atualizado 05/07/2024 às 10h43
Narcóticos Anônimos (NA)
No Litoral, a comunidade tem grupos em funcionamento há mais de 25 anos, com reuniões em Guaratuba, Pontal do Paraná, Morretes e Antonina. Paranaguá deve retomar o grupo em breve. Foto: Juan Lima/JB Litoral

A dependência química é uma realidade cruel que afeta milhares de pessoas em todo o mundo, e no Litoral do Paraná não é diferente. Para combater esse problema, o Narcóticos Anônimos (NA) oferece um programa de recuperação baseado na ajuda mútua, proporcionando apoio e esperança para aqueles que buscam se livrar das drogas.

Eu percebi que cheguei ao fundo do poço quando passei cinco dias seguidos usando drogas, sem dormir, sem comer. Foi então que a polícia e o Conselho Tutelar foram até minha casa e tiraram minha filha de dois anos de mim”, conta Cristina*, de 26 anos, ao JB Litoral. Ela faz parte da irmandade NA em Guaratuba há cerca de dois anos, mas está “limpa” há cinco meses, desde que decidiu parar de usar drogas por si mesma, e não apenas para tentar recuperar a guarda de sua filha. “Quando saiu a decisão definitiva do juiz que me tirou a guarda, tive muita vontade de voltar a usar. Pensei: ‘Para que continuar limpa se não terei mais minha filha comigo?’, mas foi no grupo de NA que encontrei forças para me recuperar por mim, pela minha vida e saúde”, diz ela.

Escravos das drogas


Os participantes do programa de recuperação dos Narcóticos Anônimos seguem a regra do anonimato, não se identificando para se protegerem e resguardarem a imagem da irmandade, caso haja alguma recaída. “Eu era um verdadeiro escravo dessa droga, um adicto. A etimologia dessa palavra vem de ‘escravidão’. Adicto é um homem ou mulher cuja vida é controlada pelas drogas”, explica João*, de 43 anos, frequentador das reuniões de NA há 15 anos. “Estou limpo há 9 anos, 3 meses e 12 dias. Contamos assim, um dia de cada vez, vencendo as drogas por mais 24 horas”, complementa.

O NA valoriza o anonimato e a liberdade de seus membros, permitindo que entrem ou saiam do programa a qualquer momento. A base da recuperação dos Narcóticos Anônimos é a ajuda mútua entre os adictos, que se apoiam em grupos para compartilhar experiências, desafios e conquistas. O programa reconhece a dependência química como uma doença progressiva e incurável, mas que pode ser controlada através da força de vontade e do apoio constante do grupo.

Definidos como “escravos” do vício em substâncias, os adictos procuram no Narcóticos Anônimos uma luz no fim do túnel para recuperar o tempo perdido no amor, no trabalho e na vida familiar. No Litoral, a comunidade tem grupos em funcionamento há mais de 25 anos, com reuniões em Guaratuba, Pontal do Paraná, Morretes e Antonina. Paranaguá deve retomar o grupo em breve.

Encontrando uma nova maneira de viver


Os grupos de NA são abertos para pessoas de qualquer idade, orientação sexual e religião. O único requisito para participar é querer parar de usar. O programa garante duas coisas: que você vai encontrar uma nova maneira de viver e perder o desejo de usar drogas. Isso acontece através da frequência às reuniões de Narcóticos Anônimos, nos nossos grupos de mútua ajuda, onde nos encontramos regularmente”, explica João*.

As reuniões regulares acontecem até quatro vezes por semana no Litoral. Mas existem cidades, como Curitiba, por exemplo, onde os encontros presenciais são diários. Neles, apenas pessoas que têm problemas com drogas participam, compartilhando profundamente seus desafios. Contudo, uma vez por mês há uma reunião aberta, que serve para que a comunidade em geral, familiares, profissionais e amigos conheçam os Narcóticos Anônimos.

João também conta que a organização é sua rede de apoio, tornando o processo de recuperação mais leve. “Uma das chaves de sucesso de Narcóticos Anônimos é o valor terapêutico da ajuda de um adicto a outro. Os membros compartilham suas conquistas e desafios para superar a adicção ativa e viver livre das drogas. Através dessas partilhas, o que frequentemente acontece nas reuniões é a empatia entre os membros. O programa de recuperação abrange muito mais do que apenas o vício; ele engloba as dimensões física, espiritual, emocional e mental”, diz.

Passos e tradições


A recuperação baseia-se na frequência regular às reuniões e na prática dos princípios espirituais contidos nos 12 Passos e 12 Tradições de NA, que incluem a admissão de que existe um problema, a busca por ajuda, a realização de um profundo autoconhecimento, a admissão de defeitos a outro ser humano, a reparação dos danos causados, a ajuda a outros adictos a se recuperarem, a atração em vez de promoção, o autossustento e a preservação do anonimato de seus membros perante a sociedade.

Outro participante de NA há mais de uma década, Carlos*, de 47 anos, revela que, por conta do vício em drogas, perdeu toda sua família. “Eu roubava da minha casa para comprar drogas, ficava dias e dias na rua. Já fui internado várias vezes em clínicas de recuperação. Perdi tudo. Mas foi nos Narcóticos Anônimos que encontrei minha turma e tenho conseguido vencer essa doença. Isso me faz voltar, sabendo que estou no lugar certo”, conta.

Eugênio*, de 67 anos, que entrou no NA em Guaratuba há cerca de um ano, faz questão de destacar como se sente durante as reuniões. “Sinto-me acolhido por pessoas que têm o mesmo problema que eu, que me entendem e que eu consigo entender. Por meio disso, encontrei uma nova maneira de viver, reconhecendo meus problemas, que vêm desde a infância, e que me atrapalham na tomada de decisões. É por isso que, no grupo, encontro uma forma de controlar minhas emoções e alcançar mais racionalidade”, afirma.


Reuniões no Litoral


No Litoral, as reuniões acontecem nas sextas-feiras, em Antonina, das 19h às 21h, no Centro Esportivo Joubert Gonzalez Vieira, o Caveirão. Em Guaratuba, são quatro reuniões por semana: aos domingos, das 9h30 às 11h30, às terças-feiras, das 20h às 22h, às sextas-feiras, das 20h às 22h, e aos sábados, das 18h às 20h. Os encontros acontecem na Travessa Ari Camargo de Queirós, próximo ao Balão da Av. Curitiba.

Em Morretes, os encontros acontecem todas às quartas-feiras, das 19h30 às 21h, na Rodovia Miguel Buffara, 153, Centro. Em Pontal do Paraná, os encontros são às quintas-feiras, das 20h às 22h, na Rua Fernando Amora, 62, Balneário Santa Terezinha.

Também há reuniões on-line todos os dias da semana, em diversos horários, pelo site www.na.org.br/virtual. Além disso, os Narcóticos Anônimos possuem uma linha de ajuda via WhatsApp pelo número (41) 9-9777-0209, que atende todo o Litoral, Curitiba e Região Metropolitana. Há também a linha nacional 132.

*Nesta reportagem, foram utilizados nomes fictícios para respeitar o princípio de anonimato da irmandade Narcóticos Anônimos. A equipe do JB Litoral se reuniu com os membros na última quarta-feira (26), em Guaratuba.

Narcóticos Anônimos (NA)
Em Guaratuba, os encontros acontecem na Travessa Ari Camargo de Queirós, próximo ao Balão da Av. Curitiba. Foto: Juan Lima/JB Litoral

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